quarta-feira, dezembro 20, 2006

62) O barbeiro da Elite Tatuiana

João José foi um barbeiro refinado. Sua barbearia ficava no Clube Recreativo e dava a impressão que sempre estava fechada. Mas não estava. Era sua estratégia, pois João José fechava a porta da barbearia para não ter de atender qualquer um.

João José só cortava o cabelo de doutores.

A barbearia estava aberta 24 horas por dia, mas apenas para o Dr. Adriano, Dr. Simeão, Dr. Faria e todos os outros antigos doutores de Tatuí na ocasião... Ele não fazia a barba de qualquer pessoa. Era realmente um barbeiro de elite.

Depois que acabou o Clube Recreativo, João José mudou sua barbearia ali na Rua Santa Cruz, em frente ao Bar do Zeca (hoje Açougue Pops).

Mudou de lugar, mas não mudou de convicção.

Não trabalhava para qualquer pessoa e mantinha-se solteiro, invicto.

Sua casa, no entanto, costumava ser local de reuniões, almoços e jantares. Neste caso, não precisava ser necessariamente uma reunião de doutores - imagine só se algum deles iria naquela farra -, mas eram os seus amigos de boemia que sempre estavam por lá.

Um dia apareceram o Zinho e o Geladeira, dois de seus amigos mais chegados, com um belo cabrito:

- Achamos esse cabrito solto na rua e trouxemos pra assar! – disse o Zinho.

João José na mesma hora começou a censurar:



- Mas o que é isso! – disse João com sua fala mansa. – Como é que vocês pegaram o cabritinho... E se for de uma criancinha? Ela pode estar chorando!!! – continuou.

- Isso não é coisa que se faça! - completou.

Poucas coisas entusiasmavam tanto João José quanto um cabrito assado

A argumentação do João José acabou convencendo ao Zinho e o Geladeira, que resolveram levar de volta o cabrito ao local onde o encontraram. Colocaram o cabrito no carro e já estavam quase saindo.

O João José, apesar da argumentação, adorava um cabrito assado. Quando ele viu que eles estavam dispostos a devolver o cabrito, disse:

- Espera um pouco! Que passe desta vez por malvadeza! Vamos comer o cabrito! – determinou João José, arrancando risos de todos.

Ele era solteirão invicto quanto ao casamento, mas vivia com enrolação do tipo “tico-tico no fubá”!

Certa vez, arrumou uma jovem chamada Jane para morar com ele. Ela ficou lá algum tempo... sei lá, talvez mais de um ano. Pouco tempo depois que romperam, ela foi ao médico, pois não se sentia bem.

O médico pediu uma série de exames e concluiu que ela estava com a doença de Chagas.

- A senhora tem uma doença infecciosa causada por um protozoário parasita chamado Trypanosoma cruzi!

-Ãn??? Tripa-no-quê? – Jane perguntou assustada ao médico.

O médico, para simplificar, disse que ela estava com a Doença de Chagas.

- Ai, doutor, mas como eu fui ficar com essa doença? – perguntou Jane.

A doença de Chagas é transmitida pelo barbeiro

O médico, então, explicou a forma de transmissão da doença de maneira simplificada, pois percebeu que ela não ia entender uma linguagem mais técnica:

- Acontece que a senhora foi contaminada por um barbeiro! – disse o médico.

Pronto. Ela começou a pensar, considerar, remoer e nem prestou atenção ao restante das explicações. Logo que saiu do médico foi até a barbearia do João José e armou um barraco até hoje lembrado pelas pessoas que assistiram:

- Seu sem vergonha! Tava doente e não me avisou!!! – gritou a Jane.

João José não estava entendendo nada daquilo e quis argumentar, dizendo que não se encontrava doente, mas a mulher não parava de gritar:

- Não adianta negar! É uma doença mortal e o médico disse que eu fui contaminada pelo barbeiro! Claro que ele sabe quem é você. Você só atende doutor!!! – continuou a xingar.

Isso só acontece em Tatuí, é claro!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

61) Papai Noel em Tatuí

É quase Natal. O centro da cidade está movimentado o dia todo. Lojas cheias de clientes e de “papais noéis”... No ano passado, lá no Coop, vi um "papai noel" tão magro que fiquei com dó e lhe paguei uma coxinha...

Os comerciantes adoram esta época! É nesta ocasião que muita gente compra coisas que foi protelando o ano todo. Em dezembro o 13º salário (mesmo que só pela metade neste ano) dá uma reforçada nas finanças e vamos gastar!!!

Para as crianças, então, estes são uns dias mágicos... é a ocasião de receber presentes trazidos pelo Papai Noel. Muita coisa tem mudado nos últimos anos, mas essa tradição tem sido perpetuada, menos pelo seu sentido religioso e mais pelo comercial.

Os presentes eram trazidos por Noel

Nos anos 50 e 60 já era mais ou menos assim. Lembro-me dos natais de minha infância. Parecia que a atmosfera mudava. Havia algo diferente no ar. O centro de encontros em Tatuí era a Praça da Matriz. Não tão movimentada quanto hoje, claro.

As lojas eram poucas, hoje há brinquedos em qualquer lugar e as crianças ganham brinquedos em qualquer ocasião. Antigamente era apenas no Natal e no aniversário... e olha lá!!!

Naquele tempo já existia a Casa dos Presentes. Era pequena ainda, mas era a referência do Natal e, por isso, enchia-se de brinquedos. Nem cabia tudo por lá... o Jonas e o seu Mário, no final dos anos 50, chegaram a alugar outros pontos para colocar os brinquedos. Eu achava que os dois irmãos eram uma espécie de ajudantes do bom velhinho... eram irmãos, mas diferentes tipos de personalidade: seu Mário era mais sério, o Jonas brincalhão.

Jingle Bells!

Pena que não consigo descrever a música que tocava lá durante todo o mês de dezembro: Tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim-tlim-tlim!! Tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim-tlim-tlim... Jingle bells, Jingle bells... Jingle all the way!!!! Esse som entrava no ar e mudava a atmosfera: Tudo girava em torno do Natal!

No mês do Natal, enquanto seu Mário cuidava da administração, o Jonas fazia a criançada enlouquecer os pais pedindo presentes. Sei disso porque quando eu era criança escolhi um brinquedo magnífico na Casa dos Presentes, mas meu pai achou que era muito caro.

O Jonas na mesma hora disse que eu poderia escolher qualquer coisa:

- Pode escolher o que quiser, o Papai Noel é rico! – disse o Jonas.

Mas mesmo assim o meu pai não deixava escolher aquele tal brinquedo. Mas que coisa! Eu não entendia aquilo. Se o Papai Noel vai me dar o brinquedo, porque o meu pai não me deixava escolher o que queria?

Há uma curiosidade... enquanto Papai Noel escrevia com caneta verde, o Jonas só escreve com tinta verde!

E quem era a maior autoridade em Natal aqui em Tatuí? O próprio Jonas! Eu tinha uma consideração enorme para com ele. Aliás, não apenas eu, mas toda criançada de Tatuí. Pudera, ele trouxe pessoalmente o Papai Noel em Tatuí. O verdadeiro! O Jonas mandou trazer do Pólo Norte e desfilou em seu carro conversível (um Chevrolet, se não me engano) levando nada menos que o verdadeiro Noel no banco traseiro!

- “Puxa vida!” – pensei. - “Que homem importante esse Jonas!!! Amigão do Papai Noel!!”.

Então, se esse homem, tão chegado do Papai Noel, dizia para eu escolher qualquer brinquedo, o meu pai não tinha nada que impedir.

Mas no final das contas, não consegui convencer o meu pai. Só que o Jonas mostrou mais um monte de brinquedos e deu um jeito para eu escolher outras coisas e acabei esquecendo daquele outro.

– “Ele sabe das coisas!” – considerei. – “É amigo do Papai Noel!”.

Acho que a tinta que o Jonas usa só é fabricada no Pólo Norte!

Até hoje o Jonas ajuda o Papai Noel. Só mudou o lado da praça. Acho que ele também aguarda o bom velhinho chegar para trazer um vidro de tinta Parker Quink verde para abastecer a sua Parker 51, a caneta que ele usava para pedir os brinquedos do Natal.

A criançada pode escolher o que quiser, porque o Jonas já disse que o Papai Noel é rico!

Antes de encerrar tenho que lembrar que há um paradoxo no Natal, pois o foco das celebrações foi desviado para o Papai Noel, para a ceia e para os presentes. O personagem principal, Jesus, foi deixado de lado. A data tem sido mais utilizada em um enfoque comercial.

Assim, todos se lembram primeiramente das festas, das comemorações, dos encontros com parentes, amigos, confraternizações com colegas e, se sobrar algum tempinho, dedicam ao homenageado principal.

FELIZ NATAL!

domingo, outubro 15, 2006

60) O caso do DOPS em Tatuí

As coisas nem sempre foram pacíficas em Tatuí. Vez por outra a cidade fica dividida pela metade. Uns a favor disto e outros a favor daquilo. No final da década de 50 e parte da década de 60 a cidade esteve dividida entre Junqueiristas e Lisboístas. Facções irreconciliáveis!

Não vou tocar nos méritos ou deméritos deste ou daquele. O que interessa é mostrar como era o ambiente político da cidade nessa ocasião.

Aconteceu que, dentre as diversas encrencas que esta ou aquela facção política “criava”, havia um problema bastante sério que removeu a cidade dos trilhos do progresso e cujos efeitos ainda podem ser percebidos: Apesar de ser uma das primeiras cidades a receber iluminação elétrica, devido ao pioneirismo dos Guedes, a geração de energia elétrica resumia-se à barragem de Cerquilho e, com isto, faltava energia em Tatuí e tudo foi se estagnando.

Inicialmente projetada para atender a Tatuí do final do século XIX e início do século XX, quando entrou na década de 1950, sem qualquer ampliação na geração de energia, a Companhia San Juan de Força e Luz, então proprietária da usina e concessionária de energia, fornecia eletricidade também para Cerquilho e Tietê. A capacidade não dava para uma cidade e estava atendendo três!

Acabaram-se as indústrias de Tatuí, que até esse época ainda era uma cidade industrial. Outros centros, que contavam com energia elétrica suficiente, progrediram e Tatuí regrediu!!! Regrediu mesmo, porque até a primeira metade do século XX era cidade industrial, considerada "cidade rica".

A Cia. San Juan era apoiada pelo Junqueira (e pelos junqueristas). O outro lado, na ocasião prefeito de Tatuí, João Lisboa, tentava mudar as coisas, mas a politicagem tatuiana impedia. Deu um jeito de encampar a San Juan e a Prefeitura assumiu a distribuição de eletricidade em Tatuí, passando também a receber as contas de luz (Lisboa, foi apelidado de "João Luz Boa"). Com isto começaram as encrencas que fazem fundo a este caso.

Lógico que o pessoal da San Juan não aceitou perder a concessão de braços cruzados. Apoiados pelo junqueirismo, entraram em contenda com o prefeito João Lisboa em uma queda de braços que se estendeu por alguns anos. Enquanto eles brigavam, as luzes de Tatuí pareciam “uns tomatezinhos”, umas "bolinhas avermelhadinhas" que não iluminavam coisa alguma. A coisa mais comum em Tatuí era o blackout! O apagão!

Da estrada quase nem se via a cidade à noite, tão fraca era a iluminação. E o povo brigando. Só porque era “do meu lado” ou “contra o meu lado” havia o emperra-emperra...

Quando a San Juan ganhou na justiça o direito de retomar a companhia de eletricidade, não conseguia retomar sua posse. Tinha de ser na marra.

O juiz que ordenou a reintegração de posse em favor da San Juan recorreu ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) que enviou um caminhão lotado de soldados armados com fuzis e metralhadoras, para cumprir a reintegração de posse, para retomar a companhia e proceder ao desligamento das ligações de luz dos consumidores que haviam pago na prefeitura.

Os soldados do DOPS patrulhavam Tatuí

Saíam como se fosse uma procissão... soldados armados, funcionários da San Juan com escadas para subir nos postes e cortar fios elétricos, e uma multidão de curiosos (eu pelo meio).

Não sei quantas vezes o DOPS veio a Tatuí, mas foram diversas!

Mas em uma dessas ocasiões, depois de descerem do caminhão (daqueles caminhões que transportam tropas) dirigiram-se à Praça da Matriz. Ficaram lá aguardando ordens... conversando e sendo foco da curiosidade dos tatuianos.

Esse é cara de pau!

Pois bem, quando estavam todos ali pela praça, apareceu o Rubens Pasqualotte, nessa época com seus vinte e poucos anos, vestindo terno preto, gravata e óculos escuros. Ele estava na “estica”, como dizia a gíria da época.

Acontece que o danado do Rubens Pasqualotte sempre foi um brincalhão de primeira categoria. Aproximou-se dos soldados do DOPS, fazendo cara muito séria e andando com passo firme. Parou e gritou com todos os pulmões:

- SENTIDO!

Os soldados, condicionados à ordem unida, foram ficando em forma, quase que automaticamente.

Eles não conheciam quem iria liderá-los em suas atividade em Tatuí. Na verdade, a tropa, geralmente nem sabe o que vai fazer... só obedece ordens!

Rubens Pasqualotte, vestindo terno, comandava o pelotão do DOPS

Apesar do Rubens não estar fardado, era comum que os soldados do DOPS fossem comandados pelo pessoal da “secreta”, dos serviços de espionagem... Eles não questionaram coisa alguma. Soldado não questiona, obedece!

Rubens percebeu que eles haviam acreditado e começou dar ordem unida aos soldados.

- SENTIDO!

- MEIA VOLTA, VOLVER!

- ORDINÁRIO, MARCHE!

E assim por diante. Mas não abusou. Fez o pelotão marchar uns metros e ordenou:

- ALTO!

Pararam todos na mesma hora.

O Rubens, com a maior cara de pau, passou uma descompostura nos soldados, por estarem conversando displicentemente na praça e ordenou que saíssem em patrulha.

- NÃO QUERO NINGUÉM PARADO! – ordenou Rubens.

- SAI TODO MUNDO PATRULHANDO A CIDADE DE QUATRO EM QUATRO! – continuou.

Mandou o pessoal sair de forma e ir patrulhar a cidade andando em grupos de quatro... E assim foram eles. Quatro pra cá, quatro pra lá, quatro acolá!!!

Quando saíram da praça, o Rubens, que não é bobo, sumiu do mapa. Os soldados patrulharam a cidade durante mais de uma hora, até que apareceu o comandante verdadeiro e reverteu a situação.
A cidade toda ria dos soldados que haviam passado por tolos sob as “ordens” do Rubens Pasqualotte.
O comandante do DOPS tentou encontrar o engraçadinho que havia feito tamanha desfeita à tropa de elite do principal órgão de segurança paulista e que se tornou o instrumento-símbolo da ditadura militar na repressão de opositores.

E o Pasqualotte? Ah, sumiu mesmo! Ficou escondido uns dias, pois o castigo para aquilo que havia feito seria, no mínimo, umas horas no “pau-de-arara”!!! Eu, hein???

sexta-feira, agosto 25, 2006

59) Vá plantar bat... digo, ervilhas!

Há pouco mais de trinta anos, um quarteto tatuiano resolveu ganhar a vida na lavoura. Mais precisamente plantando ervilhas. Ótimo! Ervilhas dão um bom lucro.

Os lavradores componentes do fantástico quarteto eram o Acassilzinho, Luis Carlos (Pelé), Máximo e o Joaquim. Ninguém lembra de quem partiu a idéia, mas todos estavam empenhados nessa empreitada, cada um deles com um plano diferente para aplicar o dinheiro que ganhariam com a venda desse vegetal…

Todos tinham planos definidos para fazer com todo dinheiro que pretendiam ganhar (seria muito dinheiro, de acordo com os planos do quarteto). O Joaquim disse que iria comprar uma calça da Gledson, para “abafar” em Tatuí... O Pelé queria guardar dinheiro para comprar um caminhão. Já o Máximo ia comprar uma TV colorida, que nessa época era algo bastante caro. Só não sei em que o Acassilzinho pretendia investir... ia só gastar, talvez... Claro que ia dar para muita coisa, pois, de acordo com as projeções que fizeram iam ganhar muito, mas muito dinheiro!!! Iam gastar bastante e ainda sobraria muita coisa.

A produção inicial seria em uma pequena parte do sítio do Acassil (pai do Acassilzinho, claro), mas de acordo com os planos do plantadores, em pouco tempo estariam plantando no terreno todo. Se preciso, arrendariam mais alguma propriedade para plantar as ervilhas.

O preparo do terreno foi bastante complicado e trabalhoso. O local escolhido era um tanto pedregoso e cheio de raízes de plantas antigas… Deu uma mão-de-obra terrível. Os lavradores, que nessa época tinham por volta de 15 anos, esforçaram-se demais para afofar aquele terreno duro como pedra.

O difícil trabalho de preparação da terra durou longos 2 finais de semana. Os meninos trabalharam como gente grande!!! Já pensavam em abandonar a escola para trabalhar… esse negócio de ficar a semana inteira na cidade, estudando, estava atrapalhando os planos de enriquecer.

Trabalhavam tanto que gastaram diversas enxadas!

Agora faltava apenas plantar. Iam aproveitar o final de semana para isso. Voltaram ao sítio na sexta-feira à tardinha. Examinaram o local onde fariam a roça de ervilhas, acertaram as sementes, prepararam as ferramentas… Animação total!

- Vamos levantar de madrugada para trabalhar! – disse o Máximo – Assim terminamos logo e vamos nadar no tanque! – completou.

- Boa idéia! – concordaram todos.

E assim fizeram. Mexeram aqui e ali e foram dormir bem cedo. Para levantar antes de amanhecer, ajustaram o despertador para tocar antes das 5 e meia da manhã.

Nesse final de semana, o Acassil (pai) foi com amigos passar a noite no sítio, conversando. Foram lá o Zé Reiner e o professor Firmo Del Fiol. Conversa e mais conversa, assuntos e mais assuntos.

Jantaram tarde e ficaram rodeando a mesa até a madrugada.

O bule estava vazio

Perto das 2 horas da manhã, o sono começou a incomodar o Zé Reiner, que pensou em tomar um pouco de café. Mas não sobrou nem um pingo no bule…

- Faça café! – disse o Acassil.

Mas ninguém sabia fazer… O especialista em café ali era o Luís Carlos, que dormia como um anjo.

- Vou acordar o Pelé! – disse o Zé Reiner, indo em direção ao quarto onde dormiam os quatro lavradores.

- Ô Pelé! Acorde!

Nada… todos dormiam pesadamente.

Zé Reiner adiantou a hora no despertador

O Zé Reiner pegou o despertador que estava preparado para tocar no final da madrugada e adiantou a hora. Naquele momento passava pouco das 2 horas, mas ele adiantou até 5h25, mais ou menos.

Dali a uns poucos minutos despertou. TRRIIIIIMMMMM !!!! Que barulho irritante!

Os quatro dorminhocos levantaram, com muita preguiça.

- Vamos tomar café e trabalhar. Já está quase amanhecendo! – disse Acassilzinho, com os olhos ainda grudados…

Luís Carlos, especialista em café, foi para a cozinha e preparou um belo bule de café, bem forte.

Acassil e os amigos ficaram bem quietos. Não disseram coisa alguma sobre o horário real.

Pouco tempo depois, os quatro sairam da casa. Estavam quase tropeçando na escuridão, mas o sol não devia tardar a surgir…

Foram andando, com bastante dificuldade, no caminho para a roça. Estava muito escuro.

O Joaquim, intrigado com a escuridão, disse que naquele dia estava acontecendo um eclipse do sol… Não tinha outra explicação aquela demora para clarear. E o pior de tudo que esse eclipse solar acontecia na madrugada.

Como estavam com lanternas, acabaram chegando no local da plantação. Sentaram-se para esperar o sol nascer e, então, trabalhar com as sementes.

Mas nada do sol.

Ficaram mais de uma hora sentados na escuridão. Nada do sol.

- Melhor voltar para casa! – disse o Máximo. Alguma coisa aconteceu com o mundo nesta noite.

- Será o fim do mundo?

A única explicação que encontraram foi um terrível eclipse solar

Voltaram apressadamente para a casa do sítio. Ainda estava bem escuro.

- Que será que aconteceu com o sol? – perguntaram ao Acassil.

Não obtiveram respostas… os três estavam sem fôlego de tanto rir com a situação…

Depois de descobrir o que havia acontecido, voltaram deitar… mas não dormiram quase nada e o sol apareceu. Levantaram-se, com muito sono, e foram plantar ervilhas...

O quarteto não conseguiu plantar a pretendida "árvore de dinheiro"!

E o resultado da plantação? ZERO, claro. Alguma coisa saiu errado. A plantação não vingou. Plantaram um saco de sementes e colheram meio saco de ervilhas em vagem!!! Foi só trabalho. KKKK!!

58) Arranca-rabo

Em 1968 fomos, eu e o Pingo, estudar fora de Tatuí. Não estávamos com notas boas em matemática e resolvemos fugir da dona Brasilisia.

- Ah, qualquer lugar é mais fácil que no Barão de Suruí! – consideramos.

As aulas de matemática com a Brasilísia eram terríveis

Nessa ocasião, o Barão de Suruí era uma escola de alto padrão, algo incomparável às escolas públicas da atualidade. E todas escolas públicas eram assim. Quem desejasse aprender realmente tinha que se manter nas escolas públicas. Escolas particulares eram conhecidas pelo apelido de PPP (Papai Pagou, Passou!).

Assim, no segundo semestre de 68 estávamos matriculados no Ginásio “Presidente Arthur da Silva Bernardes”, de Cerquilho. Não era uma escola pequena, mas bem menor que o Ginasião de Tatuí.

O primeiro dia de aula nos trouxe algumas surpresas. Ao entrarmos na escola não ouvimos nenhum ruído. Claro que já chegamos atrasados no primeiro dia. Não havia barulho algum e, com isto, imaginamos que não estavam tendo aulas.

- Oba! Não tem aulas no primeiro dia! – animado, o Pingo comentou.

A escola era mais silenciosa que um hospital

Mas o que acontecia é que havia rigorosa disciplina e os alunos assistiam às aulas em silêncio. Parecia um hospital! Logo um inspetor de alunos nos conduziu até a classe. É uma sensação esquisita entrar em uma sala de aula estranha. Nós éramos desconhecidos da classe e todos os alunos nos eram desconhecidos. Fomos examinados dos pés à cabeça.

Eu pensava que em outra escola seria mais fácil que em Tatuí. Mas não foi assim. Pelo contrário, em Cerquilho a coisa era ainda mais difícil e a disciplina mais rigorosa.

Não trocamos seis por meia dúzia. Foi algo como trocar o ruim pelo pior. Cada aula uma surpresa. Seria preciso estudar, estudar, estudar. Em pouco tempo nós dois pensamos em voltar para Tatuí.

Ah, mas aconteceu uma coisa para que continuássemos em Cerquilho. Fizemos sucesso com a meninada. A avenida que vai da praça da Matriz até o ginásio tinha uns 5 ou 6 quarteirões. Eram poucas as casas naquele tempo e a prefeitura exigiu que os proprietários fizessem muros. A coisa lá ficou parecendo época de eleição. Os muros estavam todos pichados: Pingo e Fulana; Fran e Cicrana; Pingo e Beltrana; Fran e Fulana Maria; Pingo e Célia... por sinal, é com a Célia que o Pingo está casado.

Também, se com 16 anos não acontecesse isso, não seria agora que iríamos fazer algum sucesso... agora? Chééééé!!!

A professora de música parecia pensar que regia uma orquestra em uma classe sem instrumentos

Bem, se em Tatuí as aulas de matemática eram complicadas, em Cerquilho até mesmo as aulas de música ou de artes tinham um milhão de coisas para fazer. Tarefas? Arre! Todo dia.

E a matemática? O professor Mazzer era alguma coisa como dona Brasilisia elevada ao quadrado! Por falar nisso, um dia o tal professor pediu para eu ir resolver uma raiz quadrada na lousa:



- Venha aqui e faça uma raiz quadrada! – disse o professor.

As aulas de matemática em Cerquilho eram mais complicadas que em Tatuí

Levantei e fui até a lousa. Em vez de resolver o problema – eu não sabia, diga-se de passagem, - desenhei uma pequena árvore com a raiz dentro de um quadrado:

- Aqui está a raiz quadrada! – falei para o professor.

- Fora daqui! – foi sua única resposta.

O professor de Artes não deixava ninguém ficar parado

Mas aconteceu um fato interessante que vou contar. As aulas de Artes Manuais (ou Trabalhos Manuais) com o professor Paulo Coelho eram trabalhosas, para dizer o mínimo. O professor devia ter “bicho carpinteiro”, pois não deixava ficar um minuto sem atividades. O homem parecia ser hiperativo e queria que todos fossem assim. Inventava coisas o tempo todo. O professor Paulo também morava em Tatuí.

O professor mandou fazermos escovas com crina de cavalo

Lembro, no entanto, que resolveu mandar os alunos fazerem uma escova de crina. Dessas que servem para escovar roupas. Deu as medidas e mandou que comprássemos madeira para as escovas e as cerdas deveriam ser de crina de cavalo.

Crina de cavalo!!! Onde encontrar isso?

Fomos, eu e o Pingo, no bairro do Lavapés, aqui em Tatuí, onde havia um ponto de carroceiros. Pedimos para todos, mas ninguém quis cortar a crina de seu cavalo para nós fazermos o trabalho escolar.

O cavalo que pastava atrás da escola tinha um belo rabo

Aparecemos na escola sem a danada crina. O professor, fuzilando com os olhos, disse que sem isso não entraríamos na aula e o resultado seria zero na certa.

Na frente do ginásio de Cerquilho tinha um pipoqueiro que vinha todos os dias com um cavalo puxando sua carrocinha de pipocas. Era um cavalo branco. O pipoqueiro passava o dia todo na frente do ginásio, enquanto que seu cavalo ficava pastando no fundo do ginásio, onde havia um campo com grama. Engordava a olhos vistos naquele pasto verdinho.

A crina do tal cavalo estava aparada. Mas tinha um rabo imenso!!! Resolvemos aproveitar que o cavalo estava ali, dando sopa, e arrumar o material para as aulas de Artes.

Arranjamos uma tesoura e vupt, cortamos o rabo do cavalo. Seria preciso material para duas escovas e, assim, não deu para economizar. Deixamos o “pitoco” pastando. O cavalo e as moscas, pois não conseguia mais espantar moscas com o rabicó que sobrou.

O cavalo do pipoqueiro ficou pitoco

Na hora da aula o professor ficou contente conosco. Ainda mais que todo mundo havia levado crina de cor escura e só nós aparecemos com crina branca.

- Com esse material a escova ficará excelente! disse o professor.

E ficamos lá, fazendo furos na madeira para enfiar os pêlos do cavalo e fazer a tal escova. Fura aqui e ali... De repente entrou o inspetor de alunos e foi falar com o professor.

- Tem um senhor na diretoria reclamando que cortaram o rabo do seu cavalo! – disse o inspetor de alunos ao professor – A diretora vem vindo aqui conversar com o senhor. – completou.

Na hora “gelou” a barriga. Combinamos, eu e o Pingo, em negar qualquer coisa.

Uns minutos depois apareceu a diretora com o pipoqueiro. A mulher perguntou para a classe quem havia cortado o rabo do cavalo do pipoqueiro.

Silêncio total! Ninguém se manifestava. Eu fiquei bem quieto. O Pingo também.

A mulher insistia em saber. Senão ia suspender a classe toda. O pesado silêncio continuava.

Nisso o pipoqueiro falou:

- O meu cavalo tinha o rabo branco. É só procurar uma escova com pêlos brancos!

Pronto, a “casa caiu”!

Só a minha escova e a do Pingo tinham cerdas brancas.

- Não gostei desta história!

Fomos lá para diretoria. Argumentamos que ninguém arrumou crina. Que o professor ia dar zero. Que isto e que aquilo... acabamos saindo com um belo sermão, mas não levamos suspensão.

E o cavalo? O coitado ficou lá, feio pra danar, pitoco, envolto em uma nuvem de mosquitos...
Ah, e quando saimos da escola ela não era mais tão silenciosa quanto antes... Foi essa a nossa contribuição para Cerquilho!!!

sábado, julho 29, 2006

57) O caso da privada dourada

O casarão dos Guedes é uma verdadeira jóia. Não que seu estilo arquitetônico apresente alguma forma diferente, mas sua imponência é inegável. É um desatino o que está acontecendo com esse imóvel, abandonado e sendo destruído ora por invasores, ora pela ação do tempo. Sua restauração representa a preservação da memória histórica de um período importante de Tatuí.

O casarão está abandonado.

Alguns anos atrás, no final da década de 60, o casarão era habitado esporadicamente, mas havia constante conservação. Problemas ocorridos com o conjunto da Fábrica São Martinho, pertencente aos mesmos proprietários do casarão, provocaram o abandono do imóvel.

O Conservatório de Tatuí estava instalado ali perto, na esquina de cima, em outra casa pertencente aos Guedes. Só que não havia espaço para aulas de todos instrumentos, principalmente devido ao barulho provocado pelo alunos de instrumentos de sopro.

Sendo assim, também era aproveitada a área externa do casarão, onde ficavam as garagens e dormitórios de empregados, para as aulas de instrumentos de sopro. Eu mesmo andei por lá, tentando aprender a tocar trompete (piston, como chamavam na época). Mas não fui muito longe com isso.

Muitos músicos de hoje passaram pelas aulas do professor Coelho naquele local, onde também ensaiava a gloriosa Banda Santa Cruz.

Aconteceu, certa ocasião, uma festividade qualquer por lá. Muita gente aproveitou para entrar naquela propriedade, mais para conhecer que simplesmente ouvir a banda.

Mé, cigano famoso como tocador de baixo-tuba.

Depois de uma retreta, os músicos guardaram seus instrumentos e passaram a consumir o chope, que era generosamente servido a todos. Mé, cigano erradicado em Tatuí e considerado o “maior tocador de baixo-tuba do Ramal de Itararé”, não poderia faltar.

Nem da apresentação musical e muito menos da rodada de chope, além dos salgadinhos.

Zeloso com seu instrumento, escondeu-o em um cômodo do casarão, pensando que lá ninguém entraria.


Algum tempo depois, o maestro chamou os músicos da banda para tocar. Quando o Mé foi buscar seu instrumento, sentiu um cheiro estranho. Ao pegar a tuba, percebeu que estava molhada com um líquido mal-cheiroso e empastado com algo ainda mais fedido.

Mé deixou sua tuba no chão de um quarto escuro e foi tomar chope

Cuidadosamente lavou a tuba e, bastante contrariado, foi tocar junto do resto da banda. Reclamou com os colegas do ocorrido, mas ninguém havia uma explicação para o fato. Uma molecagem, imaginaram todos.

A festa prosseguiu mais algum tempo. Mas acabou o chope, os salgadinhos e o fôlego dos músicos. Quase todos já havia saído.

Um dos músicos estava desmontando seu trompete e guardando-o no estojo, quando escutou alguém comentando com um amigo:

Que privada estranha!!!!!

- Puxa, o casarão é tão grande dentro e muito chique! Fui ao banheiro, estava um pouco escuro, mas a privada era toda dourada! Nunca vi algo semelhante! – contava esse alguém ao amigo.

A tuba, para o Mé, era uma verdadeira jóia.

- Só que essa privada não é muito confortável! Tive que fazer minhas necessidades meio que equilibrando o corpo, pois não dava para sentar direito no vaso! – continuou explicando.

TLIM!!! No mesmo instante caiu a ficha do trompetista. Descobriu o que havia acontecido com a tuba do Mé Cigano!

- Mé! – gritou. – Descobri o que aconteceu. Aquele sujeito c.... na sua tuba, pensando que era uma privada folheada a ouro!

Durante o resto daquele dia Mé cuspiu sem parar, lembrando que soprou seu instrumento durante horas... Será que isso aconteceu??? Éca!

sexta-feira, julho 28, 2006

56) A mirabolante viagem do caminhão porcadeiro

Helio Vieira foi um dos corretores de maior sucesso em Tatuí. Aliás, se tudo que contava correspondesse à realidade e os negócios que dizia ter feito fossem reais e concretizados, Helio teria sido o maior corretor do mundo.

Helio contava passagens de fazer corar o famoso Barão de Münchausen

Antes de ser corretor fez um pouco de tudo. Na década de 60 lidava com suínos. Tinha alguns caminhões que transportava suínos, três F-600 com carroceria apropriada para transporte desses animais. Uma carga bastante mal-cheirosa, mas lucrativa. Certa ocasião encostou os caminhões na Praça da Santa e fotografou sua frota. Ele orgulhava-se dela.

Atualmente as atividades relacionadas à suinocultura modificaram-se bastante, transformando esse tipo de negócio. Para completar, os grandes centros produtores estão localizados nas proximidades de importantes frigoríficos, quase que eliminando os caminhões “porcadeiros” em nossa região.

Caminhão "porcadeiro"

Em determinada época, a carne suína estava em alta, principalmente devido ao controle sanitário entre fronteiras estaduais, buscando o controle da saúde dos rebanhos brasileiros.

Helio estava retornando do Paraná a Tatuí com um de seus caminhões carregado da mal-cheirosa carga. Ao chegar na ponte que liga o Paraná a São Paulo havia uma barreira de fiscalização que impediu que continuasse sua viagem. Devido a uma doença do animal, estavam proibidas as viagens entre os estados da Região Sul e São Paulo.

- Tsk! Tsk! Essa história não está bem contada!

Helio tentou argumentar de todas as maneiras. Ele, bom de papo como era, pensou que conseguiria que lhe permitissem passar com seus porcos. Negativo! Não pode passar. Deveria retornar ao local de origem dos animais.

Aquilo ia transformar sua viagem em um grande prejuízo. Não poderia voltar, tinha que encontrar uma maneira. E encontrou. Fez um plano para passar pela fronteira.

Voltou até Sengés e alugou um ônibus de 40 lugares. Passou em um armazém e comprou 40 chapéus de palha e alguns metros de corda. Estacionou o ônibus perto do caminhão e quando entardeceu foi retirando os porcos, um a um, e colocando cada um deles amarrado no banco do ônibus, como que estivessem sentados. Comprou algumas roupas usadas em um bazar e vestiu os porcos que ficariam nas primeiras fileiras.

Os porcos estavam todos vestidos!

Ocupou todos os lugares com os porcos sentados, devidamente amarrados aos bancos, impossibilitados de sair. Nesse momento a noite já estava escura. Tudo estava preparado. Só faltavam os disfarces. Colocou um chapéu em cada um dos porcos e mandou o motorista partir.

O barulho dentro do ônibus era imenso, assim como grande era o cheiro ruim que exalava do veículo.

Helio sentou-se na primeira fileira, junto com um de seus empregados. O caminhão seguia o ônibus, viajando vazio. Quando o ônibus chegou à barreira, um policial deu sinal para que este parasse no acostamento. Assim que parou, Helio desceu rapidamente e começou a conversar com o guarda, enchendo o tal de conversa para que não entrasse no veículo para inspecionar.

- Pois é, seu guarda, é uma excursão de velhinhos de Tatuí e estamos voltando... tá todo mundo cansado! - explicava Helio.

O policial ia entrando no ônibus, estava já no primeiro degrau. Helio colocando-se a frente do mesmo, argumentou:

- Tá todo mundo dormindo! – disse Helio ao policial – Escute só como roncam! – complementou.

KKKK Faz-me rir!

Assim, acreditando que eram passageiros dormindo a sono profundo, roncando como nunca, resolveu deixar o ônibus seguir adiante. Não iria perturbar o sono daqueles que pensava ser alguns velhinhos.

Arre! Que porcaria! Só faltava essa!

quarta-feira, julho 26, 2006

55) O Show de Elba Ramalho

Anualmente acontece em Tatuí o Festival de MPB, promovido pelo Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”. Tornou-se um dos principais eventos do gênero no Brasil. Juntamente com o concurso de novas composições há apresentações de artistas famosos da MPB. Em cada edição acontecem shows que atraem muitos fãs.

Auditório do Conservatório de Tatuí

Este caso aconteceu em 2001, quando Elba Ramalho veio a Tatuí fazer um show no auditório do Conservatório. Foi combinado que um táxi iria buscar a cantora no aeroporto de Guarulhos. Cristiano, funcionário do Conservatório, já havia agendado o táxi. Escolheu um Santana novinho em folha. Era o melhor táxi da cidade. Claro, a artista merecia ser bem tratada.

Com bastante antecedência, Cristiano chegou a São Paulo. O taxista, cujo nome omitirei por óbvios motivos, deixou-o no aeroporto e foi ao estacionamento. Só que ele não quis ficar no estacionamento ali dentro do aeroporto para não pagar. Queria “lucrar um extra”!

- Mas eu preciso que você venha imediatamente quando a Elba chegar! – disse Cristiano bastante preocupado.

- Não tem problema, você liga em meu celular que eu chego num instante! – retrucou o "econômico" motorista.

Isso tranqüilizou muito pouco ao Cris, que estava um tanto desconfiado.

Algum tempo depois, aterrisa o avião com a Elba. Veio ela e o marido Gaetano. Cristiano imediatamente ligou ao motorista, para que ele viesse imediatamente para pegá-los.

Elba Ramalho e Gaetano

A chegada de Elba provocou algum tumulto no aeroporto. Sempre é assim quando famosos aparecem. As pessoas ficam fora de si... querem tirar fotos juntos, autógrafos, conversar e mil-e-uma coisas mais. É incrível! Parece que a simples presença de um famoso é suficiente para emburrecer uma multidão.

Foram direto para o local de embarque, mas o táxi não estava lá. Ficaram esperando um pouco, enquanto Cristiano ligava mais uma vez ao taxista, já desesperado com a situação.

Mas, enquanto isso ia juntando gente e o táxi não chegava. O motorista parou longe demais e o trânsito naquele momento estava travado. Além disto, a fila de táxis era imensa... andavam a passos de tartaruga. Com isto, Elba assustava-se com a multidão que a cercava. Não haviam preparado seguranças especiais, pois seriam apenas um “desce aqui e sobe ali”... Cadê o táxi?

A fila de táxis no aeroporto era imensa e o de Tatuí estava bem atrás

Já demorava perto de meia hora. Elba disse para o Cristiano chamar outro carro, mas ele argumentou que este já estava certo (e pago) desde Tatuí. Ele não tinha o que fazer a não ser rezar mentalmente para o carro chegar.

Ligou inúmeras vezes. Em todas a mesma resposta:

- Mais uns minutinhos e estou aí!

Mas não chegava!!!

O Cristiano costuma ficar enrubescido com facilidade. Naquele momento sua cor passava do pálido “branco susto” ao roxo “vergonha” em segundos. A mulher parecia enlouquecida.

E o Gaetano? Esse estava a um instante de bater no Cristiano, naquele momento o culpado de todos seus problemas. Resmungava o tempo todo... praguejava, xingava...

Bem, com um atraso de uns 45 minutos chegou o táxi. Preciso frisar que foram quarenta e cinco looooongos minutos!

Em minutos estavam partindo para Tatuí. A cor do Cristiano parecia estabilizar naquele róseo normal. Logo estavam na Castelo Branco. Em pouco tempo chegariam em Tatuí.

O danado do motorista, entretanto, não parava com as gafes:

- Dona Elba, a senhora isto, dona Elba, a senhora aquilo? – incessantemente perguntava.

A mulher, irritadíssima respondia secamente aquele interrogatório. Foi necessário que Gaetano desse um toque bem sutil... do tipo “o senhor pode ficar quieto um pouco”?

Rodovia Castelo Branco

Só que ainda havia um papelão reservado pelo danado motorista. Ele não ligou o "desconfiômetro"! Quando aproximavam-se do pedágio de Boituva, o artistão resolveu entrar em uma estradinha de terra para economizar o valor do pedágio.

- O que é isso? Onde vocês estão me levando? – assustada, Elba gritou.

- É um assalto? Um seqüestro? – perguntou Gaetano, que se continha o quanto podia para não arrebentar a cara do taxista.

- É apenas um “atáio” que eu peguei pra senhora chegar mais depressa, dona Elba! – explicou o taxista.

A cor do Cristiano, que já havia ido do pálido ao roxo mais de 50 vezes durante a viagem, desapareceu completamente: depois de ficar verde, estava quase transparente de vergonha.

Mas uns pulos aqui, uma poeira ali, um salto no banco acolá e voltaram à estrada.... logo estavam em Tatuí.

Assim que desceu do carro, em frente ao Hotel Del Fiol, Gaetano disse ao Cristiano:

- Nesse carro nós não voltamos de maneira alguma. Arrume outro! – determinou.

Tiveram que chamar um táxi Omega de Sorocaba para levar a Elba de volta a São Paulo. E o taxista artistão? Este nunca mais foi chamado pelo Conservatório. Tanto que economizou com estacionamento e pedágio que conseguiu: não vai precisar mais pagar por isso, pois não viaja mais com o Cris!!! Só em Tatuí!

Ainda bem que no palco Elba Ramalho esqueceu-se desse episódio e arrasou!

quarta-feira, julho 19, 2006

54) Lendas Urbanas: o urubu no cinema

Quem me contou o ocorrido, tintim por tintim, foi o Tucunduva, policial de Tatuí já falecido. Ele estava completamente por dentro dos fatos, ainda mais que costumava dar plantão nos cinemas de Tatuí, local da ocorrência do fato que irei lembrar. Infelizmente, ele disse que não estava de plantão na noite dos fatos. Mas sabia de tudo detalhadamente.

Quando começavam as sessões no Cine São Martinho, todas lotadas, diga-se de passagem, apareciam algumas propagandas, trailers, curtas metragens esportivos do Canal 100 e, ainda, capítulos dos seriados da época (Flash Gordon, Fantasma, Dick Tracy, Capitão Marvel, Rintintin, Garra de Ferro, Tarzan, Zorro, Cavaleiro Mascarado, Mandrake, Fu Manchu, X9, Besouro Verde, etc.).

Rintintin passava também na TV, no começo da decadência dos cinemas

O cinema era uma das principais opções de entretenimento. Nem precisava ser filme recém lançado para lotar cinemas. Famílias inteiras iam juntas ao cinema. A vida social era regulada pelo horários das sessões. Em Tatuí havia 3 cinemas: Cine São Martinho (onde hoje é o Banco Itaú), Cine São José (onde é atualmente o Supermercado Lorenzetti) e o Cine Santa Helena, ressuscitado há poucos anos.

Filmes do Mazzaropi, por exemplo, lotavam todos os cinemas no Brasil inteiro. O homem era tão organizado que enviava seus fiscais para controlar as bilheterias e não perder receita. De bobo só tinha tipo. Espertíssimo!

De bobo Mazzaropi só tinha a cara!

A imensa maioria dos filmes vinha de Hollywood. Os grandes estúdios, como Metro Goldwyn Mayer, Universal Films, Warner Bros, Fox, Columbia, Paramount, eram todos íntimos dos espectadores. Mas havia um especial, que atraia a atenção de todos quando apresentava sua vinheta: o estúdio Condor Films.

Aparecia a animação de um condor pousado em um galho. A platéia toda gritava: Xô! Xô! Xô! E riam no momento em que a ave batia suas asas e voava, dando a impressão que a haviam assustado...

O condor aparecia pousado em um galho

O vôo do condor deu inspiração para o caso contado pelo Tucunduva. No final da década de 60, soltaram um urubu no Cine São Martinho de Tatuí. A ave foi introduzida por uma fresta da porta lateral (que dava para a Rua José Bonifácio) dentro de uma caixa de sapatos. No momento em que abriram a caixa de sapatos, o urubu, assustadíssimo, voou em direção à tela, atraído pela luz.

Quando o urubu chocou-se com a tela, caiu próximo da primeira fileira de carteiras do cinema. Isso gerou o maior tumulto que já se viu em um recinto fechado em Tatuí. Pânico geral. A sessão teve de ser interrompida. Algumas pessoas passaram mal e tiveram que passar por atendimento médico. A sorte que até os médicos assistiam aos filmes e estavam lá mesmo.

Ninguém foi preso porque não foram identificados na ocasião. O Tucunduva, policial experiente, soube dos detalhes do caso algum tempo depois, pormenores que me contou em 1971-72, aproximadamente.

- Quem teve a idéia e organizou tudo foi o Marcelo! – afirmou Tucunduva – Ele teve a idéia e juntou alguns amigos para caçar um urubu ali no Barrocão!

O Barrocão, bem ali onde fica a agência principal dos Correios, era o depósito de lixo de Tatuí. Lugar horrível, onde a fumaça da queima de lixo orgânico não cessava, deixando a região com um cheiro terrível. O lixo era recolhido em carroças e levado até o lugar. Era jogado e queimado, numa agressão ambiental impensável na atualidade.

- Armaram uma arapuca, atraindo a ave com um pedaço de carniça... ficaram esperando até que um urubu entrasse dentro! – explicou Tucunduva – Assim que caçaram um deles, colocaram em uma caixa de sapatos e guardaram até a noite, executando o plano no horário da primeira sessão! – continuou.

- Três amigos entraram no cinema e sentaram-se bem ao lado da porta do meio e, cuidadosamente, abriram uma de suas partes (as portas dobravam-se em 4 folhas), enquanto um quarto personagem enfiava a caixa com o urubu! – completou Tucunduva.

O resto é de domínio público. O vôo do urubu, sua queda, o susto dos espectadores, o pânico, etc. Tucunduva não me contava aqui nenhuma novidade, pois eu sabia do acontecido. Ocorreu em um dia em que eu não fui ao cinema.

Todo mundo sabia do ocorrido, mas nunca encontrei com uma pessoa que tivesse presenciado realmente o acontecimento. Sabiam por ouvir falar! Vez por outra ainda escuto algumas pessoas comentando o ocorrido.

Só que existe um detalhe que conheci 20 anos depois, conversando com o próprio Marcelo, que segundo o Tucunduva foi o mentor e executor do caso.

Comentando na presença do Marcelo desse ocorrido, ele disse que isso nunca aconteceu. Disse que já havia tentado esclarecer, mas ninguém acredita. Nunca aconteceu o vôo do urubu no Cine São Martinho e em nenhum outro de Tatuí.

- Desisti de desmentir! – disse o Marcelo. – Já que continuam a dizer que fiz, que digam, mas isso nunca aconteceu! – finalizou.

Eu hein? Não tenho nada com isso!

E não aconteceu mesmo, trata-se de uma Lenda Urbana Tatuiana. Acho que existem algumas pessoas que até pensam ter visto o fato, em uma confusão de sua memória entre o condor voando na vinheta da Condor Films e o urubu da imaginação.

Tucunduva foi apenas mais um que acreditava no fato, que não presenciou simplesmente porque nunca aconteceu. É mole?

quinta-feira, julho 06, 2006

53) O Velho Oeste é aqui!

Acho que este caso cabe muito bem aqui. Aconteceu comigo, pouco tempo depois de ter comprado meu Hyundai. Já faz 10 anos que estou com esse carro.

Certo domingo fui até o bairro de Americana, simplesmente porque não tinha outra coisa a fazer. Eu e a Janete. Em uma das curvas da estrada há um caminho que serve de entrada para algumas chácaras, utilizando o antigo leito da Sorocabana. Havia, bem na entrada, um bambuzal que quase fechava tudo, formando uma espécie de túnel.

Sempre que passava por lá, tinha curiosidade de entrar naquele túnel de bambu e conhecer o lugar. Nesse domingo, como não tinha destino certo, resolvi entrar...

Saí da estrada asfaltada e entrei naquela mistura de trilha com estrada, pouco mais largo que uma estrada de ferro. Há diversas chácaras por lá, a maior parte delas de lazer. Um belo local.

Como estava apenas buscando conhecer, continuei seguindo aquela estradinha. Muito estreita, impossível de manobrar. Continuei o passeio até encontrar um lugar para retornar.

Entrei em uma curva. Do lado esquerdo o barranco estava mais alto. Do lado direito o mato crescia ao lado da cerca. De repente, dou de cara com um homem mascarado, com uma pistola automática na mão, escondido em uma moita na beira da estrada.

O olhar do mascarado não era amigável

O homem virou-se para mim... deu para perceber em seu olhar por trás da balaclava, que eu havia interrompido algo importante.

Pensei em voltar, mas era impossível. O caminho estreito demais para manobras. De um lado o barranco era bastante alto, do outro havia cerca de arame farpado. Teria que encontrar mais adiante um local para virar o carro. Engatei a primeira marcha e disse para a Janete segurar-se, pois se precisasse eu iria acelerar para fugir.

E a curva da estradinha, curva de estrada de ferro, ainda não havia terminado. Passei bem ao lado do sujeito mascarado, que nesse momento estava em pé. Alguns metros adiante, vi outro homem armado.

A cada instante a coisa ia piorando!

Desta vez era um barbudo, vestindo uma capa impermeável de cavaleiro (em dia de sol), com chapéu e armado com um rifle semelhante a Winchester.

“Epa! Estou no lugar errado na hora errada!” – pensei. “Devem ser alguns bandidos lutando entre si ou ‘desovando um presunto’”! – conclui.

Estava pronto para acelerar, como única alternativa para escapar daquela situação, quando dou de cara com mais um homem barbudo armado com revólver. Percebi que tinha um revólver na mão e outro no coldre.

O terceiro homem tinha um revólver na mão e outro na cinta

Eram três pessoas armadas naquele local semi-deserto.

Pensava em diversas coisas em frações de segundo... Arrependi-me da idéia de entrar naquele lugar. Como sair dessa situação??? Certamente que aqueles sujeitos não iriam deixar testemunhas de sua ação! Pensei em tudo, nos filhos, na vida, na Janete - coitada, estava ali ao meu lado -, na mãe!!!! Que situação!

Eu estava guiando bem devagar, para sentir as reações dos homens armados. A curva ainda não havia terminado. O barranco impedia enxergar o final da curva. Passei ao lado do barbudo que vestia a capa. Seu rosto demonstrava que ele estava muito contrariado com minha interrupção ali.

Que situação!!!

Olhei para ele. Tive a impressão que estava sujo. Barbudo e sujo. Tinha também um revólver, que guardava no coldre. Este deveria ser o chefe, pois os outros olhavam para ele, esperando alguma atitude dele ou ordem, talvez.

Eu dirigia com todo cuidado. A rotação do motor já estava um pouco mais alta. Os pés preparados para embrear, acelerar... eu ia tentar uma fuga. Esperava apenas uma reação dos homens.

Uns metros adiante, bem no final da curva, percebi mais uma pessoa. Estava bem no meio da estrada. Meu pensamento girava com o dobro da velocidade. Enquanto observava as reações dos outros três, considerei que teria de passar por cima da quarta pessoa. Ele estava impedindo minha passagem.

Este homem trazia algo sobre seus ombros. Uma bazuca? Não! Olhei melhor e reconheci essa pessoa. Tratava-se do professor Pedro Henrique de Campos com uma câmera VHS engatilhada.

Rapidamente entendi a situação. Com a redução do nível de adrenalina, foi possível reconhecer o barbudo. Aliás, barba postiça. Era o Expedito de Lima, carpinteiro, encanador, eletricista, quebra-galhos, ator, cineasta, produtor e diretor tatuiano. Fez dezenas de filmes. Quase todos eram faroestes. Lembro-me do título de um deles: “A Víbora Humana”. A atriz principal foi sua namorada.

Os outros eu não reconheci. O que dificultou mais um pouco para perceber que era coisa do Expedito foi o inesperado. Quem poderia imaginar encontrar um bando de homens armados, fingindo, ou melhor, representando bandidos?

Expedito, como sempre, era o mocinho. Mas com sua fisionomia de caboclo, mais parecia um bandoleiro mexicano. Pensando bem, o filme poderia não ser faroeste, porque o mascarado usava uma pistola automática, parecida com aquela que o Fantasma do gibi usa!!!

Para dar impressão de veracidade, creio que ele havia rolado na poeira, sujando-se, pois estava imundo. Pensando bem, todos os integrantes do “cast” de Expedito, incluindo ele próprio, só poderiam fazer papel de bandidos... ninguém tinha cara de mocinho!

Nenhum dos três tinha cara de mocinho... pela aparência pareciam ser bandidos. E o Expedito, com sua fisionomia de caboclo, parecia mesmo um bandoleiro mexicano!

Pedro Henrique é um dos maiores cinéfilos tatuianos. Ele gostava tanto de cinema que trabalhou durante longos anos operando o projetor do Cine São Martinho. Tenho a impressão que nem cobrava pelo seu serviço!!! Depois do fechamento dos cinemas e com o aparecimento da filmadora VHS, passou a filmar, sempre que possível, alguns dos principais eventos de Tatuí.

Andei mais alguns metros e encontrei um lugar para manobrar o carro. Ufa! A sensação de alívio era enorme. Pudera, havia saído daquilo que parecia ser o próprio inferno.

Quem poderia imaginar que aquele local isolado havia sido transformado em cenário de filme de faroeste?

Algum tempo depois o tal filme foi apresentado em sessão organizada lá no barracão do Dedé. Não deu certo para eu ir assistir, mas ainda quero ver o danado...

Expedito sentia-se como John Wayne atuando, ao mesmo tempo em que pensava ser John Ford dirigindo...

Expedito só não conseguiu representar Zorro, o Cavaleiro Solitário, porque ninguém queria fazer o papel do Tonto

Ele fez inúmeros filmes e fotonovelas. Fotos preto e branco, coloridas... filmes Super-8, VHS... Tudo correndo por sua conta e risco. Não há investidores disponíveis. Tudo é difícil. Se fosse aos Estados Unidos, alguém iria financiá-lo e poderia até estar realizando filmes com equipamentos adequados e, provavelmente, fazendo sucesso. Mas aqui... Não tem futuro. Coisas do Brasil.