quarta-feira, março 29, 2006

43) Carro versus Bonde

Algumas senhoras da sociedade local, preocupadas com as mães trabalhadoras, idealizaram formar uma associação (Associação das Mães) e criar uma creche para atender às mães que precisavam trabalhar e não tinham onde deixar seus filhos.

Levaram adiante esse projeto, tornando realidade essa instituição que, durante muitos anos, tem auxiliado muitas mulheres trabalhadoras. Mas a luta não tem sido pequena. A associação só tem sobrevivido graças à persistência de inúmeras colaboradoras em todas as fases de sua existência.

Quando ainda buscavam recursos para construir a creche, na década de 1940, algumas senhoras resolveram ir a São Paulo levar pessoalmente suas reivindicações ao governador paulista.

Entretanto, a uma comitiva de senhoras tatuianas não convinha ir de trem, mesmo porque não conheciam direito a capital. Iriam de automóvel, decidiram.

Automóveis, nessa época, eram poucos, para não dizer raros. Também as estradas eram terríveis, sem pavimentação e com pouca conservação. Pediram a vovô Ernestino que as levasse em seu Ford. Claro que ele disse sim.

Só que minha avó ficou enciumada. Mesmo sabendo da finalidade da viagem, ficou preocupada com seu “galã” e, como não havia um lugar para ela ir junto, fez vovô levar minha mãe, na ocasião ainda uma menina. “Imagine, o Ernestino viajar sozinho com aquela mulherada elegante!!” – pensou vovó.

As senhoras estavam arrumadíssimas

No dia da viagem apareceram todas na casa de vovô vestindo taillers, belas bolsas, sapatos com salto e com os cabelos arrumados. Elas capricharam porque iriam encontrar o governador em pessoa!

A estrada de Tatuí a São Paulo não era pavimentada, como todas as outras nessa época: poeira, lama, buracos em todo o percurso. Qualquer viagem era uma aventura. Aquelas senhoras estavam dispostas a enfrentar para concretizar a associação.

O carro de vovô não era novo e nem muito bom. Também pudera, até para arrancar tocos de árvores no pasto ele usava o pobre veículo. Na verdade, nenhum carro era muito bom, pois o desgaste com as estradas acabava com eles. Além disto, como eram todos importados, não se encontravam peças com a facilidade de hoje e, sendo assim, os mecânicos tinham que ter muita criatividade e improvisação. Consertar algo quebrado era coisa de “artista”. Diferente disso, hoje é só substituir a peça quebrada.

Logo saíram em direção à capital. A viagem transcorria bem, até que começou a chover. Em uma baixada o carro encalhou. Não ia nem para frente e nem para trás. Vovô acelerava para tentar fazer o carro sair, mas só roncava e afundava cada vez mais na lama.

Só havia uma solução: empurrar o carro! Mas quem? Aquelas senhoras elegantemente vestidas?

Esperaram um pouco para ver se passava alguém, mas o trânsito era insignificante. Ficaram quase meia hora aguardando e nada. Ninguém apareceu!

Não teve jeito. As senhoras desceram do carro, enfiando seus sapatos chiques na lama grudenta. Empurraram, empurraram enquanto vovô acelerava o carro. O Ford roncava e espalhava lama para todos os lados. Quando conseguiram remover o carro do lamaçal estavam todas enlameadas.

Enquanto percorriam o resto do caminho até São Paulo, as senhoras tentaram limpar suas roupas. Limpa aqui, esfrega ali, molha acolá e conseguiram remover a sujeira aparente.

Chegaram a São Paulo. Com umas ajeitadas nos cabelos e borrifadas de perfume e estariam novamente prontas para encontrar o governador.

As ruas da capital não tinham o movimento atual, mas como eram todas estreitas e quase não havia avenidas, o trânsito na região central era intenso. Além de tudo, havia um ocupante famoso das ruas e que não mais existe: o bonde elétrico.

O bonde era o transporte urbano mais utilizado

As ruas centrais eram compartilhadas por pedestres, automóveis, caminhões, ônibus, bicicletas, carroças, animais e, claro, bondes. E bonde anda em trilhos. Com a confusão do trânsito os carros cruzavam os trilhos dos bondes o tempo todo. Quando aparecia o bonde, todos tinham que dar lugar... sair dos trilhos. Em algumas ruas de mão única, apareciam até bondes na contramão.

Pois bem, apesar de vovô já ter estado outras vezes em São Paulo, estava um tanto atrapalhado com o trânsito. Anda, pára, anda, pára... vira, desvira, acelera, freia... de repente, sem perceber, bateu levemente em um bonde que estava parado na sua frente.

Mas isso não foi nada. O problema foi que enroscou o pára-choques do Ford no limpa-trilhos traseiro do bonde. Vovô tentou dar uma ré, mas não conseguiu. Quando o bonde começou a andar, arrastou junto o carro.

As senhoras, apavoradas, começaram a gritar. Só que o motorneiro não percebeu que havia um carro enroscado no bonde. Vovô apertava a buzina, mas parece que todos buzinavam naquele momento.

O bonde arrastou o carro de vovô quase um quarteirão inteiro. A gritaria das senhoras aumentava o nervosismo de vovô, dificultando ainda mais a saída daquela situação.

Opa! Conseguiu! Com um movimento brusco do bonde e um tranco no volante, o carro ficou livre.

- Ufa! Agora vamos embora! – exclamou satisfeito vovô.

Mas não foi o que aconteceu. Pois não se sabe como, o carro enroscou novamente no bonde. Recomeçou a gritaria e as tentativas para sair daquela situação.

- Pelo amor de Deus, seu Ernestino, faça alguma coisa! – imploraram.

Desta vez o motorneiro percebeu e parou o bonde. Surgiram algumas pessoas que ajudaram a tirar o pára-choques do limpa-trilhos do bonde. Para não correr o risco de engatar novamente, esperaram um pouco, dando certa distância entre eles e o bonde.

Mais um pouco de tempo e estavam em frente ao palácio do governador. Antes de sair do carro, arrumaram-se como foi possível. Depois do lamaçal, da chuva, do bonde, estavam no destino.

Faltou pouco para o carro de Ernestino ficar assim!

Só que a coisa ainda não havia terminado. A chuva tinha alagado a rua e elas tiveram que caminhar em um verdadeiro riacho. Quando encontraram com o governador, estavam com os sapatos sujos, os cabelos despenteados, as roupas com respingos de lama...

A missão, no entanto apresentou bons resultados. Com a cooperação do governo, em pouco tempo as mães trabalhadoras de Tatuí tinham um lugar decente para deixar seus filhos, como têm até hoje.

segunda-feira, março 27, 2006

42) Enterro atrasado

Padre Murari foi mesmo inesquecível. Alguns tatuianos mais antigos dizem que “foi o melhor padre que passou por Tatuí”.

Pode mesmo até ser verdade, mas não dá para dizer que foi um padre dotado de paciência. O homem resolvia as coisas de seu jeito, não aceitando intromissão.

Certo dia faleceu um morador de um sítio um tanto longe da cidade. O óbito aconteceu ao meio dia em uma propriedade isolada. Junto só estava sua esposa. A mulher saiu de casa toda nervosa para avisar vizinhos e parentes. Como a propriedade era longe dos vizinhos, só retornou quando a noite já estava alta.

Alguns parentes, amigos e vizinhos passaram a noite toda velando o defunto. O choro dos parentes e das carpideiras atravessou a noite. O bule de café não parava cheio. Uma das vizinhas passou a noite fazendo incontáveis cafés. Enquanto isso, os homens contavam "causos" e tomavam toda pinga que havia por lá.

O choro das mulheres atravessou a noite

No dia seguinte, formaram um cortejo para levar o corpo a Tatuí, para ser enterrado no Cemitério Municipal.

Automóveis ainda eram raros nessa época. O sítio era longe e não tinha estradas, só caminhos. Colocaram o defunto em uma carroça e vieram à cidade.

Além do caminho ser ruim, faziam questão de passar pelas casas de conhecidos, para avisar do ocorrido. E todos queriam saber o que havia acontecido com o morto. Porque morreu, se estava doente, etcetera e tal. E ia juntando gente acompanhando o enterro. Mas cada parada atrasava mais um pouco a viagem. Quando chegaram à cidade já era bem tarde.

Não sei se devido à doença que o matou ou ao tempo transcorrido, quando chegou à cidade o corpo já começava a cheirar mal. A viúva desejava que o padre benzesse o defunto, realizando o último de seus desejos. Não queria enterrar sem isso.

Pararam a carroça na funerária, para comprar um caixão. Encontraram lá um que deu certo com o tamanho do defunto. No entanto, era um caixão caro e a viúva gastou todo seu dinheiro para pagá-lo.

A partir da funerária, o caixão seguiu carregado pelos parentes e amigos que acompanhavam o cortejo fúnebre desde o sítio. Ao chegar na igreja matriz, como a porta estava aberta, entraram com o caixão, para que o padre desse suas bênçãos ao morto.

Só que o padre não estava lá. Padre Murari havia saído para visitar alguém e não havia como avisá-lo.

Esperaram quase duas horas. Já era hora de fechar o cemitério. Nada do padre aparecer. Um dos parentes do morto correu ao cemitério para pedir que esperassem um pouco mais, avisando que o defunto já chegaria.

Enquanto isso, o defunto cheirava mal cada vez mais.

Preocupado, o João Sacristão mandou um mensageiro até onde o padre estava, pedindo que este voltasse logo, para benzer um defunto.

Padre Murari ficou contrariadíssimo. Estava na casa de amigos tomando uma pinga que trouxeram de Minas Gerais especialmente para ele.

Demorou um pouco mais, mas veio.

Entrou pela Casa Paroquial. Foi lá fazer alguma necessidade fisiológica. Logo saiu.

Chegou o padre. Enfim ele estava na sacristia colocando seus paramentos. O pessoal que acompanhava o enterro estava já conversando alto dentro da igreja, o que deixou o padre mais contrariado ainda.

Quando aproximou-se do defunto, assustou-se com o cheiro. O pobre homem já fedia.

Nesse instante, João Sacristão avisou que não haviam pago a taxa que se cobrava para benzer defuntos.

- Ah, tem que pagar! – determinou o padre.

A viúva veio explicar que não tinha mais dinheiro, que gastou tudo com a compra do caixão.

As pinturas dos anjinhos distrairam o pessoal

Nesse momento, aquelas pessoas que acompanhavam o enterro sumiram de perto. Uns olhando para as pinturas da parede e outros para o teto. Talvez ficassem obsortos ao apreciar as imagens dos querubins do teto em frente à sacristia. Sabe-se que o pintor inspirou-se na criança mais linda de Tatuí dessa época quanto pintou os tais anjinhos. Ninguém se prontificou a pagar ao padre.

- Não adianta, se não pagar não posso dar a bênção. É a norma! – afirmou o padre.

Mas o fedor invadia toda a igreja. Não dava mais para ficar com aquele defunto por ali.

A viúva, que desejava cumprir o desejo do falecido, disse:

- Não vou tirar meu marido daqui enquanto o padre não benzer! Que fique aqui o corpo - disse a viúva.

O problema estava agravando-se. O cheiro estava terrível.

Como não havia outra saída, padre Murari aproximou-se do caixão para dar suas bênçãos ao morto. Ih, mas quando abriram o caixão o cheiro aumentou! A situação estava muito ruim.

Proferiu rapidamente as palavras sacramentadas recomendando o defunto.

Saiu logo em seguida, ainda mais contrariado do que quando entrou e, tapando suas narinas com uma das mãos e gesticulando com a outra, ordenou a todos que retirassem o quanto antes aquele caixão:

- Pronto, pronto! Agora tratem de levar esse defunto... Que vá feder lá nos quintos dos infernos! – resmungou padre Murari.

domingo, março 26, 2006

41) Desempate animal

Este caso, lembrado pelo historiador Antonio Alcebíades Paes, ocorreu em uma ocasião em que a Quadra ainda não tinha sido emancipada, fazia parte do município de Tatuí. Era o Distrito de Quadra, hoje Município de Quadra.

Havia certa rixa entre os moradores do atual município para com moradores da sede, decorrente de inúmeras razões, incluindo o descaso que algumas administrações de Tatuí mantiveram em relação ao distrito.

Certo dia marcou-se um espetacular jogo de futebol entre o glorioso Palmeiras de Quadra e a Seleção de Tatuí. O jogo, que aconteceria em um campo de futebol do distrito, foi ansiosamente aguardado pelos entusiastas. O time quadrense já possuía uma torcida respeitável e, como era contra um selecionado tatuiano, praticamente a população inteira de lá torcia contra os visitantes.

O jogo aconteceu em um domingo. Coincidentemente foi um lindo dia. Desde o amanhecer o dia prometia ser bom... e foi mesmo. O sol brilhava em um céu todo azul. Uma brisa suave e refrescante soprava de quando em quando, sem esfriar e deixando um clima agradável.

Churrascos, cervejas, chopes e batidinhas foram consumidos desde cedo. O dia começou com desafios de cururu, entre tatuianos e quadrenses. Na parte da manhã também teve um torneio de truco movimentando o centro de Quadra.

Desafio de Cururu

Apesar da movimentação, a expectativa era a partida de futebol, marcada para as 4 horas da tarde.

As pessoas estavam alegres e não havia clima para brigas, muito comuns nesse tipo de festa. Os comerciantes de Quadra estavam satisfeitos, pois muita gente estava visitando o lugar, consumindo bebidas, refrigerantes, sorvetes, refeições... “Ah, se isso acontecesse sempre!!!” – pensavam as pessoas mais esclarecidas – “Poderia movimentar a economia da região!”.

O dia transcorreu alegre. Logo depois do almoço, as pessoas já iam encaminhando-se para o local do jogo. Até mesmo a partida preliminar foi assistida por uma multidão.

Era um belo cenário. Belo e colorido. Belo, colorido e alegre!!! Crianças, jovens, adultos e velhos, homens e mulheres, lotavam os arredores do campo. O campo, no entanto, era improvisado, não tinha nem mesmo cerca. Sem fazer trocadilho, o campo era só um descampado.

Mas isso não diminuiu o brilho da ocasião. As redondezas estavam cheias de vendedores de caldo de cana, pastéis, salgadinhos, latinhas de cerveja... e incontáveis sorveteiros.

Chegou a hora do jogo principal. Um dos jogadores era o Formigão Soares que, apesar de morar em Tatuí, jogou para o time do Palmeiras de Quadra. Era o seu time do coração!

A partida estava difícil para ambas as equipes. A multidão assistia sem avançar no campo. Mesmo sem qualquer cerca, havia uma marcação feita com cal no chão, que as pessoas respeitaram todo o tempo. Ninguém invadiu o campo. Não aconteceu nenhuma ocorrência negativa. O policiamento, reforçado nessa ocasião, praticamente não teve trabalho. Uma bela festa, sob todos os aspectos.

GOOOOOL! – o Palmeiras de Quadra marcou o primeiro gol.

A vibração dos torcedores era intensa, mas durou pouco. Menos de um minuto depois a seleção tatuiana marcava o seu gol: GOOOL!!!

E assim foi o jogo: 1 x 1 até quase o final.

No último minuto, o time de Quadra foi cobrar um escanteio. Todos os olhares estavam voltados para o jogador que ia chutar. Pumm! Chutou.

Escanteio!

Nesse instante, sem que ninguém percebesse, uma vaca entrou no campo. Não havia cerca e a grama lhe pareceu apetitosa!!!

Bumm! A bola acertou bem na testa da vaca, desviou-se e, pasmem, entrou no gol!!!

GOOOL!

Móóóóóóóóó!

- Hei juiz, tem que anular! – gritaram os jogadores da seleção tatuiana.

- Não, tem que marcar! – rebateram os quadrenses.

-Não! Sim! Não! Sim! – a paz que reinara até aquele instante estava ameaçada.

O juiz não sabia o que fazer. A multidão já estava entrando em campo. Os policiais, que não haviam tido qualquer problema, eram insuficientes para conter a multidão.

Discute-se aqui. Discute-se ali. Foi gol! Não foi gol!

Alguém trouxe a solução:

- Escutem aqui: a vaca é de Tatuí ou da Quadra?

- Da Quadra!

- Então é gol da Quadra!

O juiz então resolveu que o gol seria mesmo validado. A vaca era da Quadra e o gol ficou para o Palmeiras de Quadra. Aiaiaí, Alcebíades! Será verdade isso?

quarta-feira, março 22, 2006

40) É boi, é?

Quando passo por uma rua, às vezes fico pensando em quem deu seu nome para ela. Umas são fáceis de descobrir: Sete de Setembro, Onze de Agosto, Duque de Caxias, Cruzeiro… mas outras podem ter uma história por trás, uma homenagem aos ilustres personagens da sociedade tatuiana e nacional.

É boi, é?

Quando é, por exemplo, Rua Professor Fulano de Tal, já dá para ter uma idéia do motivo pelo qual essa pessoa foi homenageada… era um professor. Outro foi prefeito, capitão, coronel, etc, e tal.

Mas o que estava intrigando no momento em que passei pela rua foi o “título” dado ao homenageado: Avenida Cientista José de Barros Magaldi. A homenagem dada foi merecida, pois ele havia sido um cientista… Mas que pesquisa havia feito? Foi cientista em que área? Não conseguia encontrar ninguém para esclarecer.

Descobri, no entanto, uma versão não-oficial contada pelo Julio Vieira, da Livraria Vieira (ficava onde é hoje a FarmaPonte).

Antes de prosseguir tenho que registrar que o Julio Vieira merece não apenas ser citado aqui. Ele vale um capítulo inteiro, só para contar suas artimanhas para escapar de dona Irma, sua esposa, e ir aos bares tomar as suas… Fica para uma outra ocasião.

Julio Vieira contou ao Bi que o cientista José de Barros Magaldi estava desenvolvendo importantes estudos na área biológica, mais especificamente envolvendo a bovinocultura.

Hoje, o Brasil é o maior produtor mundial nessa atividade, mas não era muito desenvolvida na década de 50, mesmo tendo o país um importante rebanho.

Sabe-se que o aproveitamento da carcaça do boi é quase total: carne, couro, ossos, chifres… aproveita-se tudo. Ou melhor, segundo Julio Vieira, aproveitava-se quase tudo. E isto é o que o cientista desejava mudar… desejava aproveitamento de 100%.

Só assim para escutar o berro do boi!

Resumindo: de acordo com essa versão, José de Barros Magaldi realizava estudos para aproveitar o berro do boi no matadouro, a única coisa não aproveitada do animal.

Bem, se fosse mesmo isso, não houve sucesso!

Um bife é muito bom, mas o abate é uma judiação!

Este caso todo não passa de uma brincadeira do Julio Vieira.

O cientista José de Barros Magaldi desenvolveu estudos na área de hipertensão arterial e função renal no Hospital das Clínicas (1950 a 1977)

Aproveitando o momento, alguns bovinos fazem a campanha que mais lhes interessa!

terça-feira, março 21, 2006

39) Caipirices ao extremo

Quando escrevi o caso da prótese ocular, lembrei-me da mansão dos Salles Gomes, ali na Praça Paulo Setúbal, na época em que lá residia o Pingo (Carlos Eduardo Vieira de Morais). A gente brincava no quintal da casa, que ocupava o quarteirão todo. Frutas de todo tipo. Era um lugar onde moleques tinham muitas coisas para fazer sem ter que sair na rua. Hoje é a casa do Birdinho.

Na época em que morava lá, seu Rubens, pai do Pingo, negociava automóveis de luxo. Os carrões que apareciam por lá eram todos estupendos.

Mas havia um especial: o Chevrolet Impala! O carro que fazia mais sucesso nesses anos. Lembro-me de um branco, ano 1964, conversível, uma verdadeira maravilha sobre rodas. Um sábado à noite o Pingo deu um jeito de tirar o carro sorrateiramente de sua casa e saímos dar umas bandas... Nós, nesse tempo, éramos todos menores de idade... 14, 15 ou 16 anos!!!

Mas aquele carrão era muito para as ruas tatuianas, que então não tinham pavimentação em sua maioria. Além disso, a cidade começava na Rua São Bento e acabava ali na rua Cel. Guilherme. De outro lado, iniciava na Avenida das Mangueiras e findava no Marapé. A cidade era muito menor.

Como o carro pedia asfalto, fomos, nessa noite, até Capela do Alto, viagem que o Pingo aproveitou para acelerar... acelerar... acelerar... A estrada era nova, o asfalto lisinho, dava gosto andar nela.

Chevrolet Impala conversível 1964

Em Capela do Alto passamos rapidamente pelo centro, onde estavam as pessoas. Para esnobar, no momento em que passávamos na praça da cidade, o Pingo apertou o botão que baixava a capota conversível. O carro lotado de moleques: Pingo, eu, Tadeu Lourenço, Fred Lorenzetti... viramos na primeira esquina e passamos novamente na pracinha, desta vez o Pingo havia apertado o botão para recolher a capota...

Os caipiras de Tatuí tentando impressionar o pessoal de Capela!!! E vai e volta, e ergue a capota e baixa a capota... Seja como for, parou tudo em Capela do Alto para ver o Impala conversível.

A intenção era chamar a atenção das meninas, mas o que aconteceu, de verdade, foi que os caras ficaram queimados com a gente e estavam já se organizando para dar uma surra em nós. Por nossa sorte um pouco antes disso o Pingo resolveu vir embora e, na estrada, ninguém alcançava um Impala. Disto, que as pessoas estavam tentando bater na gente soubemos uns dois ou três anos depois, quando um desses capelenses veio estudar em Tatuí e foi meu colega. Ele quem contou, quando comentei a respeito de nossa viagem de conversível.

O Impala conversível era uma maravilha

Não sei como é hoje, mas há 30 ou 40 anos, eram comuns essas rixas entre cidades. Dá para citar, por exemplo, a relação entre Tatuí e Itapetininga: tatuianos não podiam ir a Itapetininga que logo apanhavam do pessoal. Da mesma forma, os itapetininganos não podiam vir a Tatuí sem apanhar. Conta-se de uma vez que o Zé Turco, o Munir, o Turcão do Bar 80 e mais dois amigos foram até Itapetininga em um Gordini. Nesse carro mal cabiam 5 pessoas um tanto apertadas (ainda mais uns passageiros do tamanho destes). Mas eles apanharam tanto por lá que só couberam 4 pessoas para voltar!

Escapamos por pouco de apanhar em Capela do Alto. Mas imagine só, isto é caipirismo ao extremo... ergue capota, baixa capota, ergue capota, baixa capota!!!! Acho que algo assim merecia mesmo uma surra! Que coisa!

domingo, março 19, 2006

38) Meio século de encrenca

Motivo para brigar não é difícil encontrar. Concursos constituem sempre uma fonte de controvérsias. Raramente as decisões são unânimes e, contando com interpretações pessoais disto ou daquilo, pontos de vista podem ser diferentes.

Contudo, muitos problemas graves são logo esquecidos, outros nem tão graves, podem ser sempre motivos de discórdia, como o grande impasse ocorrido na eleição da “criança mais linda de Tatuí”, em 1951.

A eleição da criança mais linda de Tatuí provocou grande impasse

Concorreram, dentre outros bebês, o bebê Mário Pavanelli e o bebê Mário Luís “Caresia”. As controvérsias arrastaram-se por toda a segunda metade do século XX, chegando até os dias de hoje, sem solução.

O fato contestado merece ser relembrado. A eleição da criança mais linda, promovida foi vencida pelo bebê Marinho Pavanelli, um resultado contestado pelo avô materno do bebê Caresia, que tinha convicção de que seu neto foi o vencedor... o bebê Caresia tinha pernas roliças, bochechudo, pele cor-de-rosa... sem dúvidas, poderia mesmo ser o vencedor.

Apesar das brigas dos mais velhos, os bebês não estavam nem aí para a encrenca

Entretanto, os juízes do concurso escolheram o bebê Pavanelli, fato que nunca foi aceito pelos familiares do bebê Caresia, que suspeitavam de alguma espécie de lobby no Posto de Puericultura, influenciando a comissão julgadora e alterando o resultado final.

Marinho Pavanelli foi escolhido como a criança mais linda de Tatuí

A insatisfação do velho Caresia foi tão intensa que acabou por desentender-se com o organizador e juiz presidente do tal concurso, o saudoso Dr. Almiro, que foi, inclusive, meu pediatra. Uns dias após a divulgação do resultado do concurso, o Dr. Almiro passou em frente ao antigo Bar e Restaurante 80, na Praça da Matriz e, quando o velho Caresia percebeu a presença do médico, chamou e disse:

- Ô Dr. Almiro, vai entender de robustez infantil na pqp...! Proferiu o tal palavrão, um dos muitos de seu imenso repertório. Claro que o Dr. Almiro, homem educado e elegante, não respondeu e afastou-se do lugar.

Mas o velho Caresia, estava todo satisfeito e completou: - Ah, dei uma indireta no Dr. Almiro!

Indireta? Uau, imagine só como seria a direta!!!

Como conseqüência desses acontecimentos e devido a grande capacidade do Caresia em dar "indiretas" criou-se até mesmo uma coluna no jornal “O Progresso de Tatuí”, chamada de “As diretas do Caresia”, onde ele destilava seus comentários a respeito dos assuntos tatuianos...

Há poucos meses, “provoquei” todos os personagens deste caso, incluindo a mãe do bebê Caresia, que reafirmou sua opinião, de que a eleição teve seu resultado alterado por forças ocultas.

Em todo caso, Marinho Pavanelli ainda guarda, orgulhoso, seu diploma de “O Bebê Mais Lindo de Tatuí”.

sábado, março 11, 2006

37) Maquiavel andou por aqui

Quem mandava na cidade até a década de 60? Em última análise, o padre! Passaram muitos por aqui, mas alguns deixaram suas marcas na história de Tatuí, como padre Carvalho, padre Canto... padre Murari. Este último é mais uma vez enfocado aqui. Em uma época em que o mundo já havia mudado radicalmente, com o centro de decisões mundiais passando da Europa para os Estados Unidos, principal resultado da divisão planetária resultante da Segunda Guerra Mundial.

A separação entre Estado e Igreja havia ocorrido há muitos anos, mas não “de fato”, pois a influência dos membros eclesiásticos era contundente. As mudanças não eram tão rápidas como na atualidade. Sendo assim, se as coisas em Tatuí contrariassem ao padre Murari, ele ficava furioso.

Confessionário

E o homem era bravo mesmo. Por qualquer coisa. Certa vez, logo depois de eu ter feito a primeira comunhão, fui ao confessionário para me preparar para o domingo. A primeira pergunta do Padre Murari foi:

- Quando foi que você veio à missa?

- Não me lembro direito! – respondi.

- Então vai lembrar e volte depois – falou o bravo padre, batendo na minha cara a portinhola do confessionário.

Assustado, fui até um banco da igreja, pensei, pensei e voltei ao confessionário. Com muito medo inventei uma data qualquer para deixar o homem contente. Acho que ele percebeu algo, pois me castigou com uma penitência representada por um monte de ave-marias e padre-nossos...

Até pensei: “Da próxima vez eu digo que vim no último domingo que ele não me dá tantas ave-marias e padre-nossos...”.

Entretanto, esta passagem já ocorre nos últimos tempos desse sacerdote em Tatuí. Pouco tempo depois é removido pelo bispo para Cerquilho, se não me engano, com a desculpa que, como já estava velho, precisava de uma paróquia menor... Mas depois de alguns anos, quando foi jubilado, voltou a Tatuí, onde faleceu. Este padre viveu seus anos finais com dignidade.

Padre Murari participava intensamente da vida religiosa, social e política de Tatuí. Eu, quando menino, morava na Travessa Pracinhas de Tatuí, ao lado da Casa Paroquial. Entre a casa paroquial e a igreja, perto do portão lateral, ao lado da casa S. Pio X. Explicando melhor, minha casa ficava mesmo era em frente ao poleiro da danada araponga do padre. Uma ave barulhenta que não perdoava os ouvidos de ninguém.

Lembro-me quando estavam construindo a Casa S. Pio X. A construção desse prédio, conforme relato de uma das pessoas mais bem informadas de Tatuí - segundo sua própria avaliação - fazia parte de um plano para tornar Tatuí sede de diocese. A igreja matriz foi construída para ser uma catedral e a Casa S. Pio X faria parte do palácio do bispo. Como a cidade era bastante progressista no início do século XX, parecia que seu crescimento seria constante, o que não ocorreu. A diocese está em Itapetininga!

Na época da construção da Casa S. Pio X, eu ficava na janela de casa olhando os atiradores do Tiro de Guerra recolhendo tijolos... formavam uma corrente de pessoas, um jogando para outro, que passava adiante, recolhendo, desta maneira, todos os tijolos em pouco tempo. Era bonito ver aquilo.

Aliás, assistir outros trabalhando é esporte nacional do Brasil. Acho que o mais popular depois do futebol.

Vamos voltar ao nosso padre...

Sem qualquer dúvida, dá para afirmar que o padre era um poderoso chefe político em Tatuí. Era totalmente envolvido com os assuntos da paróquia. Com aquilo que lhe cabia por força de suas atividades e com aquilo que sua consciência ordenava.

Urna eleitoral utilizada na década de 1950

Em uma eleição concorriam Camilo Vanni e Antonio Tricta Junior. O Tricta não tinha chances. Camilo Vanni tinha “papado” a eleição antecipadamente. Costumava-se cercar uma área destinada a um candidato... chamavam de curral. Lá tinha comes e bebes para os correligionários e para quem por lá passasse... O curralzinho do Camilo Vanni estava todo dia lotado... animação total... não havia chance de perder a eleição. A prefeitura de Tatuí já estava em suas mãos.

O curralzinho do Tricta assemelhava-se a um deserto. Não tinha ninguém! Era o candidato antecipadamente derrotado.

Só que – aqui entra o padre Murari – Camilo Vanni era espírita! Isto, até a metade do século passado era um pecado horroroso. Não só isso, mas ser protestante também era coisa terrível. Minha avó Maria, contava que, quando era menina, ela e suas irmãs, mudavam de calçada quando passavam em frente à igreja presbiteriana, que nessa ocasião era a única igreja não católica de Tatuí!!!!

Bem, uns dias antes das eleições, padre Murari começou a “doutrinar” as beatas de Tatuí. No confessionário, nas conversas, nos aconselhamentos, ele não deixava de dizer, com seu sotaque italiano:

- Não vote em Camilo Vanni! Ele é expíritaa! – ordenava padre Murari a todas.

Maquiavel sempre esteve na moda em Tatuí

Querem saber o que aconteceu? O vencedor foi justamente quem não tinha chance: Antonio Tricta Jr.

Padre Murari conseguiu reverter um fato dado como definitivo, com o poder que exercia sobre os cidadãos.

Até parece que liam, como hoje, o Príncipe, de Maquiavel.

sexta-feira, março 03, 2006

36) Caso macabro

Este caso macabro e escabroso foi contado pelo Zezinho Malaquias, que ouviu do Darci Quinteiro. Vamos lá:

A subida do Morro Grande era muito mais íngreme que hoje. Há alguns anos foi rebaixada um pouco, aumentando em comprimento, mas reduzindo seu ângulo. Esse acesso foi chamado de Morro Grande Velho, depois que foi rasgada a “estrada de Porangaba”, atualmente denominada de Avenida Pompeu Reali.

A subida do Morro Grande Velho era terrível. Mas tinha sua serventia extra, mesmo depois da nova estrada de Porangaba, que desviava do tope, subindo mais devagar. Não havia negócio de mulas ou cavalos em Tatuí sem que o animal fosse experimentado nessa subida:

- Pode exprimentá! O animar sobe o Morro Grande co arreio compreto! – diziam os negociantes de eqüinos e muares.

Só os melhores animais conseguiam subir o Morro Grande Velho

Como via de acesso a subida do Morro Grande Velho havia sido substituída pela atual Avenida Pompeu Reali, mas ainda residiam algumas famílias nessa região. Atualmente há até mesmo condomínio para a classe média.

Este caso que conto aqui ocorreu há mais de trinta anos, ocasião em que o Darci Quinteiro tinha um bar logo no início da Rua Capitão Lisboa. O acesso pela avenida já era todo asfaltado, mas a velha subida do morro continuava do mesmo jeito... uma lama terrível, visto que ali o barro é grudento, terra piçarra ótima para olarias e péssima para o trânsito de veículos.

Um dia faleceu um morador do alto do morro, quase lá no bairro da Guardinha. Estava desenganado, passou mal desde a noite e faleceu pouco antes do meio-dia... Como os recursos eram poucos, o cunhado do morto desceu na cidade para avisar a funerária e acertar a arrumação do defunto em sua última viagem.

O homem cobriu o corpo do morto e foi buscar ajuda

Resolveu parar no bar do Darci Quinteiro para limpar os sapatos do barro do morro, antes de prosseguir em sua caminhada.

Entrando no bar, contou ao Darci o que havia acontecido, que seu cunhado faleceu e que estava indo acertar a funerária e alguém para limpar e arrumar o defunto. Uns fregueses que lá estavam ficaram condoídos com o homem. Sabendo de sua triste situação, ofereceram uma bebida para que este pudesse continuar com um pouco mais de ânimo.

Claro que ele aceitou aquela oferta! Era justamente o que mais precisava naquele momento, um pouco de álcool para reduzir suas preocupações.

Enquanto tomava a bebida, chegaram mais alguns freqüentadores que, sabendo da história do falecimento do tal sujeito, ofereceram mais uns tragos. Queriam amenizar a infelicidade do cunhado do defunto.

Entra freguês e sai freguês e cada um pagava uma bebida... qualquer coisa que ele desejasse... daí ele percebeu que essa história de defunto estava lhe rendendo bebida de graça.

Com uma história tão triste não faltou bebida e nem cigarros.

Em pouco tempo, foi juntando gente no bar. Chegaram alguns chapas que tinham acabado de receber por uma descarga ali na Indústria Marapé. Acharam que até conheciam o defunto, não tinham certeza, mas isso não importava. Aqueles homens, com dinheiro no bolso e um motivo para beber, passaram a tomar todas... o pobre homem, que nem precisava mais fazer cara de dó, pois já estava de dar dó, não parava de tomar... Brahma, Antarctica, quebra-gelo, Brahma, Antarctica, tira gosto... já tinha esquecido o que deveria fazer... estava “miando”...

As homenagens etílicas ao defunto não cessavam

Com essas tristes homenagens ao defunto, as horas foram passando. Ele que tinha saído pouco depois do meio-dia, não percebia que a tarde estava no fim. Não estava com fome, porque havia saboreado uns tira-gostos... mortadela... queijo provolone com óleo de oliva... coxinhas... almôndegas... tudo acompanhado de molho de pimenta e muita bebida.

Quando caiu em si percebeu que já era quase noite:

- Ai, eu preciso buscar alguém para limpar o defunto!!! – exclamou.

Os outros fregueses já estavam a “mil por hora”, mas um deles falou:

- Fica sussegado que nóis vai lavá o defunto pra você!

Isto deixou o homem tranqüilo, que aceitou mais uma cerveja oferecida por outro freqüentador do bar. Um pouco mais de tempo e o Darci avisou que ia fechar o bar. Assim, saiu o homem acompanhado de mais quatro “paus d’água” e dirigiram-se para o morro.

Certamente que a tarefa a ser realizada não era coisa para todos. A maioria das pessoas não se sentem confortáveis em lidar com defuntos. Sabedores disto, tiveram o cuidado de levar umas garrafas de cachaça para dar ânimo durante a limpeza do morto.

Chegaram os cinco depois de muita dificuldade para subir o morro. Pudera, estava tudo escuro e, para completar, bebiam há horas! A viúva estava desesperada. Não era para menos, seu irmão saiu muitas horas atrás para buscar ajuda para enterrar seu esposo e só agora retornou. Resta lembrar que, nessa época, eram raras as residências nesse bairro. Uma isolada da outra. A viúva não saiu de casa para não deixar o defunto sozinho, esperando, de um momento para outro, a chegada da funerária. Isto não aconteceu.

O defunto ficou o dia todo estirado na cama

Vieram apenas os pinguços que passaram a tarde bebendo em homenagem ao falecido. Na casa, de pau-e-barro, só tinha um pequeno lampião a querosene. A escuridão era quase total. Mas resolveram assim mesmo lavar o defunto para ajeitar em sua roupa, para a viagem final.

Para realizar aquela tarefa desagradável, continuaram a beber enquanto ensaboavam o defunto

Encheram de água uma bacia e, com bastante dificuldade, carregaram o morto. Estava já enrijecido... colocaram seu corpo sobre a bacia. Não conseguiam dobrar o corpo para colocar as nádegas na água.

- É só forçar um pouco que dobra! – disse um deles.

E assim fizeram. Forçaram para que o corpo do defunto mergulhasse na água, para que fosse possível lavar adequadamente as suas partes íntimas. Mas ao forçar o morto, alguns gases foram expelidos, por todos seus orifícios. O processo de decomposição já estava em andamento.

Na limpeza, enquanto um deles jogava água com uma caneca, outro esfregava o sabão no defunto. A luz não clareava direito.

De repente, o pinguço que ensaboava deixou cair o sabão na água. Como estava quase totalmente escuro, enfiou a mão na água e, tateando, encontrou algo quee pegou para continuar a esfregar.

Esfrega aqui e esfrega ali e o morto começou a cheirar mal. Muito mal.

- Ainda bem que nós viemos lavar o amigo. Ele já está fedendo muito! – disse um dos prestimosos limpadores de defunto.

Só que o cheiro não saía, pelo contrário, aumentava cada vez mais. Aquele que ensaboava o defunto foi cheirar sua própria mão, pois não agüentava mais o fedor.

- Ai! Cadê o sabão? – exclamou surpreso - Meu Deus! O que foi que aconteceu? Parece que virou merda!

E realmente o que estava em sua mão não era nenhum sabão. Era um cocô do defunto... Quando dobraram o corpo do morto sobre a bacia, foram expelidos gases e um pouco de fezes. É coisa normal em defuntos que, mesmo algum tempo depois de mortos, ainda possam expelir fezes.

Aconteceu que nesse momento em que o fizeram dobrar, o defunto obrou. Quando caiu o sabonete, o pau d’água que pegou a coisa dentro da bacia não conseguiu identificar direito e pegou um cocô do defunto...

A viúva desandou a chorar quando percebeu o que estava acontecendo

Estavam espalhando merda no defunto. A limpeza estava dando resultados opostos. Em vez de limpar, sujaram o morto. Ficou tão sujo como se tivesse caído em uma fossa negra. Arre, que situação!!!

35) O mistério do lagarto preto

Naquele dia vovô Ernestino completava 75 anos. Era fácil saber a idade dele, pois nascera em 1900. Sendo assim, acompanhava o calendário. Esta nossa conversa aconteceu em 1975, obviamente.

Conversamos diversos assuntos, ele estava muito bem de saúde e feliz por ser o dia de seu aniversário. Perguntei se os tais setenta e cinco anos demoraram para passar, mas ele respondeu que nem percebeu:

- Eu fui à escola, depois casei, montei meu armazém, nasceram as crianças, cresceram, foram à escola, casaram, nasceram os netos, cresceram e eu nem percebi o tempo passar! Logo vêm os bisnetos e parece que o tempo não passou!!! (vovô não conheceu todos os bisnetos: são oito).

Como o assunto era sua história de vida, perguntei se ele havia visto, em seus setenta e cinco anos, alguma assombração. Histórias de assombração são contadas como sendo reais, como tendo ocorrido verdadeiramente, ainda mais em uma época que não havia iluminação... Ali estava uma oportunidade para eu tirar dúvidas, saber algo de uma pessoa que viveu na área rural e urbana:

- Nunca vi! – afirmou.

Depois de uns momentos, lembrou-se de um acontecimento em sua juventude, o qual passou a narrar:

- Eu estava voltando da cidade numa noite... era já bem tarde. Em um ponto da estrada, perto do sítio de meu pai, passamos, eu, o Otávio e o camarada que estava conosco, por um lugar que as pessoas diziam ser mal assombrado – contou. Otávio era um descendente de antigos escravos que morava no sítio de meu bisavô Joaquim dos Santos. Era muito querido de todos. Está enterrado junto de meus bisavós.

As viagens eram feitas a cavalo, cruzando estradas sem pontes.

O sítio de meu bisavô ficava no bairro Pederneiras, perto da Fazenda do Paiol, quase no município de Itapetininga. A área do sítio também chegava na Enxovia, que era o local preferido para plantar.

- Quando passamos pelo tal lugar, que diziam ser mal assombrado – continuou a contar – os cavalos ficaram assustados e escutamos ruídos estranhos no meio do mato fechado.

- Dei um grito e disse: “Se tiver alguma coisa, que apareça!” – continuou a contar - Pois não é que surgiu uma espécie de lagarto, escuro, que andava apoiado nas patas traseiras. Um bicho que nunca vi igual.

- Esse lagarto esquisito avançou sobre nós – explicou vovô. Tentava agarrar um dos pés do Otávio, que estava assustadíssimo.

Os cavalos já estavam assustados e quiseram empinar. Quase cai, mas dominei e apertei as esporas. Saímos em disparada, rumando para o sítio!

Quando contava isto, vovô tinha um olhar sério. Parecia que ele estava vendo a cena novamente, visão que marcou profundamente, como dava para perceber.

Estas ilustrações feitas a partir de relatos de testemunhas, mostram o chupa-cabras com bastante semelhança ao ser que vovô descreveu como sendo um "lagarto preto".

- Nós corremos para o sítio e o tal lagarto, em pé nas patas traseiras, vinha perseguindo e assoprando um terrível assobio estridente – continuou a contar. Eu nunca tinha visto um animal igual. O tal lagarto nos perseguiu até o sítio.

Vovô disse que entraram quase que em disparada dentro da cocheira, onde havia mais um cavalo, totalmente estressado. Todos estavam assustados: ele, seu companheiro e, principalmente, os três cavalos. Se a escuridão pode assustar um homem, que pensa em mil e uma coisas, o mesmo não acontece com animais. Animais ficam assustados quando percebem, com seu instinto, uma real ameaça.

- Entramos na cocheira montados e logo descemos para proteger os cavalos. Inclusive o cavalo que já estava na cocheira e que não tinha visto o bicho, mas que se mostrava bastante assustado com o assobio que vinha de fora – explicou.

- O lagarto não ia embora. Ficava dando seus gritos parecidos com assobios e corria pelo campo ao redor da sede do sítio. Não saímos da cocheira, pois tinha uma distância razoável até a casa, mas não dava para arriscar na escuridão e com aquela coisa rondando – narrou.

- O bicho, apoiado nas patas traseiras, media cerca de 1 metro de altura. Naquilo que deu para perceber, sua fisionomia era horrorosa. Coisa igual nunca vi! – completou.

Como não encontrou uma explicação e nem tinha alguém que lhe desse uma idéia do que poderia ter sido o tal encontro, em pouco tempo vovô nem mais se lembrava do tal bicho, principalmente porque se casou e veio morar na cidade. Umas poucas vezes contou este fato, para não pensarem que ele teve uma alucinação. O caso lhe veio à memória quando lhe perguntei sobre assombrações.

Agora quem fica pensativo sobre o tal bicho sou eu... O tal lagarto preto. Como hoje temos muito mais recursos de pesquisa, como a Internet, procurei achar alguma coisa semelhante para buscar fundamentação à história de vovô. A coisa que mais se assemelha ao tal lagarto preto é uma aparição denominada de “chupa-cabras”.

Inúmeros relatos afirmam ter encontrado ou avistado o tal chupa-cabras. Isto existe em todo o planeta. As descrições apontam para um ser de feia aparência e com forma física diferente de qualquer outro animal conhecido.

Há muita semelhança entre o chupa-cabras e o bicho que vovô encontrou. Ele não mentiu quando disse ter avistado o tal lagarto preto. Foi assim que ele definiu aquele vulto que o perseguir naquela noite.

Alguns corpos expostos como sendo o chupa-cabras apresentam semelhança com um lagarto. E qual será a origem desse ser estranho? Terrestre? Extraterrestre? São inúmeras as teorias, mas não há explicação plausível.

Será que extraterrestres visitaram o bairro de Pederneiras naquela noite de 1920?

Bem, vamos supor que a origem seja extraterrestre, como afirmam alguns estudiosos desses eventos. Sendo assim, o ET de Varginha é muito posterior a este acontecimento aqui narrado, visto que aconteceu aproximadamente em 1920.

Sendo assim, temos que colocar o ET de Tatuí nos anais dos avistamentos e contatos imediatos. O lagarto preto do bairro de Pederneiras.

Não duvide, pois o que fez o bicho aparecer foi justamente a atitude cética de meu avô, que praticamente chamou o bicho. Quem quer se arriscar?

quarta-feira, março 01, 2006

34) A seita do Combate Fluídico

Dochino Carnielli tinha uma bela chácara dentro da cidade. Logo ali, encostada na Escola Industrial. Há bem pouco tempo essa região era praticamente rural. Tinha a chácara do Junqueira, sítios dos Ramos... a cidade era bem menor que hoje. Menor mas muito mais progressista. O progresso sempre foi a marca típica de Tatuí, algo que também ficou sepultado no passado.

Este nosso caso está também no passado, quando Tatuí quase se transformou no berço de uma nova religião.

Nem mesmo nome teve essa religião, mas era baseada em um suposto combate fluídico, um exercício mental que deveria evitar enfermidades e até mesmo a própria morte.

Fiquei sabendo disso em uma ocasião em que fui conversar com o Dochino, em sua chácara. O lugar era realmente muito agradável. As árvores eram frondosas e, em alguns lugares, foram improvisados bancos de madeira, sempre nas sombras mais frescas.

Ele havia sido amigo de meu avô Tonico. Parece que, durante certo tempo, trabalhou lá na serraria de vovô e continuaram sendo amigos.

Eu conversava com Dochino, quando ele me disse que, um certo dia, estava discutindo com o espírito de meu avô naquele mesmo lugar.

Dochino via espíritos em seu quintal

- O espírito disse para mim que a coisa era de uma forma, mas eu falei para o espírito: “Não, de jeito nenhum... é da forma que eu estou falando” – de repente Dochino contou.

- Mas como é essa história de falar com espírito? É espírito de morto? – perguntei curioso.

- Não! É espírito de vivo. Quando morre acaba tudo! – afirmou para mim o Dochino. - Este fato, da discussão que tive com o espírito do Tonico Luciano, seu avô, ocorreu há mais de 15 anos. Depois que ele morreu nunca mais seu espírito voltou para fazer a viagem fruídica.

- Como assim? – indaguei.

- O espírito de cada pessoa sai do corpo e vai fazer viagens pelos fruídos da mente. Esses fruídos entram nas outras pessoas e podem ajudar ou prejudicar. – explicou.

Fiquei pensativo. Achei melhor nem tentar entender aquele homem. Mas mesmo assim ele continuou a explicar:

- O mundo tem uma grande guerra fruídica, com os espíritos lutando entre si. Os espíritos das pessoas que têm inveja de outros, saem do corpo dessa pessoa e vão, através dos fruídos perturbar o espírito de quem ela não gosta.

-Também aqueles que querem bem outras pessoas podem ajudar com fruídos positivos, fruídos benéficos!

Sua teoria era baseada em complicados fluxos de fluidos mentais repletos de espíritos, que iam e vinham fazendo maldades e/ou bondades. Lutava contra as hostes espirituais que navegavam nos fluidos com sua própria mente, naquilo que denominava de "combate fluídico".

Mentalmente, ele lutava contra os espíritos carregados de fluídos negativos, naquilo que chamava de "Combate Fluídico".

Dochino, como todo tatuiano, trocava a letra “ele” pelo “erre” em algumas frases, mudando “fluido” e “fluídico” para o seus especiais “fruído” ou “fruídico”.

- Com esse ataque fruídico, as pessoas sofrem doenças e acabam morrendo. – continuou a explicar sua teoria.

- Eu descobri esse fato e passei a fazer o “combate fruídico”. Eu fico concentrado e vejo os espíritos de quem quer me prejudicar e, mentarmente, passo a combater os fruídos negativos com meus fruídos positivos!

Eu percebi que ele acreditava realmente em sua teoria, pois o homem falava e ficava empolgadíssimo. Aí se eu demonstrasse não acreditar. Provavelmente ele iria achar que o meu espírito ainda voltaria para prejudicá-lo. Sendo assim, continuei a escutar seus argumentos:

- Eu tenho praticado o combate fruídico já há algum tempo. Não tenho nem mesmo ficado doente. – continuou a explicar.

A batalha contra os espíritos era intensa.

- Descobri que a própria morte é resultado do ataque fruídico! – continuou.

- Como assim? – perguntei.

- O ser humano não foi feito para morrer! – afirmou.

- Acontece que os fruídos negativos atacam as pessoas e elas acabam ficando doentes e morrem. – continuou.

- Só que eu percebi isso a tempo e estou fazendo meu combate fruídico. Estou afastando a morte. – empolgadíssimo Dochino explicava tudo.

- Com esse combate fruídico eu vou ficar imortár! – completou.

A luta do Dochino era só através de sua mente

- Não morre mais? – perguntei.

- Não! Fica imortár! – finalizou.

Logo em seguida fui embora. Nesse momento chegavam algumas pessoas para conversar com o Dochino. Entraram muito contentes e foram debaixo da sombra que eu estava há pouco.

Eram discípulos do Combate Fluídico. Sim, as teorias do Dochino já tinham arrebanhado alguns fiéis discípulos, que corriam até seu mestre para receber ensinamentos da forma de proceder ao tal combate e ficar imortal!

Infelizmente, uns poucos meses depois, Dochino faleceu. Ele deve ter perdido seu combate fluídico... deixou de ser imortal. Logicamente que os discípulos ficaram decepcionados com a morte do mestre, justo aquele que dizia ter encontrado a fórmula da imortalidade. Assim, em pouco tempo acabou a seita do combate fluídico...