quarta-feira, fevereiro 08, 2006

24) A boiada do Mario Coscia

Mario Coscia foi proprietário de um açougue em Tatuí na década de 1950. Os tempos eram outros, quando quase tudo funcionava de maneira rudimentar. Um açougue nessa ocasião, comparando-se com os atuais, era algo terrível, muitas vezes mal-cheiroso e cheio de improvisações. Diferente da atualidade, quando estão se tornando cada vez mais profissionalizados, com normas de procedimentos rigorosas, visando proteger a saúde das pessoas, assim como os direitos de consumidores.

Hoje a carne é fornecida por frigoríficos que contam até mesmo com sistemas de rastreamento, com o qual consegue obter informações da trajetória do gado que abate, desde o nascimento, a propriedade onde nasceu, local de engorda, das vacinas aplicadas, possíveis doenças, abate, condições de armazenamento, destino do produto, etc. Tudo está sendo controlado, inclusive devido a exigências dos mercados americano, europeu e asiático, grandes importadores da carne brasileira.

Na época em que Mario Coscia tinha açougue, procedimentos iguais poderiam até mesmo provocar desconfianças nos consumidores. Ninguém acreditaria que tudo estivesse registrado, rastreado, mesmo porque essa tarefa, naquela ocasião, seria impossível.

Os açougues não tinham máquinas e nem geladeiras.

As ferramentas básicas de um açougueiro eram: faca, serrote, machadinha e um toco de madeira.

O Matadouro Municipal fazia o abate dentro das normas vigentes naquele tempo. Hoje uma carne com procedimentos iguais aos do Matadouro, não poderia nem mesmo ser exposta em açougues.

O controle sanitário é amplo, para evitar doenças que podem até mesmo afetar as exportações, com reflexos na balança comercial e na economia de modo geral. Acabou a vez do improviso (apesar de alguns insistirem em continuar com abates clandestinos). Os procedimentos com a carne são hoje quase que totalmente industrializados e não precários como na época de Mario Coscia.

Um simpático açougueiro da época de Mario Coscia

Se o trabalho dentro do açougue era artesanal, o abate também não tinha o aspecto atual, profissionalizado.

O gado era conduzido por boiadeiros a cavalo pelas estradas desde a propriedade onde foram criados até a cidade. Eis mais uma profissão em extinção, além do leiteiro com carrocinha: boiadeiro a cavalo (pelo menos na nossa região).

Certa vez, Mario foi até um sítio da região para comprar um gado. Isto era necessário para suprir seu açougue. O gado seria trazido em boiada até a cidade e seu abate deveria ser no Matadouro Municipal, onde a coisa tinha um pouco de organização. Claro que sempre havia a possibilidade de algum abate clandestino, para fugir dos impostos, mas este não é assunto de nosso interesse neste momento.

Mario Coscia levantou-se de madrugada, selou seu cavalo e foi ao encontro dos peões que tinha contratado para ajudá-lo a conduzir a boiada. Ainda estava escuro quando partiram em direção ao local onde tinha um gado que ele desejava comprar.

As viagens a cavalo não eram rápidas e o sítio ficava um tanto distante, no município de Porangaba. Uma bela cavalgada e por lá chegaram ainda na parte da manhã.

Depois de uma rápida conversa, foram ver o gado nos pastos do vendedor. Anda de um lado, anda de outro, olha aqui, olha ali, escolhe este e aquele. Assim que definiram que animais trariam, passaram a tratar do preço e das condições de pagamento. Quando tudo ficou acertado, passaram a conduzir o gado até a sede do sítio, ajeitando tudo para formar sua boiada.

Quando tudo ficou pronto, já era quase noite. E a fome começou a apertar. Pudera, levantou de madrugada, viajou desde Tatuí, mexeu nos pastos o dia todo. Era hora de jantar. Era natural que estivesse com fome.

Quando chegaram à sede já estava escuro. Fecharam os animais na mangueira para deixar tudo pronto para a partida, que deveria acontecer logo nas primeiras horas do dia seguinte, pois em caso contrário não teriam tempo de chegar a Tatuí até o anoitecer. Eles iam dormir na cocheira, em camas improvisadas sobre o capim recém cortado.

E nada de jantar!

Os peões já estavam mudando de cor. Nem muita conversa havia entre eles. Fome! – só lembravam disso.

Mario Coscia acertou o pagamento com o dono do gado. Só saia conversa, mas nada de comida. Ele não estava nem mesmo prestando muita atenção ao negócio, porque parecia que uma das paredes de seu estômago tentava comer a outra. ROOOOOOOOMMMMMMMMM! O aparelho digestivo reclamava por aquele ócio e desejava ter ocupações.

Lá pelas 8 horas da noite, a esposa do dono do sítio aproximou-se e disse:

- Se mecêis quiserem se lavá pra durmi, tem água no bárde... a bacia tá aqui.!

Mario respondeu rapidamente:

- Mas dona, será que não vai fazê már a gente tomá banho de barriga vazia?

Só então a mulher “se tocou”:

- Ah, mecêis num comerum? – perguntou.

- Só se nóis pastasse. – respondeu Mario.

Daí ela perguntou se eles queriam que fizesse alguma coisa para comer. Mas que pergunta!!! Claro que queriam!

A comida, temperada com a fome, parecia mais saborosa. Se os donos do sítio queriam economizar com a comida, saíram muito mal, porque com a fome que estavam, ainda mais com a demora para comer, limparam com tudo que foi servido: arroz, feijão, frango, lingüiça, ovos, farinha, couve... não comeram mais porque consumiram toda a despensa do sítio.

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