terça-feira, fevereiro 21, 2006

29) Tatuianos na Festa do Vinho de S. Roque

Alguns amigos estão recolhendo casos aqui e ali para que eu possa dar continuidade aos “causos”. Outros casos anteriormente escritos já têm contribuições, mas este foi repassado especialmente para os “Casos Tatuianos” pelo meu amigo Fabio Del Fiol.

Este caso aconteceu com o padre Murari, seu grande amigo Rui Português e o Dito Gordo, embaixador de Tatuí em Guarujá.

Certa ocasião, os três foram até a cidade de São Roque, por ocasião da festa do vinho. E vinho era coisa que interessava ao padre. Aliás, todos os padres têm interesse em vinho, visto que essa bebida é utilizada na liturgia católica.

Festa de padre tem que ter vinho

Mesmo que as aquisições vinícolas da paróquia fossem coordenadas pela diocese, nada impedia que o padre Murari fosse experimentar os produtos disponíveis em São Roque.

Atualmente alguns municípios do Rio Grande do Sul e até mesmo de Santa Catarina dominam a produção de vinho no Brasil. São Roque ainda produz vinho, mas a uva utilizada nessa atividade é importada do Sul.

Já o interesse do Rui Português não tinha nada de eclesiástico. Era essencialmente alcoólico. Dito Gordo, nessa ocasião ainda não era o embaixador de Tatuí em Guarujá e estava era fazendo turismo com os amigos.

Por falar em Guarujá, foi lá que o ex-presidente Jânio Quadros passou a residir depois de seu retorno do exílio. Jânio tinha sinceros amigos tatuianos, que costumavam visitá-lo frequentemente.

Jânio apreciava whisky

Conta-se que, em determinada ocasião, lá estavam os amigos tatuianos de Jânio Quadros em frente ao portão de sua casa. Apertaram a campainha e aguardaram abrir a porta. Se atualmente muitas casas têm sistema de vigilância com câmeras de vídeo, naquela época isso era uma raridade. Jânio aproveitava para fazer das suas com isto. Viu que eram os tatuianos e falou pelo interfone:

- Estou muito cansado. Só atendo se for o pessoal de Tatuí! – disse Jânio com a voz abafada e rouca.

- Somos nós, presidente! Somos nós! – gritaram todos a uma só voz.

Isto encantou os visitantes, que ficaram achando que Jânio fazia uma deferência especial aos tatuianos. Provavelmente ele fazia assim como todos visitantes, mas que funcionou, funcionou! Os tatuianos sentiram-se especiais!

Dentro de sua casa, conversando, Jânio servia-se fartamente de whisky escocês, mas distribuía Scotch Bard e Drury’s para os tatuianos, dizendo:


- Vocês já estão acostumados com estes!


Jânio não ficava sem seu whisky

Mas lá em São Roque, nossos outros amigos não ficaram com as sobras. Tomaram os melhores vinhos, em quantidades absurdas. Padre Murari tinha algumas ligações com a cidade de São Roque. Não sei exatamente quais, mas há nessa cidade a Rua Monsenhor Silvestre Murari, homenageando o velho padre.

O vinho, conforme a quantidade, deixa todos como palhaços

Experimenta este, beberica aquele, repete outro... nessa alegre atividade transcorreram algumas horas. Difícil foi levantarem-se das cadeiras, pois parecia que havia um paralelepípedo em cada joelho, tantas foram as experimentações vinícolas.

Levantar das cadeiras não foi fácil para os três

Conforme haviam combinado, foram dormir em um hotel de São Roque. Não dava para voltar para Tatuí naquele estado: estava realmente bêbados. Bêbados mas mantinham a linha. Não aconteceu nenhum pequeno deslize.

Mas para dormir padre Murari e o Rui nem banho tomaram. Foram direto para a cama. Haviam escolhido um quarto com três camas, para dormirem todos juntos.

A partir de uma certa idade, a maioria das pessoas usa dentaduras

Antes de deitar, padre Murari colocou sua dentadura em um copo com água que pegou na cozinha do hotel. A mesma coisa fez Rui Português. Em poucos minutos estavam ambos dormindo.

O padre colocou sua dentadura em um copo com água

Dito Gordo não tinha bebido tanto quanto os amigos. Ele era o mais jovem do grupo e o mais ajuizado, decerto. Estava quase sóbrio. Entrou no chuveiro e tomou um refrescante banho, antes de deitar.

Quando foi apagar a luz, Dito Gordo viu os dois dormindo, roncando, parecia que estavam tocando instrumentos de sopro. Deitou-se, mas não conseguia dormir. O ronco dos dois amigos estava insuportável. Em determinados momentos, parecia que o padre estava tocando um trombone e Rui uma tuba.

A araponga do padre fazia um ruído horrível

De repente mudava a tonalidade e parecia uma clarineta desafinada fazendo dueto com uma araponga (quem se lembra da barulhenta araponga do padre Murari? Eu que o diga, pois morava em frente à casa paroquial e aquela ave maldita batia a bigorna o dia inteiro: PÉÉÈM! PÉÉÉM!).

Como não conseguia dormir, Dito Gordo pensou em levantar-se e sair um pouco. Mas estava cansado. Pensou em ler alguma coisa, tentando distrair seus ouvidos daquela sinfonia infernal (o padre que me perdoe, mas seu ronco não tinha nada de celestial).

Nisso viu os dois copos com as dentaduras dos amigos e teve uma idéia: inverteu os copos de lugar... a dentadura do padre com Rui e vice-versa!

A barulhenta orquestra noturna do padre Murari não deixou o restante do hotel dormir

Logo foi vencido pelo sono. Ainda bem que não escutava a si próprio roncando, porque a partir de sua entrada de seu “instrumento” no concerto, o resto do hotel acordou... ROOONCC! ROOONCC! ROOONCC! ROOONCC! ROOONCC! ROOONCC! ROOONCC! Parecia a serraria de meu avô, abrindo toras em pranchas, pranchas em vigas, vigas em caibros e tábuas... Agora a sonoridade lembrava a serra vertical, a francesa, as serras de fita e a circular... Só sob efeito do álcool é possível dormir com um barulho desses!

Na manhã seguinte levantaram cedo, para voltar a Tatuí. Cada um foi ao banheiro fazer suas necessidades, lavar a boca e colocar as dentaduras. Ninguém reclamou de nada. Parecia que ainda estavam sob efeito do vinho.

Passava pouco das 8 da manhã e já estavam na estrada. Antes de sair com o carro, colocaram algumas dúzias de garrafas no porta-malas. Umas de presente para amigos, mas a maioria para o padre usar na liturgia.

O Rui estava com uma fisionomia de papel amassado. O padre, com sua batina preta, toda furada de brasa de cigarro de palha, estava com cara que quem comeu e não gostou, ou melhor, de quem bebeu...

Alguns minutos em silêncio e começaram a comentar sobre a festa do vinho.

Rui falou:

- Puxa, bebi tanto... mas acho que o vinho não era muito bom. Estou com uma ressaca estranha, até a minha boca parece que murchou!

O padre comentou então:

- Gozado, eu também achei isso, só que a minha boca parece que inchou!

Dito Gordo não se conteve e começou a gargalhar... ria sem parar, olhando para os dois amigos que não tinham percebido que suas dentaduras haviam sido trocadas.

- Eu troquei as dentaduras! Ahahahahah! Eu troquei as dentaduras!

Só então que os dois perceberam a situação. Retiraram as dentaduras e destrocaram. Mas não havia água para lavar e, sendo assim, saiu de uma boca e entrou em outra.

Rui Português fez o restante da viagem cuspindo pela janela do carro. O padre ficou aborrecido com isto e dizia:

- O Rui, você está com nojo de mim? Garanto que sua boca já andou em lugares piores que a minha!

Dito Gordo não usava prótese dentária... mas mostrou seus dentes rindo a viagem toda


Dito Gordo riu a viagem toda. Os outros dois só conseguiram rir uns dias depois... quando já tinha lavado adequadamente as dentaduras...

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