sexta-feira, novembro 25, 2005

13) Querubins tatuianos

Certo dia estava conversando com uma pessoa conhecida na cidade, quando ele contou um fato muito interessante que merece ser registrado. Ele é um autêntico representante ariano, descendente de imigrantes que saíram do norte da Europa para o Brasil: loiro, olhos azuis, porte elegante e andar de diplomata. Isto é muito fácil de comprovar, sendo necessário apenas olhar sua bela figura. Solteiro até hoje por opção, pois não desejava privar o público feminino da cidade de sua graciosa presença. Não iria dividir apenas com uma mulher a sua beleza.

O que eu desconhecia é que ele havia sido uma das crianças mais lindas de Tatuí lá pelo final da década de 1940. Um menininho dinamarquês loiro de olhos azuis... lindo, lindo.

Nessa ocasião, estava sendo pintado o teto da igreja Matriz pelo artista Di Tomazio. Uma obra de arte que ilustra passagens bíblicas e dogmas católicos. A obra estava aproximando-se do final, deixando os tatuianos orgulhosos da beleza desse templo, que - dizem - foi construído para ser uma catedral no futuro, a sede de um bispado que nunca aconteceu.

(Foto do interior da igreja, por Felipe Simões)

Lá estava o menino nos braços de sua orgulhosa mãe, olhando as maravilhosas pinturas do artista. O artista Di Tomazio, quando viu aquele menino tão lindo, olhos azuis, loiro, uma verdadeira criança sueca que por um capricho do destino caiu de nascer em Tatuí, admirou-se com sua beleza.

- Que criança linda! Poucas vezes vi um menino tão lindo! Nem em Oslo vi um igual! - exclamou.

Di Tomazio estava já sem inspiração para continuar sua obra, pois esse trabalho já tinha alguns anos. Ao ver aquela criança tão linda, logo falou para sua mãe que desejava registrar seu angelical rosto norueguês.

Ela concordou imediatamente. Imagine se ela iria privar aquele templo maravilhoso de figura tão linda...

E assim aconteceu. Di Tomazio recebeu uma fotografia do menino para poder pintar os anjinhos que estão no teto da igreja, bem defronte da sacristia. Em diversas ocasiões o menino esteve com o artista para que ele captasse a tonalidade WASP (white anglo saxon people) de sua pele, a cor de seus cabelos e o azul de seus olhos... não foram poucas essas ocasiões.

Segundo ele próprio, os rostinhos dos anjinhos são, nada mais, nada menos, que a fiel reprodução dele quando criança, quando foi a criança mais linda que já existiu em Tatuí, segundo sua própria avaliação.

Entretanto, há alguns pontos ainda obscuros nessa história. Será que apenas o rostinho de menino filandês inspirou o artista? Sabe-se que ele pintou muitas igrejas e outras obras depois desta e, aqui está a questão, muitos anjinhos... Todos têm a mesma fisionomia dos anjinhos tatuianos... dos querubins.

E querubins, como todos sabem, são aqueles anjinhos que mostram a bundinha, que aparecem sempre nus e com o traseiro completamente a mostra. Di Tomazio passou a pintar querubins sempre que tinha oportunidade, sempre iguais, sempre a partir do mesmo modelo.

Com a foto do tal menino e de um querubim, essa questão pode ser analisada por todos, buscando uma solução para o pergunta: onde Di Tomazio buscou inspiração para pintar a bundinha de seus querubins?

Fica a critério de cada um concluir!

segunda-feira, novembro 21, 2005

12) Tatuí na Segunda Guerra Mundial

A Segunda Guerra Mundial envolveu todo o planeta em atividades bélicas. Os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) lutavam contra os Aliados (Inglaterra, França, Estados Unidos, União Soviética, o restante da Europa, Ásia, Norte da África, etc.).

O etcetera aí incluía o Brasil e, por conseqüência, lá no finzinho desse etcetera, Tatuí. A encrenca aumentou a ponto do Brasil entrar na briga e até uns heróicos tatuianos foram combater alemães em território italiano. Ah, mexeram até com o pessoal de Tatuí!!

A vida durante o período de guerra não poderia continuar com antes, porque alguns produtos foram racionados, como derivados de petróleo, álcool, açúcar, dentre outros. Tudo era precário. Os automóveis precisaram encontrar um substituto para a gasolina, escassa, sendo então necessário adaptar os carros para funcionar com o gasogênio, um aparelho que produz gás a partir da queima de carvão.
O tal equipamento que produzia o gás (gasogênio) consistia em um apêndice horroroso que ficava na trazeira dos carros, que além de deixar visualmente feio, sujava todo mundo com o carvão que consumia... Nesta foto há um automóvel equipado com o tal gasogênio.

Quanto ao álcool, Getulio forçou seu racionamento confiscando 70% da produção, em seu afã de mostrar a modernidade brasileira, tentou uma espécie de “lei seca” e não teve sucesso e, então impôs regras não tanto para proibir, mas para diminuir o consumo. Com isto, o açúcar, derivado da cana-de-açúcar também foi racionado. Aqui entra o caso lembrado pelo meu amigo Dr. Cesar Camargo, filho de um dos protagonistas...

A maioria das pessoas acompanhava as notícias da guerra pela mídia da época, o rádio, sendo que um dos programas de destaque na rádio era chamado “A história em ação”, transmitido pela Rádio São Paulo nas noites de domingo. Outro programa, “A marcha da guerra”, tinha participação de diversas autoridades que comentavam o desenrolar do conflito. Este era transmitido de segunda a sexta-feira à noite pelas rádios Cruzeiro do Sul, Difusora e Tupi.

Além destes, havia a Voz do Brasil, um programa criado para o ditador Vargas doutrinar a população. Apesar de tudo que já mudou no país, este programa tem sobrevivido até hoje... talvez para manter alguns empregos, pois audiência é algo próximo de ZERO!

A Voz do Brasil era retransmitida por todas as emissoras de rádio e, sendo assim, era ouvida por todos. Não tinha alternativa.

De seu noticiário surgiam a noticias “oficiais”, com os números e fatos devidamente “depurados” pelo governo. Mas, mesmo assim, tinha credibilidade.

Em Tatuí, como no restante do país, o açúcar estava rigorosamente controlado devido ao racionamento. Era racionado, mas na calada da noite sempre apareciam caminhões a suprir os armazéns tatuianos. Só o preço tinha alteração, estava no “câmbio negro”, mas no aspecto “quantidade” continuava à vontade.

O armazém do Zé Sallum, como todos os outros, tinha lá seu estoque lotado de açúcar. Só que os outros comerciantes não tinham, como filhos, o Farid, Oscar, Félix...

Pois bem, certo dia, resolveram pregar uma peça no pai. Na parte superior do Cine São Martinho havia o serviço de músicas da Praça da Matriz, sob o comando do Ozório Camargo (Ozório Pinga, apesar de que nunca o vi tomando um golinho).

Farid fez seus planos com o Ozório e montaram um dispositivo no rádio do Zé Sallum. Na hora da Voz do Brasil, sempre eram divulgados os nomes de pessoas presas sob acusações diversas ligadas à segurança nacional. O racionamento do açúcar era considerado assunto de segurança nacional.

Quando o Zé Sallum foi escutar o rádio, tocou lá o Guarani, começaram as notícias e, em determinado momento, o Ozório ligou seu dispositivo e começou a falar, dando a impressão que era parte do próprio programa governamental...

O Ozório começou a narrar fatos da guerra (ele era um locutor experiente) a partir do quarto do Farid, onde estava montado o microfone e outros apetrechos. Zé Sallum ouvia tudo com atenção.

De repente, Ozório começou a falar de pessoas que haviam sido presas com estoque de açúcar. Mário de Tal, em São Paulo foi preso com sacas de açúcar contrabandeado... Em Piracicaba, Pedro de Tal e em Itapetininga, José Maria preso pelo mesmo motivo.
Daí o “locutor” avisou que em Tatuí, um grande comerciante chamado José Sallum iria ser preso nas primeiras horas da manhã seguinte porque tinha um enorme estoque de açúcar em seu armazém.

Aiaiaiaiai! Pânico Total!O Zé Sallum exclamou seu bordão: Epa, c'os diabos! e rapidamente tentou desligar o rádio.

Mas como era o Osório que falava ao microfone escondido, não adiantou desligar, pois o "rádio" continuava falando do mesmo assunto...

Como não adiantou desligar, Zé Sallum desligou a tomada, mas, claro, as notícias continuavam, pois era o altofalante do Osório.

Como não conseguia parar aquele noticiário enlouquecedor, ele ia quebrar o seu rádio, até que o Farid interviu, acalmando o pai, contando que se tratava de uma brincadeira.

- Ah, mas que brincadeira! - aliviado, mas aborrecido, Zé Sallum respondeu.

"Guerra, Doce Guerra"! Assim a guerra foi encarada pela população tatuiana... com tanto açúcar só poderia ter sido encarada docemente e... com humor, muito humor. 
Alguns tatuianos, no entanto, foram lutar na Itália e um deles, o Juquita, não voltou, entregando sua vida pela liberdade que desfrutamos hoje.

domingo, novembro 20, 2005

11) Experimentando fumo de corda!

Se bem me lembro, o episódio aconteceu entre 1978 e 1980. O grande Bimbo Azevedo estava enfermo, não conseguia nem mesmo levantar-se. Eram os últimos dias do grande compositor tatuiano.

Euchário Holtz não poderia deixar de visitar o amigo de muitos anos. E lá foi ele à casa do Bimbo. Conversou rapidamente com dona Julieta e logo entrou no quarto onde o amigo repousava.

E prosa vai e prosa vem, falaram da chuva, do calor e do frio, dos pernilongos e em pouco tempo não havia mais assunto. Euchário não deixou por menos e logo foi contando velhas histórias de seu imenso repertório.

Não se pode esquecer que Euchário pretendia escrever um livro com as histórias, ou melhor, das aventuras e desventuras de personagens famosos da cidade. Não sabemos se há alguma anotação, mas essa obra manteve-se inédita até hoje...

Euchário lembrou-se de um acontecimento ocorrido com o professor Celso de Mello, quando o mesmo estudava na Escola Normal de Itapetininga em sua juventude. Essa escola era uma das únicas formadoras de professores de todo o Estado de São Paulo. Os tempos eram outros e as viagens, além de demoradas, custavam caro e, assim, os alunos não ficavam viajando diariamente como ocorre atualmente, mas residiam em pensões da cidade de Itapetininga.

Isso não era diferente com seu Celso. Morava em uma pensão de Itapetininga e voltava para Tatuí de tempos em tempos. Foi nessa situação que ocorreram os fatos que Euchário contou em sua visita ao Bimbo:

Em seus momentos de folga, seu Celso costumava ficar conversando em uma tabacaria nessa cidade, pois havia se tornado amigo do proprietário. Nessa época, uma tabacaria era muito diferente das atuais, pois não havia cigarros de papel, em maços, como existem hoje, mas o fumo era vendido em rolo, chamado de ‘fumo de corda’.

Alguns fumantes enrolavam o fumo em papel próprio, mas a maioria preferia enrolar na palha de milho e, assim, fumar seu ‘cigarrinho de palha’, cada qual com seu fumo de preferência. Nas tabacarias o freguês encontrava diversos tipos de fumo, cachimbos, piteiras, isqueiros e outros acessórios.
E lá estava o seu Celso conversando com seu amigo na tal tabacaria, quando entrou uma pessoa que começou a olhar os fumos expostos, como se procurasse algum fumo especial:

- O senhor tem fumo forte? perguntou ao vendedor.

- Ah, sim! Tenho este aqui, um fumo da melhor qualidade, fabricado com folhas escolhidas!

O freguês olhou e cheirou. Perguntou se poderia experimentar.

- Claro, disse o vendedor.

Era costume da época permitir que os fregueses experimentassem o produto antes de comprar, pois não havia padronização e um fumo de um mesmo fornecedor poderia ter qualidade e sabor variados entre uma remessa e outra.

O homem então picou um pedaço de fumo e começou a moer para fazer um cigarro.

- O senhor tem palha? perguntou.

- Claro! Eis aqui. E entregou uma palha já cortada para ser enrolada...

Enquanto o freguês pacientemente enrolava o cigarro, o dono da tabacaria deu um sinal para o seu Celso e disse baixinho:

- Ih, é apenas um ‘filante’!

O homem terminou de enrolar o cigarro e perguntou:

- Poderia me emprestar o isqueiro?

O dono da tabacaria acendeu o cigarro do freguês que logo começou a fumar, dando tragadas profundas para sentir bem o gosto, como se realmente experimentasse o produto. Mas aconteceu que, no momento em que deu as primeiras tragadas no cigarro, começou a tossir bastante e forte. Com isso, acabou por soltar alguns ‘puns’ involuntários junto com o acesso de tosse.



Tanto o seu Celso quanto o dono da tabacaria observaram toda a cena em silêncio, pois a situação foi bastante embaraçosa.

Ao terminar de fumar tranqüilamente todo o cigarro, o freguês, confirmando a impressão que teve o dono do lugar, procurava encontrar uma desculpar para não comprar o fumo, pois tudo que ele queria já havia conseguido: ‘filar’ um cigarro.

Então, como desculpa para não comprar aquele fumo, passou a olhar em volta, como se procurasse outro, e disse:

- O senhor não teria um mais forte?

Ao que o dono da tabacaria respondeu:

- Ah, um que faça ‘obrar’ eu não tenho!

Constrangido, o ‘filante’ colocou-se na rua e desapareceu.

Quando Euchário contava esse acontecimento para o Bimbo, utilizou toda sua técnica de narração, caprichando nos detalhes, ressaltando gestos e entonações na voz. E o Bimbo escutou tudo aquilo e riram bastante. Logo mais Euchário levantou, despediu-se e foi embora.

Mas o Bimbo ficou ‘ruminando’ a história e imaginando a situação na tabacaria, com a lógica de seu dono que, se aquele fumo já havia feito o freguês soltar uns peidos, um mais forte acabaria em merda mesmo...

E continua pensando e relembrando dos gestos e da entonação do Euchário e teve um ataque de riso. Tenta segurar, pois não havia motivo aparente para dar gargalhadas estando sozinho. Começou a ficar agitado, passando mal e não cessava o acesso de riso, ficando até mesmo sem fôlego.

Dona Julieta, percebendo que algo acontecia, correu perto do marido e perguntou o que estava acontecendo. Bimbo nem conseguia falar, pois estava meio sem ar de tanto rir. Tremia e a única coisa que conseguiu dizer foi ‘Euchário’, ‘Euchário’.

Dona Julieta assustou-se, pensando que daquele momento Bimbo não passava. Corre pra cá e corre pra lá, Bimbo foi se acalmando e conseguiu explicar tudo que acontecia, que estava rindo da história que Euchário lhe contou.

No dia seguinte, quando tudo já estava de volta ao normal, Euchário retornou para outra visita. Mas encontrou dona Julieta que lhe pediu - pelo amor de Deus -, que não visitasse mais o Bimbo, pois mais uma história daquelas e ele não agüentaria.

10) A Circular de Tatuí

Tem muita gente que acha que “antigamente as coisas eram melhores que hoje”. Mas isso pode não corresponder à verdade e ser apenas uma manifestação da saudade do tempo em que não tinha ainda tantas dores no corpo, que tinha esperança de fazer isto e aquilo, que achava ser dono ou dona do mundo!!!

Os exemplos são incontáveis em todas as áreas, com exceção, é claro, dos aspectos físicos e pessoais de cada um... Com o passar do tempo todo homem deixa de ser um “gavião” para se transformar em um “condor”... com dor disto, com dor daquilo...

O que me veio à memória desta vez foi o serviço de Circular de Tatuí, que antigamente pertencia aos irmãos Nardão e Arlindo da Circular, dois dos homens mais trabalhadores e esforçados que já viveram nesta cidade!

O trajeto do serviço de Circular, com os dois irmãos, ia da Estação Ferroviária até o alto da Santa Cruz, passando pela Praça da Matriz, Largo do Mercado, parte do Boqueirão, Bairro 400... enfim, passava pelos locais mais importantes da cidade.

Entretanto, se o serviço pretendia atender aos requisitos dos passageiros, os veículos, para se dizer o mínimo, deixavam a desejar... Puxa, até nem combina a frase “deixavam a desejar” com os ônibus dos irmãos Nardo e Arlindo! Eram horríveis, feios, velhos, fedidos... qualquer adjetivo depreciativo combina mais que essa frase! Mas os dois irmãos tentavam fazer com que a prestação de serviço de transporte urbano de passageiros em Tatuí fosse um bom serviço, o que não acontecia. Se alguém tomasse o ônibus para ir até a Estação pegar um trem, provavelmente faria o resto da viagem com a roupa suja... a circular de Tatuí não perdoava ninguém: sujava homens, mulheres e crianças com seus bancos rasgados e encardidos.

Isso quando chegavam ao destino, pois a praxe era ficar pelo meio da viagem - quebravam o tempo todo.

Quebravam sim, mas não ficavam paradas, pois os dois irmãos, além de motoristas, eram mecânicos muito competentes e, com um pedaço de arame, alicate, martelo e chave de fenda faziam verdadeiros milagres! Enquanto existisse um pedaço de arame havia conserto e, claro, uma circular rodando em Tatuí.

Só que, como já falei, os ônibus eram horrorosos. A única coisa que não faltava no serviço de transporte urbano de passageiros era serviço para os dois irmãos. Passavam o dia todo fazendo mágicas pra dirigir aqueles museus ambulantes e a noite tinham que trocar a caixa de câmbio, o radiador, ou mesmo dar uma “retificadazinha” no motor.

O trabalho era incessante. Quem passasse a noite em frente à Estação Ferroviária poderia “assistir” ao Nardo ou o Arlindo fazendo reparos nos veículos... era lá, no pátio existente na frente da Estação que os ônibus “repousavam” do trabalho diurno e, quase todas as noites, sofriam os reparos necessários para mais um dia de trabalho (e novos problemas)...

Mas como um dos itens mais problemáticos era o aspecto externo, Nardão e Arlindo resolveram reformar um dos ônibus, para tentar melhorar a imagem da trabalhosa empresa de Circular.

Escolheram um dos veículos que não estava muito ruim, ou pelo menos, o menos ruim, e começaram a reformar... arruma aqui, arruma ali, remenda aqui e acolá... repara uma goteira ali – ah, isso sim, tinha aos montes... diziam que quando chovia, dentro dos ônibus molhava mais que na rua.

As ferramentas eram as de sempre: alicate, chave de fenda e martelo. O material também não fugia do velho e multifuncional arame. Mas precisavam pintar. Compraram tinta, mas não tinham compressor para pintura. Que fazer? As oficinas especializadas queriam cobrar um valor irreal para a receita dos irmãos. Improvisar foi a solução! Isso não era novidade, os ônibus utilizavam mais improvisação que combustível no dia-a-dia.

Bomba de Flit! Isso mesmo: pintar com bomba de Flit, aquele antigo veneno contra moscas, mosquitos e pernilongos.

A coisa era simples: temperava a tinta com thinner, bem fininha, colocava no depósito da bombinha e pronto, era só bombear...

O Pipa – quem se lembra da bicicletaria do Pipa? – sempre pintava bicicletas com “bomba de flit” e ficavam ótimas!

Mas bicicleta é uma coisa, ônibus é outra coisa! Outra coisa muito, mas muito maior! Nisso residia a dificuldade dos irmãos... A bomba de Flit tinha capacidade para pintar uma área muito reduzida... e o ônibus era imenso,

Bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear…

Essa foi a rotina durante incontáveis dias! BOMBEAR a danada bombinha de Flit!

Mas conseguiram pintar o ônibus inteiro... quer dizer, inteiro não, pois o teto não pintaram com a bombinha, “porque ninguém enxerga lá em cima mesmo...” alegaram!


Mas todo esse esforço teve uma conseqüência inesperada! De tanto esforço dedicado ao bombeamento desse equipamento, os dois, Nardão e Arlindo, ficaram com os braços engrossados... mais grossos que os braços do Popeye!!!

Duvidam de alguma coisa? O Arlindo da Circular, infelizmente já faleceu, mas o Nardão está vivo e muito bem de saúde... Ele pode confirmar toda esta história!

sábado, novembro 19, 2005

09) Impasse na procissão

Mas como aconteciam procissões antigamente!!! Parece que todo dia tinha procissão... quando menos eu esperava, lá de minha casa na Travessa da Matriz podia perceber que o João Sacristão já estava abrindo a porta lateral da igreja, todo afobado, correndo para andar e pra falar, ajeitando as coisas para mais uma procissão... Ele tinha motivo pra ficar todo apressado... o padre, com sua batina preta toda furada de brasas de cigarro, estava apressado, bravo, querendo que as coisas saíssem certas, ou seja, do jeito que ele queria que acontecessem.

As figuras eram sempre as mesmas... puxando a procissão vinham os Congregados Marianos, homens com o rosto comprido... uns quase santos. Tinha procissão que apenas dava uma volta na praça... outras iam mais longe, até o Largo do Mercado... outras até a igreja de São Roque, uma delas até o Asilo... Ah, essa deixou saudades, pois as ruas eram enfeitadas duas vezes:de manhã, quando ia da Matriz ao Asilo e à tardinha, quando voltava à Matriz.

Mas uma destas procissões extras ficou marcada. Aconteceu à noitinha. Não sei onde o padre arranjou uma lanterna com luzes coloridas, vermelha e verde, além da luz normal de farolete. Dessa vez ele não foi ele o padre que conduzia a procissão... nem me lembro mais quem foi... O cuidado com o trânsito procedia, pois, apesar de Tatuí contar com poucos veículos, sempre acontecia de um ou outro virar no sentido das procissões e atrapalhar.

O padre, com sua batina preta, foi na frente da procissão e, ao chegar nas esquinas, acendia a luz vermelha da lanterna para impedir o trânsito. Em seguida, acendia a verde para o lado da procissão... tudo muito bem organizado. Ele comandava tudo!

Seguia a procissão em toda sua galhardia... linda... os devotos rezavam e cantavam, sob as ordens dos congregados marianos: Avê, avê, avêêêê Marííía!!!. A banda, furiosa, dava o tom musical mais importante.

A banda que acompanhava as procissões, Banda Santa Cruz provavelmente, consistia de um ajuntamento de músicos amadores que não perdiam oportunidade de tocar. Era, no entanto, o cúmulo do ecumenismo, pois os mesmos músicos e instrumentos que tocavam nas procissões tocavam nos bailes, nos carnavais e até na zona... e o pior: tocavam sempre as mesmas músicas!!!

O baixo-tuba era nada menos que o Mé, cigano radicado em Tatuí, amante da música, considerado o melhor tocador de baixo-tuba do ramal de Itararé. E o Mé não perdia nem procissão e nem bailes no Clube do Toco ou na Vila do Céu... e ele não era exceção, era a própria regra!

Nessa noite inesquecível, com o padre coordenando o trânsito de Tatuí, a procissão seguia pela rua José Bonifácio, virando à esquerda na rua Juvenal de Campos... na esquina da Coronel Aureliano, vinha um ônibus, que o padre foi mandar seguir mais rapidamente, para não atrapalhar o andamento da procissão...

Só que naquela época a “circular” de Tatuí era uma coisa fenomenal... Os ônibus, chamados de “jardineiras”, eram Ford ou Chevrolet, uns ônibus da década de 1940 ou antes, provavelmente refugos de São Paulo... só para se ter uma idéia, se alguém estivesse em uma “circular” de Tatuí e chovesse, seria melhor descer e enfrentar a chuva diretamente que ficaria menos molhado. Chovia mais dentro que fora!

Daí que em vez de seguir, o ônibus resolveu encrencar no meio da rua... mais ou menos no meio da rua, pois somente seu “bico” estava na Juvenal de Campos. O padre ficou furioso! Correu perto do ônibus no momento em que a procissão já estava próxima... os primeiros das filas (haviam duas filas laterais que antecediam ao andor) já estava desviando do veículo...

O padre começou a gritar para o motorista: - Ô rapaz, toca essa jardineira! Toca a jardineira!!! Vai, vai... toca a jardineira!!!

Só que o pessoal da banda não havia percebido o impasse na esquina, pois vinham atrás do andor... ouviram parte do que o padre gritava: ...toca a jardineira!!!

Não tiveram dúvidas: o maestro deu a ordem e a banda começou a tocar: “ó jardineira porque estás tão triste?... mas o que foi que te aconteceu? ...foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu!!! Uma famosa marchinha de Carnaval, que contagiou beatas e outros acompanhantes da procissão!

E o Mé? Durante um lapso de tempo ficou perdido sem saber onde estava, onde tocava, se num clube ou numa igreja... e sapecou: PÓ-PÓ-PÓ-PÓ-PÓÓÓ!

O padre, no entanto, espumava de tão bravo que ficou... Justo nesse dia que ele pretendia organizar o tráfego para não atrapalhar o andamento da procissão acontece um – KKKKK! - desastre desses...

sexta-feira, novembro 18, 2005

08) A dieta do Dragão

Paulo Holtz estava muito gordo... um verdadeiro dragão, como seu apelido. Não em aspecto, pois era uma figura muito agradável, mas em voracidade. Tinha um apetite fenomenal. Seu apelido, Paulo Dragão, foi resultado de uma sociedade entre meu avô Tonico e seu Pedro, o pai de Paulo. Eles tinham uma firma chamada Campos & Holtz.

Nessa sociedade, entre 1905 e 1920, mais ou menos, eles tinham fábrica de gelo (em uma época em que não havia geladeira), fábrica de farinha (de milho e mandioca), beneficiamento de arroz, fábrica de chapéus, serraria, eram atacadistas de tecidos e de aguardente, fabricavam sabão (Sabão Girassol, era a marca) e torrefação e moagem de café (produziam o Café Dragão). O apelido Dragão é herança do pó-de-café “DRAGÃO”.
Como já falei, Paulo estava gordo e isso estava deixando dona Totinha, sua esposa, muito preocupada. Ela, mulher ligada aos esportes, professora de ginástica no Ginásio de Tatuí, não se conformava com o que estava se transformando aquele dragão. Não custa lembrar que Paulo era primo do Euchário, filósofo alemão nascido e criado em Tatuí.

Dona Totinha deu um “aperto” no Paulo e estipulou uma dieta rigorosa que, muito a contragosto, ele passou a seguir: uma fatia de torrada com uma xícara de chá como desjejum. No almoço, um bifezinho mixuruca com duas rodelas de tomate e uma folha de alface. Podia, se quisesse, tomar uma xícara de chá, sem açúcar... E no jantar? Jantar? Não dá pra chamar com esse nome o pedaço de queijo fresco, a torrada e o copo de suco de laranja...

Só que o Paulo Dragão passou a seguir a dieta direitinho. Comia aquelas coisinhas preparadas por sua esposa e parecia satisfeito. Nem reclamava mais.

Não reclamava, mas não emagrecia! Nem um grama!!!!

Ao comentar com algumas pessoas que Paulo fazia dieta mas não emagrecia, chegou-se a conclusão que havia muita reserva de gordura em seu corpo, mas isso seria apenas uma questão de tempo, pois logo seu organismo passaria a consumir o excesso e, só então, emagreceria.

O regime do Paulo já tinha mais de um mês. Não havia emagrecido, mas dona Totinha mantinha sua convicção que era apenas uma questão de tempo e logo aquele depósito adiposo passaria a ser consumido...

Uma noite passeavam pela Praça da Matriz, que nessa ocasião chamava-se Praça Fernando Prestes. Passaram em frente ao Hotel Del Fiol, onde, conforme sua propaganda dizia, a “elite se encontrava”.

Dona Yolanda Del Fiol, ao ver o casal na praça, atravessou a rua, toda alegre, e veio ao encontro. Paulo bem que tentou desviar, mas não conseguiu...

- Que bom que você sarou, Totinha! - disse dona Yolanda.

- Mas eu não estava doente!!! - respondeu dona Totinha.

- Mas como? O Paulo tem almoçado e jantado no Hotel dizendo que você não pode lidar com a cozinha, pois está doente!!!

- Ah, então era isso!!! Não era à toa que o danado não emagrecia... pelo contrário, estava engordando!!! Ah, você me paga!!!

O Paulo seguia a risca a dieta que lhe foi imposta, mas almoçava e jantava no Hotel Del Fiol todos os dias, sem deixar de lado nem mesmo a sobremesa, geralmente banana com goiabada ou pudim de pão...

É, tinha tudo mesmo para ser primo do Euchário.

segunda-feira, novembro 14, 2005

07) O tatuiano que foi beijado por Greta Garbo

Cincinato recebeu o apelido de Tintim devido a sua semelhança com o herói juvenil de Hergé (Tin Tin), de pequena estatura e com cara de mocinho. E o nosso herói tatuiano, Tintim, recebeu um beijo de Greta Garbo! Vou contar o fato:

Tintim foi, durante muitos anos, motorista particular de uma abastada família paulistana e, com isto, viajava diversas vezes ao Rio de Janeiro, sendo que seus patrões hospedavam-se costumeiramente no Copacabana Palace.

Nosso herói, assim como outros motoristas, ficavam também hospedados lá, em acomodações especialmente designadas para o pessoal de serviço.
Junto com os outros colegas que por lá estavam, aguardando ordens de seus patrões, Tintim ziguezagueava pelo Copa. Conversa aqui, olha ali... Descansa os olhos vendo o mar... Já estava familiarizado por lá, tantas foram suas viagens ao Rio (hospedando-se no Copa, sempre).

Percebeu que desta vez, porém, havia algo diferente, pois havia uma pequena multidão na frente do hotel, esperando que alguém aparecesse... Informou-se e ficou sabendo que estava hospedada lá, nada menos que Greta Garbo, a mais famosa atriz de Hollywood de todos os tempos. Tintim ficou todo assanhado, queria também ver Greta Garbo para poder conferir sua beleza. Havia assistido a seus filmes, era um fã fervoroso. Pudera, aquela mulher era maravilhosa, lindíssima, e a mídia explorava tudo de forma a valorizar e endeusar as divas hollywoodianas...

Informou-se com o pessoal de serviço, com quem já tinha amizade, pois suas viagens ao Rio, hospedando-se no Copacabana Palace eram freqüentes, ficando sabendo o horário em que Greta Garbo iria aparecer no hall, para atender alguns fotógrafos e repórteres brasileiros.

Exatamente no horário que a atriz ia aparecer, seus patrões resolveram que iam ao Cassino da Urca e avisaram Tintim... Ele ficou inconsolável, pois desejava realmente ver de perto a garbosa deusa. Fez lá seus planos e levou o casal de patrões ao cassino, voltando imediatamente ao hotel, mesmo que estes recomendassem que aguardasse no cassino, pois não pretendiam demorar ali.

Mas Tintim estava com o sangue fervendo... Não ia perder a oportunidade de conhecer pessoalmente Greta Garbo! Ele pensava em seus amigos tatuianos: Quem, de Tatuí, poderia imaginar encontrar uma mulher destas?

E assim, voltou ao Copa e ficou de tocaia esperando que a atriz surgisse. Parecia até um sonho... um sonho maravilhoso.

Não esperou muito, logo percebeu um burburinho e foi ver. Lá estava ela, com um sapato de salto alto, meias escuras, vestido claro, rodeada de pessoas... pouca coisa conseguia ver, mas era muito mais que qualquer outro tatuiano viu, e era isso que importava...

Os repórteres indagavam perguntas que se tornaram clássicas: - Que você achou do Brasil? – O Rio de Janeiro é lindo? E Garbo, toda charmosa, respondia: - Oh, yes!
- Uau! Ela gostou do Brasil!!!! Adorou o Rio! Exclamavam aqueles que estavam por ali...

Alguns minutos depois encerrou a entrevista alegando cansaço – não é pra menos, havia respondido cinco vezes “yes”!!! e duas vezes “no”... Falou até que o Rio era “beautiful”!!!

Quando retornava aos seus aposentos passou próximo de Tintim e de outros que ali estava a espiar. Quis saber quem era aquele pessoal que ficou por ali. Tintim, enchendo-se de coragem disse que era um fã de Greta Garbo e que havia assistido a seus filmes. Uau! Acho que ninguém tinha dito isso para ela antes, pois quando o intérprete traduziu o que disse nosso herói, ela ficou tão entusiasmada, talvez devido à sua semelhança com o herói francês, que lhe deu um delicioso e inesquecível beijo no rosto... O rosto do Tintim estava totalmente pálido, estava assustado com a situação... mas havia lá, com o vermelho do batom, a marca dos lábios de Greta Garbo, a deusa de Hollywood.

Não acreditou? Tintim, pessoalmente, repetiu para mim este acontecimento diversas ocasiões, sempre repetindo como sucederam os fatos exatamente da mesma forma... Se fosse uma mentira, provavelmente teria modificado alguma coisa em cada vez que contasse. Tintim faleceu com 92 anos de idade, levando consigo a lembrança do beijo de Greta Garbo!

quarta-feira, novembro 02, 2005

06) As bombinhas do Ernestino

Durante muitos anos, vovô Ernestino teve um armazém na esquina da Rua José Bonifácio com a Praça Paulo Setúbal. Seus fregueses eram, na maioria, funcionários da Fábrica Campos & Irmãos (Santa Izabel) e da Fiação Santa Adélia e compravam sempre no sistema de Cadernetas, atualmente em desuso.

A cidade tinha diversos armazéns, uns maiores e outros menores, mas sempre com o mesmo sistema de Caderneta. As pessoas compravam, a maior parte com pagamento mensal e marcavam tudo nas cadernetas. No dia do pagamento, o comerciante costumava presentear os fregueses com um doce, geralmente uma lata de goiabada. Tinha ainda os fregueses agricultores, que iam comprando e pagavam nas safras... uma vez por ano!

Hoje tudo mudou, o freguês virou cliente e a caderneta transformou-se em cartão de crédito ou de débito... e o armazém virou supermercado. Nos supermercados, que levaram os armazéns à extinção, o sistema mais comum de pagamento é à vista.

Depois de alguns anos no ramo, vovô acabou parando com o armazém, sei lá por quais motivos, mas o principal é que estava já velho, passando a cuidar de outras atividades. Acho que não agüentava mais ficar preso atrás de um balcão e, assim, cuidava de dois sítios que tinha no município de Sarapuí.

Mas nunca parou de negociar. Acho que estava no sangue. Sempre havia uma bicicleta velha, uma máquina de costura, um pilão, uma sanfona ou um carro velho pra negociar. Era engraçado quando ele pegava uma bicicleta toda enferrujada e pintava tudo, pintura a pincel, grosseira, e o aro e guidom, pintava com uma tinta prateada. Depois argumentava com os fregueses:

- Ah, tá tudo cromadinho!

Um dia eu passei em sua casa e ele estava “remendando” um Corcel com papelão e massa plástica. O carro tinha uns buracos enormes na lataria. Falei pra ele que o carro estava muito ruim, mas ele respondeu:

- Quem quer comprar carro não pode ficar olhando pra essas “coisinhas”!

E dito e feito. Vendeu o Corcel remendado em poucos dias. Esse carro foi ainda trabalhar como táxi no ponto do Bairro 400 durante uns anos, sempre carregando os remendos de papelão e massa plástica que vovô fez.

Dentre as coisas que ele continuava a negociar, estavam os fogos de artifício. Ele vendia rojões, bombas, bombinhas e qualquer outro tipo de fogos. Cada comemoração, cada acontecimento, as pessoas corriam até sua casa pra comprar rojões.

Mas aconteceu, em um ano, que sobraram muitos fogos e ele guardou para a temporada seguinte. A época das festas juninas era a principal ocasião da venda de fogos.

Quando no ano seguinte chegou a “época das bombinhas”, ele passou a vender o estoque guardado. Mas a coisa não estava funcionando direito. Iam soltar uma bombinha e shhhhhhhhhh... puffff. Falhava! Não funcionava...



Todos os fogos estavam com um pouco de umidade, pois seu acondicionamento não foi bem feito. A propaganda dos Fogos Caramuru dizia que nunca davam “xabú”, ou seja, nunca falhavam. Mas os fogos que vovô estava vendendo falhavam, só davam xabú!

Mas isso não era problema pra ele... que “cromava” aros de bicicleta com tinta prateada e consertava lataria de Corcel com papelão e massa plástica. Teve uma idéia para secar tudo aquilo rapidamente, pois a freguesia estava ansiosa pelos rojões e bombinhas.

Pegou uma bacia enorme e foi abrindo caixas e mais caixas de bombinhas (cada uma delas tem 1 centena). E fez uma montanha de bombas, bombinhas, bombonas, rojões de 1 tiro e de 3 tiros, busca-pés com e sem bomba, estalinhos, vulcõezinhos, chuva de prata, chuva de ouro e todas as espécies de fogos que tinha em seu estoque.

Colocou a bacia sobre o fogão a gás de vovó e acendeu os quatro bicos pra secar o mais rápido possível.

Aiaiai! Nem dá pra descrever!!! O “show pirotécnico” que aconteceu na cozinha da minha avó, proporcionalmente foi maior que os do reveillon carioca... Aquilo foi bomba, bombinha e bombona explodindo sucessivamente. Os busca-pés encheram o céu da cozinha, parecia um ataque aéreo... Zuummmm! Bummmm! BUUUUUMM! Fiuuuummmmmmm!!!! Shhhhhhhhhhhhhh BUUUUUUUUUUUUUM!

Vovô correu e pegou a bacia protegendo suas mãos com um saco de linhagem, jogando tudo fora, no quintal. Mas o barulho estava cada vez maior. Cada vez mais estouravam os fogos alimentados pelo fogo que passava de um para outro... BUUUUUUUUMMM!

Gente aparecia de longe. O barulho assustou as pessoas dos quarteirões vizinhos, que correram pra lá, alarmados com o barulho e com a fumaça. Apareceu gente de longe...

Em todo caso, não dá pra dizer que a idéia de vovô, de secar alguns milhares de bombinhas com o fogão a gás foi uma idéia errada: TODOS OS FOGOS SECARAM E FUNCIONARAM!

terça-feira, novembro 01, 2005

05) Viajando de Thornycroft

Na década de 1950 as estradas brasileiras eram praticamente todas sem pavimentação, estradas apenas pedregulhadas. Isso ainda era privilégio dos principais caminhos. Qualquer viagem, por menor que fosse, era uma aventura: não dava pra ter certeza de sua duração e nem mesmo se dava pra chegar no destino, pois as pontes, todas de madeira, muitas vezes caíam, interrompendo o trânsito durante dias.

Uma viagem de Tatuí até o norte do Paraná, que estava sendo desbravado nessa época, não podia ser diferente: uma aventura de cerca de 10 dias de duração, considerando a ida e volta. A coisa era uma sucessão de socos, lama, areião, poeira, socos, chuva, atravessar rios sem pontes, pelo meio da água ou em balsas.

Com estas estradas maravilhosas, os Thornycrofts da serraria de vovô Tonico eram um sucesso. Com sua espantosa velocidade (o mais rápido deles, o Trident, chegava a impressionantes 60 km/hora enquanto que o Trust não passava de 55 km/h) viajavam horas e horas sem parar, enfrentando poeira, chuva, buracos, água, lama, areia...
Os caminhões eram verdes e no capô estava escrito

“Serraria São Francisco Ltda.”
T A T U H Y

Esta foto mostra um Thornycroft Trident como vinha para o Brasil, montado mas sem cabine, que era feita aqui.


Viajavam em duplas. Iam ao norte do Paraná pra buscar madeira. Os dois Thornycrofts: o Trident e o Trust (estes eram seus modelos) podem ser vistos hoje no Posto 3 Irmãos do Manivela. Ele reformou os dois e estão se apresentando com sucesso em todos os encontros de veículos antigos.

Uma coisa interessante dessa época é que quase não havia caminhão movido a óleo diesel. Era tudo a gasolina. Com isto, de Tatuí até o norte do Paraná não tinha como abastecer. Assim, de vez em quando um dos caminhões, geralmente o Trident, que era o modelo menor, ia a São Paulo comprar alguns tambores de óleo diesel. Cada viagem o caminhão tinha que sair com combustível para a viagem de ida e de volta. Não tinha como abastecer no caminho.
Hoje os dois Thornycrofts estão pintados de vermelho.

Também os lugares para comer eram poucos em toda extensão do caminho. O que ajudava é que as estradas não se desviavam das cidades, como acontece hoje. A estrada passava por dentro de Itapetininga, de Angatuba, Piraju, etc. e tal. Mas haviam trechos quase sem cidades e sem restaurantes.

Os motoristas dos caminhões eram: meu tio José Luciano e, às vezes, meu pai ou o Renato Moreira. Cada um viajava com um ajudante, geralmente o Adolfo Lencione, o Américo, português da Ponta da Régua... As coisas que os uniam eram o ânimo de viajar por caminhos inóspitos e os restaurantes que encontravam pelo caminho.

Em uma dessas viagens, descobriram um restaurante à beira da estrada que cobrava um valor fixo pela refeição e permitia que repetissem a vontade. Mais ou menos como hoje funciona o sistema de rodízio ou o self-service...

E o tal restaurante servia uma refeição muito boa. Só que a fome de José Luciano, Renato Moreira, Toninho Luciano, Adolfo Lencione e do Américo não eram saciadas com muita facilidade.

Repetiam inúmeras vezes. Para piorar a coisa, meu tio não tomava nada mais que água fresca... Sem bebida o lucro do restaurante ficava reduzido... e só água de poço, pois nem havia água mineral pra vender... Seu apelido de Zé Boi não era em vão, ele fazia por merecer!!!

- Mais arroz! Mais feijão! Mais carne! Mais isto e mais aquilo! E mais uma jarra de água fresca!!!

Foram uma, duas, três vezes no restaurante em algumas viagens, na ida e na volta. Deixavam de comer em outros restaurantes para comer lá. Aproveitavam pra ir com bastante fome e descontar tudo por lá, pois o preço era fixo.

Pois bem, em uma das viagens deixaram de comer lá pelas 10 horas da manhã quando passaram por uma cidadezinha, imaginando que chegariam ao tal restaurante perto das 2 da tarde. E quando chegassem iriam ”tirar a barriga da miséria”, literalmente.

Chegaram lá e encontraram o restaurante fechado. Ficaram com uma fome danada, pois o próximo restaurante estava a mais de 2 horas dali. Na volta, deixaram novamente para comer lá, imaginando que haviam chegado tarde naquele outro dia.

Mas encontraram o restaurante fechado. Estranharam, como na primeira vez, que saía fumaça da chaminé e tinha um Ford e um Chevrolet parados por lá. Bateram à porta, mas ninguém abriu. Foram embora todos em jejum.

Na viagem seguinte tudo aconteceu da mesma forma, mas na volta descobriram o mistério: quando o dono do restaurante escutava o barulho inconfundível dos Thornycrofts, ruído de motor diesel com escapamento sem silenciador, corria pra fechar o restaurante.

O restaurante estava localizado em um morro, permitindo que de lá fosse possível observar o movimento da estrada. E com o seu barulho inconfundível e os únicos camihões dessa marca existentes na região, um Thornycroft não passava despercebido.

O sistema do restaurante: pague e coma a vontade poderia dar certo com todos os outros clientes, mas meu tio, meu pai, o Renato, o Adolfo e o Américo comiam tanto que davam um prejuízo tremendo, fazendo com que o dono fechasse o restaurante e ficasse quietinho lá dentro, pedindo para os outros fregueses que por lá estivessem - pelo amor de Deus - que também ficassem quietos, até o o ruído dos Thornycrofts desaparecer ao longe...
Nesta foto, está o Thornycroft Trust.