domingo, setembro 30, 2007

69) Último Tango em Tatuí

As escolas tatuianas nos anos 50 e 60 eram diferentes de hoje em diversos aspectos. Muita coisa mudou. Principalmente a disciplina em sala de aula. Isso não significa que só existiam anjinhos. Nada disso. A bagunça sempre existiu nas escolas. Mas existiam limites e estes eram respeitados.

No "Grupinho", no "Grupão" ou na "Escola Modelo", os alunos eram mais disciplinados que hoje!

Mas a vida escolar não tinha somente momentos de alegria. Não existia a tal “progressão continuada” e, sendo assim, só passava de ano quem realmente merecia.

Hoje, para maquiar índices estatísticos, as escolas contam com um sistema que aprova qualquer um, criando uma legião de analfabetos funcionais, pessoas que sabem ler, mas não conseguem compreender o que lêem.

Havia também, como hoje, cuidado com a saúde dos estudantes desde o “jardim da infância”, curso primário, ginásio até os últimos anos dos cursos científico, normal ou clássico, o atual ensino médio devidamente separado por áreas do conhecimento. Nessa época quem comandava o setor de saúde em Tatuí era o Dr. Jarbas Veiga de Barros.

Dr. Jarbas foi médico da Santa Casa, da saúde pública, professor no “Barão de Suruí”, vereador e presidente da Câmara Municipal. Além disso, era o terror da criançada. O homem era bravo, muito bravo e tinha lá o seu método de examinar a criançada que deixava todos em pânico.

Medo geral da criançada!

- Dr. Jarbas está aqui! – pronto, era o que bastava. Com essa frase a criançada começava a chorar, uns ficavam com “dor de barriga” e queriam ir embora, outros se escondiam em qualquer canto.

Mas não adiantava. Logo estavam todos em fila e o Dr. Jarbas, com o cabo de uma colher esterilizada em um copo com álcool, examinava todo mundo. Em pouco tempo o copo com álcool aumentava de volume, com a saliva e a “baba” da criançada... Éca!

O copo com álcool ia aumentando de volume com a saliva da criançada!

“Ahhh!” – esse era o som mais ouvido. Seguido do “Aiiiiiiiiii!”, que acontecia quanto Dr. Jarbas encontrava um dente podre e arrancava com o cabo da colher. Apesar dos métodos rudimentares, os estudantes de Tatuí eram examinados, encaminhados para tratamento e curados, quando necessário.

Ele sempre defendia aquilo que acreditava. Como torcedor fanático do time de futebol do XI de Agosto, bicampeão amador na década de 50, Dr. Jarbas vestia-se de vermelho, para demonstrar sua predileção pelo time da “égua vermelha”. Na política, sua firmeza de posição lhe valeu uma agressão que se comenta até hoje...

Mas, além de médico e torcedor do XI de Agosto, ele era um exímio dançarino de tango. Eu tive o prazer de constatar isso. Em uma noite, eu estava no Alvorada Club, pouco tempo depois de sua inauguração. Aquela noite não tinha nada de especial.

Mas o inesperado aconteceu. Em certo momento apareceu Dr. Jarbas, trajando um elegante smoking preto, acompanhado de sua esposa Carlota, que vestia um estonteante vestido vermelho.

Dr. Jarbas e Carlota eram exímios dançarinos de tango.

Esse vestido tinha um corte lateral, que permitia maior facilidade de movimentos à dançarina, ao mesmo tempo em que deixava à mostra parte de suas pernas, devidamente cobertas por meias pretas.

Trouxeram um LP com alguns tangos. Em pouco tempo a vitrola enchia o ambiente com a voz de Gardel. As pessoas que lá estavam abriram um espaço para o casal fazer suas coreografias e, em silêncio, admiravam o casal de dançarinos.

Dr. Jarbas e Carlota dançando tango. Uma cena inesquecível.

Mais uma vez eu fiquei de boca aberta por causa do Dr. Jarbas, mas desta vez o motivo foi bastante diferente. Não só eu, pois o casal dançou durante alguns minutos, deixando calados e boquiabertos todos que ali estavam. Ninguém dançava tango como eles. Perfeitos!

Último tango em Tatuí. Quem assistiu nunca esquecerá!

Infelizmente, pouco tempo depois, Dr. Jarbas faleceu. Muitos outros médicos surgiram na cidade. Poucas pessoas ainda torcem pelo XI de Agosto. Ninguém dançou como este último tango em Tatuí.

domingo, junho 24, 2007

68) As breganhas do Ernestino

O negócio do meu avô Ernestino era breganhar. “Breganha” – designação popular que deriva do vocábulo português “barganha”, significando troca, permutação... Claro que em Tatuí o idioma pátrio tem algumas particularidades que devem ter assustado o professor Napoleão (Napoleão Mendes de Almeida, que escreveu o Dicionário de Questões Vernáculas e tinha uma coluna no Estadão, sobre as tais questões).

Mas era assim que Ernestino falava quando ia “negociar” (entenda-se trocar coisas). Ele sempre tinha uma bicicleta ou uma máquina de costura pra trocar por qualquer outro objeto, desde que o “freguês” voltasse alguma importância em dinheiro. Sem “vórta”, sem negócio.

Minha avó não tinha sossego. Queria costurar, mas vovô já tinha 'breganhado' a máquina de costura por uma bicicleta Phillips enferrujada, um carrinho de pedreiro, um pilão e mais uma "vórta"!!!

As transações comerciais do Ernestino podem até parecer um contra-senso para alguém não-iniciado nas artes da breganha. Para quem é do ramo isso é coisa comum. Trocar, por exemplo, uma Leonette sem motor por uma máquina de costura e uns carretéis de linha é algo absurdo?

Leonette era o sonho de consumo da molecada da década de 1960!!!

E um tratorzinho de horta, daqueles que tinham uma alavanca no lugar da direção para ser trocado por um casebre na vila São Cristóvão, cujo acesso só era possível por meio de uma pinguela? Adquiriu o trator em troca de uma carroça sem cavalo.

A coisa era sempre assim. Em sua garagem sempre tinha uma bicicleta “reformada” com tinta prateada no guidão e nos aros. E uma plaquinha: Vende-se.

Um dia ele estava com quatro carros no quintal de sua casa (isto foi em 1979): um Fusca 1200 verde com assoalho esburacado, um Opala 69, 4 portas, com a embreagem estragada, um DKW sedan sem partida e um Corcel 68 com a lataria esburacada. A respeito desse carro já contei em um caso anterior. Meu avô consertou os buracos da lataria do Corcel com papelão e massa plástica. Estes carros eram para negociar. Além destes tinha um Fusca 1300 de seu uso particular. Esse não vendia.

Em 1962 comprou um Renault Dauphine novo. Ficou com o carro uns 15 anos. Quando foi vender o carro, estava tão usado que não tinha mais velocímetro... usava um calendário!! kkk!! Era um carro preto, muito bonito enquanto novo. Ernestino judiava do carro. Carregava um pouco de tudo. Dentro, fora... chegava a ficar amarrado dentro do carro quando carregava vigas e caibros para uma construção que fez.

Mas quando resolveu vender, quis caprichar no visual do carro. Para deixar brilhando, depois de lavar passou uma mão de óleo Singer. Brilhou uns 30 minutos, até ficar coberto do pó que grudava no óleo.

Ernestino deixou o Dauphine brilhando com Óleo Singer... mas uns minutos depois estava totalmente empoeirado!

Perguntei como ele fazia tantas trocas. Se ele ganhava ou se perdia. Claro que ganhava, apesar de, em uma ocasião, ter comprado um canário de um cigano que “descorou” na primeira chuva. Era um passarinho qualquer.

Contou então que certo dia fez um negócio com o seu Isaac, um judeu que tinha uma loja onde é hoje o Unibanco. Saiu de lá com um rádio antigo.

O rádio do judeu só "pegava o estrangeiro"!

- Era um rádio daqueles estrangeiros. Só pegava o estrangeiro também! – contou.

- O danado rádio só fazia fuiimmm giiiiiaaaammmmm zimmmm... e pegava a BBC, a Voice of America, a Rádio de Moscou... mas do Brasil nem a ZYL-5, a Rádio Difusora de Tatuí! – rematou.

Um rádio antigo por uma sanfona velha... bela troca

Depois de oferecer para algumas pessoas, encontrou alguém que trocou o rádio velho por uma sanfona. Essa sanfona ele ofereceu para mim e para o Marquinhos Fiúza (Birdinho):

- Vocês compram a sanfona e montam uma orquestra pra tocar em bailes! – argumentou.

Uma "orquestra" comigo e o Marquinhos, pra tocar em bailes... pior que essa só o Sol-Fá-Seis!

Mas logo achou alguém que se interessava na sanfona. Desta vez a troca era por um Renault Gordini (40 HP de emoção!). Conversaram e acertaram o negócio. Foram para Porangaba, em um sítio onde estava o tal Gordini.

- A mulher do dono do Gordini já foi com a sanfona no colo! – disse Ernestino.

O Gordini de Porangaba tinha um 'probleminha': seu câmbio não tinha marcha ré!

- Só estranhei uma coisa! - disse vovô. - Quando foram pegar o carro para trazer até Tatuí, em vez de manobrar logo ali na frente, o motorista deu uma volta longa e virou bem adiante! – Pois não é que faltava a marcha ré?!?! Só vi isso já em Tatuí, quando fui guardar o carro em casa!

Teve de mandar consertar o câmbio do Gordini. Mesmo assim, depois de pouco tempo vendeu o carro. Não foi troca, foi venda. O comprador deu uma entrada que praticamente pagou o custo do carro e ainda 24 Notas Promissórias que equivaliam, cada uma delas, ao valor do rádio do Isaac, ponto inicial dessa breganha. Ah! Tenho que destacar: Não interessava o objeto da troca, mas sim o dinheiro da "vórta"!!! Todas as breganhas tinha de ter a tal "vórta" em dinheiro!

quinta-feira, junho 21, 2007

67) Voando em alto estilo

Algumas pessoas têm medo de voar, incluindo eu mesmo. Realmente há certo grau de perigo. Não é para menos, pois tudo que sobe, desce. O problema está na maneira de descer!

O Tatit (quem se lembra dele? o Santana!), apesar de não admitir, tem lá seus medos de voar. Tem medo, mas se arrisca. Entretanto, para conseguir entrar no avião ele usa uma fórmula especial, cuja composição utiliza um remédio infalível para o medo: o álcool. Com isto, dependendo da dose, um camundongo enfrenta um leão!

Um dia, ele foi visitar seu irmão em Brasília (outro Tatit, claro). A viagem de ida ocorreu sem transtornos. Na verdade nem se lembra dela. Talvez tenha feito toda a viagem um tanto “amortecido”. O problema foi o retorno. O receio que tinha em voar, com a lembrança de alguns sacolejos na viagem a Brasília, foi aumentando, conforme o horário do embarque se aproximava.

De receoso, passou para amedrontado, de amedrontado para aterrorizado, de aterrorizado para horrorizado... Já estava trocando sua passagem da Varig por uma do Rápido Federal. Ia voltar de ônibus.

Mas, antes de sair da casa de seu irmão, começou a tomar umas e outras. Beberam o dia todo. Por volta das 6 da tarde foram ao aeroporto, pois o vôo sairia às 7. Aquele medo que invadia o coração do Tatit não mais existia. Havia bebido tanto que, se fosse o caso, voaria montado em um dragão. Cavalgaria até o coisa-ruim (ou cuzaruim, como se fala em Tatuí).

Aconteceu, no entanto, atraso no vôo que traria o Tatit de volta a São Paulo. Atrasos em vôos não é coisa recente. Este caso ocorreu há mais de 10 anos e o problema já existia. Como seu irmão não sabia do atraso, ficou sozinho no aeroporto. Foi ao restaurante e pediu uma porção de não-se-lembra-do-quê e um aperitivo. E mais cerveja. Ele precisava daquilo, pois era seu remédio contra o medo. Junto com a cerveja, tomava quebra-gelos de cachaça. E o vôo? Atrasado! As horas foram passando: 7 horas, 8 horas, 9 horas, 10 horas, 11 horas...

Durante a espera no aeroporto Tatit "bodeou"!

Logo depois das 11 da noite, escutou chamarem os passageiros (no sistema de alto-falantes do aeroporto). Levantou-se e caiu. As pernas estavam bambas. Com um pouco de esforço, andou até o local do check-in e embarque, mas não viu a fila. Não via coisa alguma com clareza e não conseguia ficar em pé. Para não cair novamente, foi sentar-se em uma cadeira que conseguiu enxergar por ali. Só que era uma cadeira de rodas. Sentou e bodeou. Como estava com a passagem na mão, um funcionário da Varig começou a empurrar a cadeira e levou direto ao avião.

Colocaram o “deficiente” sentado na primeira poltrona e perguntaram se ele desejava algo mais. Pediu mais uma cerveja, claro.

Sentado na primeira fila da primeira classe e tomando cerveja!

Que medo, o que... nem viu o avião levantar vôo e já estava dormindo.

Acordou em São Paulo. Quando se prepara para levantar da poltrona, ainda sob efeito das cervejas e dos quebra-gelos, fez alguns movimentos para sair. Logo surgiu um funcionário da Varig, com outra cadeira de rodas e, junto com uma aeromoça, desceram o Tatit do avião, levando até o saguão de desembarque.

Veículo de transporte do Tatit

Serviço de primeira! Perguntaram onde ele desejava ir. Conduziram até o serviço executivo de ônibus e de lá foi até a Praça da Republica. Lá havia uma outra cadeira de rodas esperando por ele. Desta vez ele só agradeceu e foi tomar um táxi. Não agüentava mais passear de cadeiras de rodas.

Quando estava no táxi, não havia passado ainda o efeito da bebida, mas contou ao motorista tudo que ocorreu. O cara ficou rindo do acontecido e bobeou, batendo o carro. Foram parar no 4º DP. O delegado do distrito estava uma fera, pois havia sumido uma arma de sua mesa. Deixou o Tatit, que ainda estava visivelmente atordoado, de molho na carceragem. Saiu pela manhã, só que desta vez não recebeu serviço de primeira.

Só para situar a cara de pau do Tatit, um sábado de 1976 foi tomar uma sauna no Alvorada Club. Mas não ficou na saúna, passou a tomar isto e tomar aquilo, até ficar muito louco.

Tatit saiu caminhando pelado pelas ruas da cidade!

Na saída, com o pensamento dando um looping atrás do outro, resolveu andar nu pela cidade. Desceu pelado a Rua Santa Cruz até o Lavapés, caminhando normalmente. Claro que as pessoas que viram ainda não esqueceram da cena. Não foi preso pois o Marcelo Peixoto o acompanhou em seu Maverick, carregando suas roupas. Vestiu-se dentro do carro e deixou o falatório correr um tempão. Algumas senhoras da cidade ainda não saem sozinhas nas ruas, devido à lembrança das cenas que assistiram!!! ARRE!

quarta-feira, maio 30, 2007

66) A igreja do evangelho altissonante do Nhô Frásio

Dissidência em igreja não é novidade. A Reforma de Lutero consistiu, basicamente, em uma desavença com Roma, gerando protestos contra determinados pontos discordantes. Nasceu então um novo ramo do Cristianismo: o Protestantismo. Mas a receita para criar novos caminhos estava pronta. De desavença em desavença, cizânia em cizânia, as igrejas protestantes foram multiplicando-se em proporções extraordinárias, com denominações das mais criativas possíveis.

Em Tatuí também acontecem desarmonias entre os membros das igrejas. Eufrásio, um pastor de uma igreja evangélica tradicional na cidade, teve lá suas desavenças com seu pastor presidente e criou uma nova igreja, abandonando as doutrinas que não concordava. Não me lembro do nome da igreja do Nhô Frásio, mas era alguma coisa que contava que aquela era a verdadeira igreja e não as outras.

A igreja foi instalada em um casebre, ao lado do ribeirão

Fundou a nova igreja ao lado do ribeirão que atravessa a cidade, logo abaixo da antiga Usina Vigor. Lá embaixo, na beira do ribeirão, em uma região com poucos moradores, uma ruazinha sem saída, a igrejinha tava arrumada para receber os fiéis e para vencer a luta entre o Bem e o Mal. O diabo haveria de passar maus bocados com o Nhô Frásio, como era conhecido na cidade.

O diabo não tinha vez com o Nhô Frásio

A localização da igreja do pastor Eufrásio não era das mais privilegiadas, apesar da possibilidade de batizar os novos fiéis no ribeirão, pois nessa ocasião a água, nessa região, não era tão poluída quanto hoje. Para compensar a má localização, Nhô Frásio arrumou uns alto-falantes tipo corneta, muito possantes, que colocou sobre o telhado do casebre onde funcionava a igreja.

Com aquelas "cornetas" Nhô Frásio conseguia ser ouvido em grande parte da cidade

Investiu suas economias em uma aparelhagem que amplificava sua pregação, do púlpito para as ruas da cidade. E tome barulho. Nhô Frásio não sabia fazer uma pregação sem gritar. Aos berros, expulsava satanás dali. Da igreja e das vizinhanças, porque a barulheira produzida pelo Nhô Frásio era ensurdecedora. Não sei se o diabo fugia do sentido da pregação ou do palavreado que mais parecia uma violência ao bom português.

Ninguém conseguia dormir quando Nhô Frásio pregava!

Além disto, os fiéis freqüentadores da igreja, incentivados pelo pastor, gritavam ainda mais, cujo som era também captado por outro microfone estrategicamente colocado próximo aos bancos da igreja. Arre!

Uma questão geológica fazia com que o ruído produzido na pequena igreja do pastor Eufrásio alcançasse distâncias inesperadas. O ribeirão que atravessa a cidade de Tatuí fica no fundo de um pequeno vale. O centro da cidade em sua margem direita (à jusante) e bairros como vila São Paulo, vila Esperança, São Cristóvão e Morro Grande ficam em sua margem esquerda. É, na verdade, um pequeno cânion.

Com isto, o berreiro que Nhô Frásio fazia lá pelas bandas da Usina Vigor, amplificado pelos alto-falantes de corneta e canalizados pelo cânion formado por esse vale, ajudado pelo vento, levava a pregação até as proximidades da ponte do Marapé.

Para piorar a situação, quando vai chover a pressão atmosférica muda e o som se propaga com mais facilidade, alcançando distâncias ainda maiores. Conforme a noite, a barulheira da igreja do Nhô Frásio atingia até a vila Dr. Laurindo.

O pastor Eufrásio não temia nada. Achava que com seus berros estava expulsando satanás e divulgando sua mensagem para as vizinhanças. Provavelmente nem o diabo agüentava a barulheira. Nhô Frásio não perdoava. A gritaria era imensa.

Para o diabo era fácil fugir daquele barulhão. Era só voltar ao inferno. Mas para os moradores da região a vida ficou difícil...

Só que isso não aborrecia apenas o inimigo, mas também todos os moradores de uma vasta região. Para o diabo era fácil: dava um mergulho e voltava ao inferno. Mas para os pobres tatuianos mortais que tinham de escutar aquilo todas as noites a coisa ficou complicada.

Ora Nhô Frásio expulsava satanás, ora estuprava o português com seu vocabulário...

Nhô Frásio queria ser OUVIDO por todos!

Nessa guerra entre o Bem e o Mal, durante algum tempo alguns moradores ficaram em dúvidas a respeito de quem era o Bem e quem era o Mal... e tome gritaria. Psiu! Silêncio!!! E a igreja? Fechou logo, para alívio dos moradores de Tatuí!

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

65) Caminhada forçada na Itália

Não, não se trata de algum caso referente aos pracinhas da FEB que na Segunda Guerra Mundial lutaram na Itália. É mais importante que isso: este caso trata de tatuianos assistindo a Copa do Mundo de Futebol de 1990!!!

Nessa copa foram muitos os tatuianos que viajaram até a Itália. Foi uma verdadeira multidão, incluindo entre eles o Zé Erasmo e o Toninho Gallo.

Estádio Delle Alpi, onde aconteceu o jogo Brasil x Suécia

No primeiro jogo foram até o Estádio Delle Alpi, em Turim, onde o Brasil enfrentou a Suécia. Beleza, Brasil 2 x Suécia 1!!!

Para ir do hotel até o estádio foram de ônibus. Animação total! Depois de encerrada a partida, mais animados ainda, foram até onde estavam os ônibus, mas cadê? Nada de ônibus... talvez tenham demorado um pouco mais... não sabiam a razão, mas os ônibus não estavam ali, como eles todos imaginavam.

Como fazer para voltar ao hotel? Alguém “arranhou” o italiano e perguntou como voltar ao centro de Turim. Não era coisa difícil, pois perto dali havia uma estação de trem. Era só tomar um trem que em pouco tempo estariam no local desejado.

Informaram-se dos detalhes: eram 15 estações dali até o centro. Contaram até o nome das estações. Mas como se lembrar dos nomes? Pouco compreenderam... o homem que passou as informações falou rapidamente... ninguém entendia italiano!!!

- Ah, se fosse inglês eu entenderia tudo” – afirmou Zé Erasmo. Mas não era. Assim mesmo acharam que haviam compreendido o suficiente.

Foram todos até a estação, esperar o trem. Como já era tarde, mais ou menos 1 hora da manhã, aquele seria o último trem daquela noite.

As estações italianas eram bem cuidadas

A espera foi curta. Logo chegou o trem. Um belo trem, diga-se de passagem. Nada a ver com os trens brasileiros.

A tatuianada entrou correndo no trem. Eram mais de 20 naquele momento. Faziam um barulho razoável. Pudera, o Brasil havia vencido a Suécia!!!

Zé Erasmo e Toninho Gallo entraram no último vagão. O trem partiu. Em cada estação, parava cerca de 1 minuto e partia novamente. Todos estavam atentos... passa uma, passa duas, passa três....

De repente, ao parar em uma estação, o Zé Erasmo deu um grito:

- É aqui, negada!

Desceram imediatamente alguns tatuianos.

O trem partiu novamente e eles ficaram na estação, olhando...

O Zé e o Toninho foram até o vagão seguinte. Quando o trem chegou à próxima estação, gritaram novamente:

- É aqui, negada!

Aquele corre-corre e saíram mais uns tatuianos, que ficaram nessa outra estação.

Rindo, os dois passaram para o primeiro vagão e quando o trem parou na estação seguinte, mais uma vez gritaram:

- É aqui, negada!!!

Desceram correndo os tatuianos que restavam no trem.

Não havia mais trem naquela noite. Os dois riram a valer e em poucos minutos estavam na estação central. Desceram e foram para o hotel, onde chegaram perto das 1h30 da manhã.

Como não sabiam o caminho, todos vieram seguindo a estrada de ferro!!

Bem, os outros tiveram que vir a pé. Os primeiros que apareceram no hotel, suados e cansados, só chegaram perto das 5 horas. E a cada momento aparecia um ou outro. O último deles chegou perto das 7 horas. Os dois, Zé Erasmo e Toninho Gallo, ficaram bem quietos... não contaram a ninguém que haviam feito de propósito!!!

Enfim, foi só canseira mesmo! Um bando de tatuianos não poderia ter passado pela Itália sem uma nota fora qualquer. KKK

sábado, janeiro 27, 2007

64) Jandira e o brejo

Estava chovendinho... Só garoandinho, mas como o lugar estava lotado, ficamos conversandinho na porta.

Esse diálogo só poderia ter acontecido em Tatuí. O vocabulário tatuiano tem algumas particularidades: o diminutivo é uma constante em conversas informais. Quando alguém chega pela primeira vez na cidade pode precisar de um intérprete.

Um dia perguntei a uma pessoa a respeito de seu filho, que estava doente. A resposta?

- Tadinho, ficou na Santa Casa, internadinho!

Às vezes me pergunto como seria o caso se tivesse ficado internadão!!!

E tem um verbo criado em Tatuí: o verbo “chavear”, na realidade uma movimentação do substantivo “chave”: - “Chaveie a porta!” ou o primor: - “Chaveie a chaveadura!”

Mas o caso não é sobre o vocabulário tatuiano. Isto foi lembrado porque a personagem central do caso que irei contar, quando veio morar em Tatuí, mais de 40 anos atrás, quase precisou de intérprete para compreender as expressões comuns da cidade.

- Óóó, Iara! A galanteza da sua filha já ta dormindinho?

Dona Iara veio morar com seu esposo, Amauri, na Fazenda Colina. Logo ali depois do bairro do Isolamento. O lugar era lindo, muito bem organizado e cuidado com carinho.

Havia uma bela piscina de água corrente, alimentada por um ribeirão que nascia ali mesmo na fazenda. Nessa ocasião, piscina era uma raridade. Essa era muito boa, com uns 15 metros de comprimento, uns 5 de largura e 3 metros de profundidade. Maravilhosa!

Claro que sempre apareciam visitas tentando aproveitar a piscina. Isso, para dona Iara, era sempre um prazer, desde que fossem seus convidados. Detestava penetras!

Certo dia, quando se preparava para entrar na piscina com sua filha, surgiu um ônibus lotado. Desceu um pessoal ruidoso que foi logo se encaminhado para a piscina. Era um time de futebol feminino – coisa rara na ocasião -, que, depois de jogar uma partida, estava ali para aproveitar a piscina. O time era acompanhado por namorados, fãs, curiosos, etc. Todos interessados na piscina.


Sem qualquer aviso, apareceu um ônibus cheio de visitas querendo nadar

Claro que dona Iara não quis deixar. Mas as pessoas argumentaram que seu esposo havia autorizado. Enquanto isso alguns já iam pulando na piscina. As jogadoras, suadas, não tomaram banho. Foram pulando direto para a piscina. Em instantes, o ônibus inteiro nadava ali, deixando a água toda encardida.

Aquilo era demais para dona Iara agüentar sem qualquer reação. Chamou o caseiro e foram fechar a alimentação da piscina. Havia uma pequena barragem com a canalização direcionada para a piscina. Com auxílio do caseiro, fechou o registro que mandava água para a piscina.

Sem entrar água, a piscina começou a baixar. O sistema de água corrente precisava de entrada de água, pois a saída era constante. Tinha que ter equilíbrio entre entrada e saída de água para manter a piscina no nível.

Cessando a entrada da água, o nível foi baixando. As “visitas” nadando, quase não perceberam que água baixava. Ou se perceberam, não ligaram.

Dona Iara ficou em sua casa, aguardando os acontecimentos. De repente a gritaria aumentou. Só que agora os gritos eram aterrorizados.

“Que terá acontecido?” – indagou-se preocupada dona Iara. Correu até a piscina, pois temia que alguém tivesse se afogado.

Mas não foi isso.... a água foi baixando com rapidez e só restava um pouco d'água no fundo. O que aconteceu é que, com seus 3 metros de profundidade, era impossível sair da piscina. Algumas das moças gritavam desesperadas.

Pra sair da piscina foi preciso uma escada

Bem, foi preciso arrumar uma escada para que as “visitas” pudessem sair da piscina. Deu certo a estratégia... foram todos embora!

Em outra ocasião, dona Iara estava descansando na casa, quando apareceu o caseiro, nervoso e afobado:

- Cadê o doutor Amauri? A Jandira atolou!!!

- O que aconteceu? – perguntou dona Iara.

- Foi a Jandira que desceu e atolou no brejo. Tá afundando. Preciso do doutor Amauri!

- Meu Deus! Será que a mulher do caseiro caiu???

Iara pegou o telefone e ligou para seu esposo. O caseiro explicou, cada vez mais nervoso, o problema do atolamento da Jandira.

Em poucos minutos o Amauri chegou e foi com o caseiro lá no lugar indicado por ele.

Demoraram mais de duas horas pra retornar. Dona Iara nem sabia mais o que pensar... achava que a mulher havia morrido.

- Devem estar chamando a polícia” – considerou.

Depois de uma longa espera, surgiu o Amauri, todo sujo de barro.

- Que aconteceu com a mulher? – perguntou preocupadíssima, dona Iara.

- Que mulher? – estranhou Amauri.

- A que atolou. A Jandira! – respondeu Iara.

- Que Jandira o quê! Quem atolou foi o trator John Deere que entrou no brejo!!!


Trator John Deere


Que confusão! O nome em inglês "John Deere" com o sotaque tatuiano do caseiro transformou-se em Jandira... e foi para o brejo! Isso, claro, só acontece em Tatuí.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

63) Curas espirituais em Tatuí

Este fato ocorreu por volta de 1976. Havia nessa ocasião uma mulher em Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, muito famosa pelas curas espirituais que realizava. Ela fazia suas rezas e, com sua boca, literalmente “chupava” fora a doença das pessoas.
Uma pessoa com um órgão doente ia até a mulher para se curar. Ela fazia suas rezas e, encostando sua boca sobre a pele do doente, nas proximidades do órgão com problemas, chupava fora o mal. Depois disso, cuspia o material que dessa maneira havia retirado das pessoas.

As notícias de suas curas ultrapassaram fronteiras. De todo o país iam pessoas buscar a cura para suas doenças com a tal mulher. De Tatuí, nessa ocasião, partiam ônibus lotados de pessoas que iam em busca da cura para seus males. Os comentários na cidade, como em todo o país, eram sempre positivos. Parecia que a mulher tinha mesmo dom de curar pessoas.

Algumas pessoas, então, resolveram buscar a mulher para que ela atendesse aos milhares de doentes tatuianos. Conseguiram uma casa vazia na rua Prudente de Morais, bem nas proximidades da Praça da Matriz.

Sucesso total!

Apareceram pessoas de todos os lugares. De Tatuí e das cidades vizinhas. Todos buscando solução para seus problemas.

Como o número de pessoas era infinitamente superior a qualquer previsão, surgiram filas enormes que davam voltas no quarteirão. Para reduzir o estresse, foram distribuídas senhas para o atendimento. A mulher ia ficar apenas 2 ou 3 dias, mas teve de estender sua passagem por Tatuí para mais de uma semana. Todo mundo apareceu por lá.

A fila estava enorme

Para agilizar o atendimento, a mulher passou a receber, de uma só vez, mais de uma pessoa, quando eram amigos ou familiares. Por exemplo, quando vinha uma família, todos eram atendidos de uma só vez, reduzindo o tempo de espera na fila.

Foi assim que dois amigos, Juraci e Jaime, foram atendidos juntos, de uma só vez. Juraci, quando criança, teve paralisia infantil numa perna, ficando com seqüelas por toda sua vida. Quando jovem precisou da ajuda de muletas para andar. Com o tempo dispensou esse equipamento, mas arrasta um pouco essa perna ao andar. Isso impediu que jogasse futebol, mas como tinha uma bela voz, tornou-se locutor da estação tatuiana de rádio, a ZYL-5, Rádio Difusora de Tatuí. Se não jogava futebol, pelo menos irradiava jogos. Irradiava e dava palpites. O homem entendia de futebol.

Bem, no caso do Jaime, apesar de ter pernas saudáveis, sempre foi um “perna-de-pau” quando o assunto era futebol. Nunca foi sua praia. Mas Jaime tem um problema desde a infância em suas cordas vocais. Fez dezenas de cirurgias, sem obter a cura total e efetiva. Com isto, sempre teve que se esforçar para falar. E sua voz é sempre um tanto afônica, rouca. Nada disso impediu que se tornasse advogado, profissão que exerce há mais de 25 anos.

Ambos, Juracy e Jaime, podem ser citados como exemplo de perseverança.

Pois bem, exatamente pouco antes da curandeira vir a Tatuí, o Juraci sofreu um pequeno acidente que machucou a perna sã, sendo necessário recorrer novamente às muletas. Convidou o Jaime para irem tentar a cura com a tão famosa mulher. Jaime, com esperança de escapar de mais uma cirurgia, topou imediatamente.

Foram os dois de uma só vez. Depois de algum tempo na fila, entraram juntos para ser atendidos. Os procedimentos eram semelhantes para todos.

O ambiente ficou avermelhado

A sala onde a mulher atendia estava com as janelas fechadas, na penumbra. Além da escuridão, foram estendidos alguns tapetes e forradas as paredes com panos vermelhos, criando um ambiente um tanto assustador. Havia estatuas de santos católicos e de entidades de religiões afro-brasileiras.

Assim que entraram, a curandeira perguntou seus nomes e o motivo que os levou até lá. Cada um deu a devida explicação.

Então, a mulher proferiu suas rezas e passou à benzedura, colocando sua boca junto ao pescoço do Jaime. Em segundos chupou alguma coisa e cuspiu. Era um material de aspectos horroroso, que disseram se tratava de carne esponjosa que estava nas cordas vocais dele.

Em seguida, com auxilio de algumas plantas, fez alguns gestos sobre o Juraci, dando seus “passes espirituais”, efetuando os benzimentos necessários para a cura.

Depois disso, a mulher dirigiu-se ao altar onde estavam as estatuas e passou a rezar com mais intensidade, ficando de costas para os dois amigos.

Logo disse em voz alta ao Juraci:



- Seu Juraci, jogue fora suas muletas! – ordenou.

Ouviu-se um ruído. BLAM!

- Seu Jaime, fale! - determinou.

Escutou-se o pigarrear típico do Jaime que, afônico como sempre, disse:

- Ãrrâ! Ééé... o Juraci caiu!

Apesar do sucesso que fez a tal curandeira em Tatuí, não sei se alguém foi curado, mas isto é certo: nem o Juraci e nem o Jaime receberam a esperada cura!