sábado, julho 29, 2006

57) O caso da privada dourada

O casarão dos Guedes é uma verdadeira jóia. Não que seu estilo arquitetônico apresente alguma forma diferente, mas sua imponência é inegável. É um desatino o que está acontecendo com esse imóvel, abandonado e sendo destruído ora por invasores, ora pela ação do tempo. Sua restauração representa a preservação da memória histórica de um período importante de Tatuí.

O casarão está abandonado.

Alguns anos atrás, no final da década de 60, o casarão era habitado esporadicamente, mas havia constante conservação. Problemas ocorridos com o conjunto da Fábrica São Martinho, pertencente aos mesmos proprietários do casarão, provocaram o abandono do imóvel.

O Conservatório de Tatuí estava instalado ali perto, na esquina de cima, em outra casa pertencente aos Guedes. Só que não havia espaço para aulas de todos instrumentos, principalmente devido ao barulho provocado pelo alunos de instrumentos de sopro.

Sendo assim, também era aproveitada a área externa do casarão, onde ficavam as garagens e dormitórios de empregados, para as aulas de instrumentos de sopro. Eu mesmo andei por lá, tentando aprender a tocar trompete (piston, como chamavam na época). Mas não fui muito longe com isso.

Muitos músicos de hoje passaram pelas aulas do professor Coelho naquele local, onde também ensaiava a gloriosa Banda Santa Cruz.

Aconteceu, certa ocasião, uma festividade qualquer por lá. Muita gente aproveitou para entrar naquela propriedade, mais para conhecer que simplesmente ouvir a banda.

Mé, cigano famoso como tocador de baixo-tuba.

Depois de uma retreta, os músicos guardaram seus instrumentos e passaram a consumir o chope, que era generosamente servido a todos. Mé, cigano erradicado em Tatuí e considerado o “maior tocador de baixo-tuba do Ramal de Itararé”, não poderia faltar.

Nem da apresentação musical e muito menos da rodada de chope, além dos salgadinhos.

Zeloso com seu instrumento, escondeu-o em um cômodo do casarão, pensando que lá ninguém entraria.


Algum tempo depois, o maestro chamou os músicos da banda para tocar. Quando o Mé foi buscar seu instrumento, sentiu um cheiro estranho. Ao pegar a tuba, percebeu que estava molhada com um líquido mal-cheiroso e empastado com algo ainda mais fedido.

Mé deixou sua tuba no chão de um quarto escuro e foi tomar chope

Cuidadosamente lavou a tuba e, bastante contrariado, foi tocar junto do resto da banda. Reclamou com os colegas do ocorrido, mas ninguém havia uma explicação para o fato. Uma molecagem, imaginaram todos.

A festa prosseguiu mais algum tempo. Mas acabou o chope, os salgadinhos e o fôlego dos músicos. Quase todos já havia saído.

Um dos músicos estava desmontando seu trompete e guardando-o no estojo, quando escutou alguém comentando com um amigo:

Que privada estranha!!!!!

- Puxa, o casarão é tão grande dentro e muito chique! Fui ao banheiro, estava um pouco escuro, mas a privada era toda dourada! Nunca vi algo semelhante! – contava esse alguém ao amigo.

A tuba, para o Mé, era uma verdadeira jóia.

- Só que essa privada não é muito confortável! Tive que fazer minhas necessidades meio que equilibrando o corpo, pois não dava para sentar direito no vaso! – continuou explicando.

TLIM!!! No mesmo instante caiu a ficha do trompetista. Descobriu o que havia acontecido com a tuba do Mé Cigano!

- Mé! – gritou. – Descobri o que aconteceu. Aquele sujeito c.... na sua tuba, pensando que era uma privada folheada a ouro!

Durante o resto daquele dia Mé cuspiu sem parar, lembrando que soprou seu instrumento durante horas... Será que isso aconteceu??? Éca!

sexta-feira, julho 28, 2006

56) A mirabolante viagem do caminhão porcadeiro

Helio Vieira foi um dos corretores de maior sucesso em Tatuí. Aliás, se tudo que contava correspondesse à realidade e os negócios que dizia ter feito fossem reais e concretizados, Helio teria sido o maior corretor do mundo.

Helio contava passagens de fazer corar o famoso Barão de Münchausen

Antes de ser corretor fez um pouco de tudo. Na década de 60 lidava com suínos. Tinha alguns caminhões que transportava suínos, três F-600 com carroceria apropriada para transporte desses animais. Uma carga bastante mal-cheirosa, mas lucrativa. Certa ocasião encostou os caminhões na Praça da Santa e fotografou sua frota. Ele orgulhava-se dela.

Atualmente as atividades relacionadas à suinocultura modificaram-se bastante, transformando esse tipo de negócio. Para completar, os grandes centros produtores estão localizados nas proximidades de importantes frigoríficos, quase que eliminando os caminhões “porcadeiros” em nossa região.

Caminhão "porcadeiro"

Em determinada época, a carne suína estava em alta, principalmente devido ao controle sanitário entre fronteiras estaduais, buscando o controle da saúde dos rebanhos brasileiros.

Helio estava retornando do Paraná a Tatuí com um de seus caminhões carregado da mal-cheirosa carga. Ao chegar na ponte que liga o Paraná a São Paulo havia uma barreira de fiscalização que impediu que continuasse sua viagem. Devido a uma doença do animal, estavam proibidas as viagens entre os estados da Região Sul e São Paulo.

- Tsk! Tsk! Essa história não está bem contada!

Helio tentou argumentar de todas as maneiras. Ele, bom de papo como era, pensou que conseguiria que lhe permitissem passar com seus porcos. Negativo! Não pode passar. Deveria retornar ao local de origem dos animais.

Aquilo ia transformar sua viagem em um grande prejuízo. Não poderia voltar, tinha que encontrar uma maneira. E encontrou. Fez um plano para passar pela fronteira.

Voltou até Sengés e alugou um ônibus de 40 lugares. Passou em um armazém e comprou 40 chapéus de palha e alguns metros de corda. Estacionou o ônibus perto do caminhão e quando entardeceu foi retirando os porcos, um a um, e colocando cada um deles amarrado no banco do ônibus, como que estivessem sentados. Comprou algumas roupas usadas em um bazar e vestiu os porcos que ficariam nas primeiras fileiras.

Os porcos estavam todos vestidos!

Ocupou todos os lugares com os porcos sentados, devidamente amarrados aos bancos, impossibilitados de sair. Nesse momento a noite já estava escura. Tudo estava preparado. Só faltavam os disfarces. Colocou um chapéu em cada um dos porcos e mandou o motorista partir.

O barulho dentro do ônibus era imenso, assim como grande era o cheiro ruim que exalava do veículo.

Helio sentou-se na primeira fileira, junto com um de seus empregados. O caminhão seguia o ônibus, viajando vazio. Quando o ônibus chegou à barreira, um policial deu sinal para que este parasse no acostamento. Assim que parou, Helio desceu rapidamente e começou a conversar com o guarda, enchendo o tal de conversa para que não entrasse no veículo para inspecionar.

- Pois é, seu guarda, é uma excursão de velhinhos de Tatuí e estamos voltando... tá todo mundo cansado! - explicava Helio.

O policial ia entrando no ônibus, estava já no primeiro degrau. Helio colocando-se a frente do mesmo, argumentou:

- Tá todo mundo dormindo! – disse Helio ao policial – Escute só como roncam! – complementou.

KKKK Faz-me rir!

Assim, acreditando que eram passageiros dormindo a sono profundo, roncando como nunca, resolveu deixar o ônibus seguir adiante. Não iria perturbar o sono daqueles que pensava ser alguns velhinhos.

Arre! Que porcaria! Só faltava essa!

quarta-feira, julho 26, 2006

55) O Show de Elba Ramalho

Anualmente acontece em Tatuí o Festival de MPB, promovido pelo Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”. Tornou-se um dos principais eventos do gênero no Brasil. Juntamente com o concurso de novas composições há apresentações de artistas famosos da MPB. Em cada edição acontecem shows que atraem muitos fãs.

Auditório do Conservatório de Tatuí

Este caso aconteceu em 2001, quando Elba Ramalho veio a Tatuí fazer um show no auditório do Conservatório. Foi combinado que um táxi iria buscar a cantora no aeroporto de Guarulhos. Cristiano, funcionário do Conservatório, já havia agendado o táxi. Escolheu um Santana novinho em folha. Era o melhor táxi da cidade. Claro, a artista merecia ser bem tratada.

Com bastante antecedência, Cristiano chegou a São Paulo. O taxista, cujo nome omitirei por óbvios motivos, deixou-o no aeroporto e foi ao estacionamento. Só que ele não quis ficar no estacionamento ali dentro do aeroporto para não pagar. Queria “lucrar um extra”!

- Mas eu preciso que você venha imediatamente quando a Elba chegar! – disse Cristiano bastante preocupado.

- Não tem problema, você liga em meu celular que eu chego num instante! – retrucou o "econômico" motorista.

Isso tranqüilizou muito pouco ao Cris, que estava um tanto desconfiado.

Algum tempo depois, aterrisa o avião com a Elba. Veio ela e o marido Gaetano. Cristiano imediatamente ligou ao motorista, para que ele viesse imediatamente para pegá-los.

Elba Ramalho e Gaetano

A chegada de Elba provocou algum tumulto no aeroporto. Sempre é assim quando famosos aparecem. As pessoas ficam fora de si... querem tirar fotos juntos, autógrafos, conversar e mil-e-uma coisas mais. É incrível! Parece que a simples presença de um famoso é suficiente para emburrecer uma multidão.

Foram direto para o local de embarque, mas o táxi não estava lá. Ficaram esperando um pouco, enquanto Cristiano ligava mais uma vez ao taxista, já desesperado com a situação.

Mas, enquanto isso ia juntando gente e o táxi não chegava. O motorista parou longe demais e o trânsito naquele momento estava travado. Além disto, a fila de táxis era imensa... andavam a passos de tartaruga. Com isto, Elba assustava-se com a multidão que a cercava. Não haviam preparado seguranças especiais, pois seriam apenas um “desce aqui e sobe ali”... Cadê o táxi?

A fila de táxis no aeroporto era imensa e o de Tatuí estava bem atrás

Já demorava perto de meia hora. Elba disse para o Cristiano chamar outro carro, mas ele argumentou que este já estava certo (e pago) desde Tatuí. Ele não tinha o que fazer a não ser rezar mentalmente para o carro chegar.

Ligou inúmeras vezes. Em todas a mesma resposta:

- Mais uns minutinhos e estou aí!

Mas não chegava!!!

O Cristiano costuma ficar enrubescido com facilidade. Naquele momento sua cor passava do pálido “branco susto” ao roxo “vergonha” em segundos. A mulher parecia enlouquecida.

E o Gaetano? Esse estava a um instante de bater no Cristiano, naquele momento o culpado de todos seus problemas. Resmungava o tempo todo... praguejava, xingava...

Bem, com um atraso de uns 45 minutos chegou o táxi. Preciso frisar que foram quarenta e cinco looooongos minutos!

Em minutos estavam partindo para Tatuí. A cor do Cristiano parecia estabilizar naquele róseo normal. Logo estavam na Castelo Branco. Em pouco tempo chegariam em Tatuí.

O danado do motorista, entretanto, não parava com as gafes:

- Dona Elba, a senhora isto, dona Elba, a senhora aquilo? – incessantemente perguntava.

A mulher, irritadíssima respondia secamente aquele interrogatório. Foi necessário que Gaetano desse um toque bem sutil... do tipo “o senhor pode ficar quieto um pouco”?

Rodovia Castelo Branco

Só que ainda havia um papelão reservado pelo danado motorista. Ele não ligou o "desconfiômetro"! Quando aproximavam-se do pedágio de Boituva, o artistão resolveu entrar em uma estradinha de terra para economizar o valor do pedágio.

- O que é isso? Onde vocês estão me levando? – assustada, Elba gritou.

- É um assalto? Um seqüestro? – perguntou Gaetano, que se continha o quanto podia para não arrebentar a cara do taxista.

- É apenas um “atáio” que eu peguei pra senhora chegar mais depressa, dona Elba! – explicou o taxista.

A cor do Cristiano, que já havia ido do pálido ao roxo mais de 50 vezes durante a viagem, desapareceu completamente: depois de ficar verde, estava quase transparente de vergonha.

Mas uns pulos aqui, uma poeira ali, um salto no banco acolá e voltaram à estrada.... logo estavam em Tatuí.

Assim que desceu do carro, em frente ao Hotel Del Fiol, Gaetano disse ao Cristiano:

- Nesse carro nós não voltamos de maneira alguma. Arrume outro! – determinou.

Tiveram que chamar um táxi Omega de Sorocaba para levar a Elba de volta a São Paulo. E o taxista artistão? Este nunca mais foi chamado pelo Conservatório. Tanto que economizou com estacionamento e pedágio que conseguiu: não vai precisar mais pagar por isso, pois não viaja mais com o Cris!!! Só em Tatuí!

Ainda bem que no palco Elba Ramalho esqueceu-se desse episódio e arrasou!

quarta-feira, julho 19, 2006

54) Lendas Urbanas: o urubu no cinema

Quem me contou o ocorrido, tintim por tintim, foi o Tucunduva, policial de Tatuí já falecido. Ele estava completamente por dentro dos fatos, ainda mais que costumava dar plantão nos cinemas de Tatuí, local da ocorrência do fato que irei lembrar. Infelizmente, ele disse que não estava de plantão na noite dos fatos. Mas sabia de tudo detalhadamente.

Quando começavam as sessões no Cine São Martinho, todas lotadas, diga-se de passagem, apareciam algumas propagandas, trailers, curtas metragens esportivos do Canal 100 e, ainda, capítulos dos seriados da época (Flash Gordon, Fantasma, Dick Tracy, Capitão Marvel, Rintintin, Garra de Ferro, Tarzan, Zorro, Cavaleiro Mascarado, Mandrake, Fu Manchu, X9, Besouro Verde, etc.).

Rintintin passava também na TV, no começo da decadência dos cinemas

O cinema era uma das principais opções de entretenimento. Nem precisava ser filme recém lançado para lotar cinemas. Famílias inteiras iam juntas ao cinema. A vida social era regulada pelo horários das sessões. Em Tatuí havia 3 cinemas: Cine São Martinho (onde hoje é o Banco Itaú), Cine São José (onde é atualmente o Supermercado Lorenzetti) e o Cine Santa Helena, ressuscitado há poucos anos.

Filmes do Mazzaropi, por exemplo, lotavam todos os cinemas no Brasil inteiro. O homem era tão organizado que enviava seus fiscais para controlar as bilheterias e não perder receita. De bobo só tinha tipo. Espertíssimo!

De bobo Mazzaropi só tinha a cara!

A imensa maioria dos filmes vinha de Hollywood. Os grandes estúdios, como Metro Goldwyn Mayer, Universal Films, Warner Bros, Fox, Columbia, Paramount, eram todos íntimos dos espectadores. Mas havia um especial, que atraia a atenção de todos quando apresentava sua vinheta: o estúdio Condor Films.

Aparecia a animação de um condor pousado em um galho. A platéia toda gritava: Xô! Xô! Xô! E riam no momento em que a ave batia suas asas e voava, dando a impressão que a haviam assustado...

O condor aparecia pousado em um galho

O vôo do condor deu inspiração para o caso contado pelo Tucunduva. No final da década de 60, soltaram um urubu no Cine São Martinho de Tatuí. A ave foi introduzida por uma fresta da porta lateral (que dava para a Rua José Bonifácio) dentro de uma caixa de sapatos. No momento em que abriram a caixa de sapatos, o urubu, assustadíssimo, voou em direção à tela, atraído pela luz.

Quando o urubu chocou-se com a tela, caiu próximo da primeira fileira de carteiras do cinema. Isso gerou o maior tumulto que já se viu em um recinto fechado em Tatuí. Pânico geral. A sessão teve de ser interrompida. Algumas pessoas passaram mal e tiveram que passar por atendimento médico. A sorte que até os médicos assistiam aos filmes e estavam lá mesmo.

Ninguém foi preso porque não foram identificados na ocasião. O Tucunduva, policial experiente, soube dos detalhes do caso algum tempo depois, pormenores que me contou em 1971-72, aproximadamente.

- Quem teve a idéia e organizou tudo foi o Marcelo! – afirmou Tucunduva – Ele teve a idéia e juntou alguns amigos para caçar um urubu ali no Barrocão!

O Barrocão, bem ali onde fica a agência principal dos Correios, era o depósito de lixo de Tatuí. Lugar horrível, onde a fumaça da queima de lixo orgânico não cessava, deixando a região com um cheiro terrível. O lixo era recolhido em carroças e levado até o lugar. Era jogado e queimado, numa agressão ambiental impensável na atualidade.

- Armaram uma arapuca, atraindo a ave com um pedaço de carniça... ficaram esperando até que um urubu entrasse dentro! – explicou Tucunduva – Assim que caçaram um deles, colocaram em uma caixa de sapatos e guardaram até a noite, executando o plano no horário da primeira sessão! – continuou.

- Três amigos entraram no cinema e sentaram-se bem ao lado da porta do meio e, cuidadosamente, abriram uma de suas partes (as portas dobravam-se em 4 folhas), enquanto um quarto personagem enfiava a caixa com o urubu! – completou Tucunduva.

O resto é de domínio público. O vôo do urubu, sua queda, o susto dos espectadores, o pânico, etc. Tucunduva não me contava aqui nenhuma novidade, pois eu sabia do acontecido. Ocorreu em um dia em que eu não fui ao cinema.

Todo mundo sabia do ocorrido, mas nunca encontrei com uma pessoa que tivesse presenciado realmente o acontecimento. Sabiam por ouvir falar! Vez por outra ainda escuto algumas pessoas comentando o ocorrido.

Só que existe um detalhe que conheci 20 anos depois, conversando com o próprio Marcelo, que segundo o Tucunduva foi o mentor e executor do caso.

Comentando na presença do Marcelo desse ocorrido, ele disse que isso nunca aconteceu. Disse que já havia tentado esclarecer, mas ninguém acredita. Nunca aconteceu o vôo do urubu no Cine São Martinho e em nenhum outro de Tatuí.

- Desisti de desmentir! – disse o Marcelo. – Já que continuam a dizer que fiz, que digam, mas isso nunca aconteceu! – finalizou.

Eu hein? Não tenho nada com isso!

E não aconteceu mesmo, trata-se de uma Lenda Urbana Tatuiana. Acho que existem algumas pessoas que até pensam ter visto o fato, em uma confusão de sua memória entre o condor voando na vinheta da Condor Films e o urubu da imaginação.

Tucunduva foi apenas mais um que acreditava no fato, que não presenciou simplesmente porque nunca aconteceu. É mole?

quinta-feira, julho 06, 2006

53) O Velho Oeste é aqui!

Acho que este caso cabe muito bem aqui. Aconteceu comigo, pouco tempo depois de ter comprado meu Hyundai. Já faz 10 anos que estou com esse carro.

Certo domingo fui até o bairro de Americana, simplesmente porque não tinha outra coisa a fazer. Eu e a Janete. Em uma das curvas da estrada há um caminho que serve de entrada para algumas chácaras, utilizando o antigo leito da Sorocabana. Havia, bem na entrada, um bambuzal que quase fechava tudo, formando uma espécie de túnel.

Sempre que passava por lá, tinha curiosidade de entrar naquele túnel de bambu e conhecer o lugar. Nesse domingo, como não tinha destino certo, resolvi entrar...

Saí da estrada asfaltada e entrei naquela mistura de trilha com estrada, pouco mais largo que uma estrada de ferro. Há diversas chácaras por lá, a maior parte delas de lazer. Um belo local.

Como estava apenas buscando conhecer, continuei seguindo aquela estradinha. Muito estreita, impossível de manobrar. Continuei o passeio até encontrar um lugar para retornar.

Entrei em uma curva. Do lado esquerdo o barranco estava mais alto. Do lado direito o mato crescia ao lado da cerca. De repente, dou de cara com um homem mascarado, com uma pistola automática na mão, escondido em uma moita na beira da estrada.

O olhar do mascarado não era amigável

O homem virou-se para mim... deu para perceber em seu olhar por trás da balaclava, que eu havia interrompido algo importante.

Pensei em voltar, mas era impossível. O caminho estreito demais para manobras. De um lado o barranco era bastante alto, do outro havia cerca de arame farpado. Teria que encontrar mais adiante um local para virar o carro. Engatei a primeira marcha e disse para a Janete segurar-se, pois se precisasse eu iria acelerar para fugir.

E a curva da estradinha, curva de estrada de ferro, ainda não havia terminado. Passei bem ao lado do sujeito mascarado, que nesse momento estava em pé. Alguns metros adiante, vi outro homem armado.

A cada instante a coisa ia piorando!

Desta vez era um barbudo, vestindo uma capa impermeável de cavaleiro (em dia de sol), com chapéu e armado com um rifle semelhante a Winchester.

“Epa! Estou no lugar errado na hora errada!” – pensei. “Devem ser alguns bandidos lutando entre si ou ‘desovando um presunto’”! – conclui.

Estava pronto para acelerar, como única alternativa para escapar daquela situação, quando dou de cara com mais um homem barbudo armado com revólver. Percebi que tinha um revólver na mão e outro no coldre.

O terceiro homem tinha um revólver na mão e outro na cinta

Eram três pessoas armadas naquele local semi-deserto.

Pensava em diversas coisas em frações de segundo... Arrependi-me da idéia de entrar naquele lugar. Como sair dessa situação??? Certamente que aqueles sujeitos não iriam deixar testemunhas de sua ação! Pensei em tudo, nos filhos, na vida, na Janete - coitada, estava ali ao meu lado -, na mãe!!!! Que situação!

Eu estava guiando bem devagar, para sentir as reações dos homens armados. A curva ainda não havia terminado. O barranco impedia enxergar o final da curva. Passei ao lado do barbudo que vestia a capa. Seu rosto demonstrava que ele estava muito contrariado com minha interrupção ali.

Que situação!!!

Olhei para ele. Tive a impressão que estava sujo. Barbudo e sujo. Tinha também um revólver, que guardava no coldre. Este deveria ser o chefe, pois os outros olhavam para ele, esperando alguma atitude dele ou ordem, talvez.

Eu dirigia com todo cuidado. A rotação do motor já estava um pouco mais alta. Os pés preparados para embrear, acelerar... eu ia tentar uma fuga. Esperava apenas uma reação dos homens.

Uns metros adiante, bem no final da curva, percebi mais uma pessoa. Estava bem no meio da estrada. Meu pensamento girava com o dobro da velocidade. Enquanto observava as reações dos outros três, considerei que teria de passar por cima da quarta pessoa. Ele estava impedindo minha passagem.

Este homem trazia algo sobre seus ombros. Uma bazuca? Não! Olhei melhor e reconheci essa pessoa. Tratava-se do professor Pedro Henrique de Campos com uma câmera VHS engatilhada.

Rapidamente entendi a situação. Com a redução do nível de adrenalina, foi possível reconhecer o barbudo. Aliás, barba postiça. Era o Expedito de Lima, carpinteiro, encanador, eletricista, quebra-galhos, ator, cineasta, produtor e diretor tatuiano. Fez dezenas de filmes. Quase todos eram faroestes. Lembro-me do título de um deles: “A Víbora Humana”. A atriz principal foi sua namorada.

Os outros eu não reconheci. O que dificultou mais um pouco para perceber que era coisa do Expedito foi o inesperado. Quem poderia imaginar encontrar um bando de homens armados, fingindo, ou melhor, representando bandidos?

Expedito, como sempre, era o mocinho. Mas com sua fisionomia de caboclo, mais parecia um bandoleiro mexicano. Pensando bem, o filme poderia não ser faroeste, porque o mascarado usava uma pistola automática, parecida com aquela que o Fantasma do gibi usa!!!

Para dar impressão de veracidade, creio que ele havia rolado na poeira, sujando-se, pois estava imundo. Pensando bem, todos os integrantes do “cast” de Expedito, incluindo ele próprio, só poderiam fazer papel de bandidos... ninguém tinha cara de mocinho!

Nenhum dos três tinha cara de mocinho... pela aparência pareciam ser bandidos. E o Expedito, com sua fisionomia de caboclo, parecia mesmo um bandoleiro mexicano!

Pedro Henrique é um dos maiores cinéfilos tatuianos. Ele gostava tanto de cinema que trabalhou durante longos anos operando o projetor do Cine São Martinho. Tenho a impressão que nem cobrava pelo seu serviço!!! Depois do fechamento dos cinemas e com o aparecimento da filmadora VHS, passou a filmar, sempre que possível, alguns dos principais eventos de Tatuí.

Andei mais alguns metros e encontrei um lugar para manobrar o carro. Ufa! A sensação de alívio era enorme. Pudera, havia saído daquilo que parecia ser o próprio inferno.

Quem poderia imaginar que aquele local isolado havia sido transformado em cenário de filme de faroeste?

Algum tempo depois o tal filme foi apresentado em sessão organizada lá no barracão do Dedé. Não deu certo para eu ir assistir, mas ainda quero ver o danado...

Expedito sentia-se como John Wayne atuando, ao mesmo tempo em que pensava ser John Ford dirigindo...

Expedito só não conseguiu representar Zorro, o Cavaleiro Solitário, porque ninguém queria fazer o papel do Tonto

Ele fez inúmeros filmes e fotonovelas. Fotos preto e branco, coloridas... filmes Super-8, VHS... Tudo correndo por sua conta e risco. Não há investidores disponíveis. Tudo é difícil. Se fosse aos Estados Unidos, alguém iria financiá-lo e poderia até estar realizando filmes com equipamentos adequados e, provavelmente, fazendo sucesso. Mas aqui... Não tem futuro. Coisas do Brasil.

sábado, julho 01, 2006

52) Chico Sonho, o matador

Tatuí já foi famosa como terra de gente brava. Até Dioguinho (Diogo da Rocha Figueira ou Diogo da Silva Rocha), um bandido que, com seus capangas, assolava o interior paulista, matando a soldo dos barões do café, finalizou sua carreira em Tatuí, morto por Chico Sonho, em uma tocaia bem no começo da subida no Morro Grande.

Dioguinho virou lenda, livros e até filme (foto é de uma cena)

A morte de Dioguinho gerou inúmeras controvérsias, pois contavam que havia morrido aqui ou ali, mas sempre ressurgia. Em Tatuí, com Chico Sonho, acabou-se o bandido. Bem, acabou um matador e surgiu outro, pois depois disso, Chico Sonho passou a ser o jagunço preferido dos coronéis e poderosos da época para resolver seus problemas.

Os primeiros anos da república foram marcados pelo coronelismo, vigorando praticamente durante toda a Republica Velha (1889-1930). A vontade dos coronéis era atendida por bem ou por mal. Na marra! Resumidamente, a situação caracterizava-se pela excessiva concentração de autoridade nas mãos de um único indivíduo, geralmente um fazendeiro próspero, um grande latifundiário. Os jagunços, uma espécie de milícia privada, eram a extensão de seus braços. Os poderosos mandavam e eram impunes. Isso acontecia em todo o país e não seria diferente em Tatuí.

Os jagunços eram a milícia particular dos coronéis.

Quando alguém precisava dos “serviços” do Chico Sonho, não adiantava apenas ir encomendar seus “préstimos”. Havia certo ritual. Ele queria conhecer detalhes a respeito de sua vítima, principalmente as coisas que este fez de ruim contra aquele que o contratara.

Em determinada ocasião, um coronel tatuiano precisou de um jagunço. Havia uma pessoa que estava incomodando, atrapalhando os planos do tal coronel. Os jagunços, também, tinham seu “lado”. Fulano só fazia seus “serviços” para determinado lado político. O outro lado tinha os seus próprios jagunços.

Desta vez, o “problema” tinha fotografia. O coronel, ao contratar os serviços do Chico Sonho, teve com ele uma boa conversa, explicando os motivos que o levaram a encomendar sua morte. Depois das explicações, entregou uma fotografia da pessoa a ser morta. Chico Sonho colocou o retrato no bolso e foi-se embora. Combinaram que a tocaia aconteceria no próximo final de semana, ocasião em que a tal pessoa apareceria na cidade.

Na seqüência, Chico Sonho passou aos seus preparativos. Colocou a fotografia do homem perto de sua cama e ficava durante horas olhando para ele. Só para encontrar ele mesmo um motivo para eliminar o cidadão.

Entretanto, talvez avisado da tocaia que lhe estava sendo preparada, a tal pessoa procurou o coronel para conversar. Em pouco tempo chegaram a um acordo, eliminando todos os entraves. A partir desse momento, aquele que gerava o problema tornou-se um aliado do coronel. Não havia mais necessidade dos serviços do jagunço.

O coronel chamou então um mensageiro e enviou-o até o Chico Sonho, para que este não executasse a ordem anterior. Não era mais para matar o tal homem.

Quando o mensageiro chegou ao sítio do Chico Sonho, encontrou-o deitado em uma rede, olhando para o retrato daquele que seria sua vítima enquanto limpava seu fuzil Mauser.

O fuzil de Chico Sonho estava sempre pronto

- Boa tarde, nhô Chico! Tenho recado do coronel – disse o mensageiro.

- Entre, cumpadre.... se assente! – respondeu – Que disse o coronel? – perguntou.

- O coronel mandou avisar que não é mais para matar esse fulano. Eles fizeram um acordo. – explicou.

- Ih, agora num dá mais. – disse Chico. – Já garrei reiva dele! Vô matá esse disgraçado! – completou.

Que situação. Em seus preparativos, Chico Sonho ficou olhando para a fotografia do homem durante horas e horas. Ele sempre fazia coisa semelhante, para ficar com raiva da pessoa que iria matar. Agora era tarde, ele queria matar não porque lhe fora encomendado, mas porque ele passou a odiar o indivíduo. E agora??? Será que isso acontecia apenas em Tatuí?