quinta-feira, julho 28, 2005

02) Almôndegas eucharianas

Se havia alguma coisa que Euchário gostava, além do whisky, chamava-se salgadinho. E de todos os tipos. Sabia onde tinham os melhores: a melhor coxinha, a melhor empadinha, o melhor quibe, a melhor esfirra... Poderia dizer com precisão as especialidades de todos os botequins de Tatuí, além do centro de São Paulo e da orla do Rio de Janeiro.

Claro que todos, ao experimentarem algum novo salgadinho em qualquer lugar, lembravam de contar ao Euchário, que na primeira oportunidade ia conferir o petisco.

Um dia, o Tacitinho contou para o Euchário que havia experimentado umas almôndegas sensacionais em uma viagem que fez uns dias antes. Quando ele contava sobre as tais almôndegas a boca do Eucário encheu-se de saliva. Acho que todo o sistema digestivo dele começou a funcionar mesmo sem comer.

A expressão de entusiasmo que fez levou Tacitinho a convidá-lo comer aquela maravilha na primeira oportunidade.

Tacitinho nunca foi um motorista muito bom, mas sempre teve uma grande vantagem sobre outros maus motoristas: ele arranjava alguém para guiar seu carro em seus passeios. Se todos maus motoristas fizessem assim restariam poucos automóveis nas ruas e estradas...

Um belo dia apareceu o Tacitinho com seu carro, dirigido pelo Anjinho.

- “Vamos comer aquelas almôndegas?”, perguntou.

- “Mas é claro, vamos lá!”, respondeu Euchário, que logo pois-se a subir no Fusca, gemendo:

-"Ai! Ô márdição! Ui! Márdita barriga! Ai! Márdita hérnia! Ufa! Márdito Fusca!" Com aquele porte físico, qualquer coisa além de dormir, para Euchário, era um sacrifício. Mas enfim, depois de muitos aiaiaís, acomodou-se no banco e partiram.

Naquela manhã Euchário tomou uns whiskys para abrir o apetite para o almoço e já estava a “cem por hora”. Nesse estado não pode perceber que tanto o Tacitinho quanto o Anjinho já estavam a uns “duzentos por hora”.

Lá foram eles pela estrada a fora!!! Entram na Castelo Branco e passam Cesário Lange, passam Porangaba e toma quilômetros... e rodam, rodam, passam Pardinho e passa também o efeito do whisky que Euchário tomou. Logo adiante, uns bons quilômetros de Pardinho, param e entram em um boteco mixuruca.

- “É aqui!”, disseram.

Ao entrar foram examinados da cabeça aos pés pelos que lá estavam. Alguns riam da dificuldade com que todos saíram do Fusca, pois as horas que levaram na viagem parecia ter travado todo o corpo. Mas a dificuldade do Euchário era muito, mas muito maior que dos demais. Aquele corpinho dava um trabalhão...

Tacitinho foi logo pedindo:

- “Garçom, traz meia dúzia de almôndegas, estamos todos com fome!”.

Em uma rápida análise da situação, Euchário arremata a aventura dizendo, com sua filosofia eucariana:

- “Ô mardição!” gritou, “Viajar tanto para comer umas almôndegas... Com o que gastamos dá pra comprar uma bacia de filé mignon e fazer uma super almôndega em casa mesmo!”.

- “Ah, se eu tivesse um armamento!”.

Aquilo intrigou o garçom, que perguntou:

- “O senhor pretende atirar em seus amigos?”.

- “Não! Eu quero dar um tiro no ouvido por ter viajado 200 quilômetros pra comer duas almôndegas!”.

01) O dia em que Jô Soares esteve em Tatuí

O barulho da multidão que se aglomerava nas proximidades do Conservatório era imenso, todos falavam juntos, ninguém entendia ninguém. Também pudera, Jô Soares em Tatuí! É um acontecimento para entrar na história. "Ele vem entrevistar alguém aqui?" perguntou uma mulher. "Não, ele vai fazer seu show no teatro do conservatório" explicaram.

"Estou na fila desde ontem, não quero perder o Jô de forma alguma" - disse uma senhora que estava no início da fila. "E olhe aí, já tem umas 50 pessoas na minha frente", completou.

E o falatório prosseguia intenso. Afinal o Jô estaria em Tatuí e, imenso como é, provocaria mesmo tal falatório... "Ele já está no hotel" - disse alguém. "O Sexteto também veio, eu sei disso porque o Derico exigiu uma cabeleireira para lavar e pentear seu cabelo... foi a minha cunhada quem fez o tal serviço", completou.

"Não me diga!" - outro falou - "E ela viu o Jô?" "O Jô ela não viu, mas ai... nem queira saber... a coitada passou mal por lá!" - continuou falando o tal: "O Derico queria que lhe fizessem massagem capilar. Ela teve um ataque de riso... riu sem parar quase até faltar fôlego, foi preciso até tomar calmante", e continuou: “O cara não tem cabelo, mas o ”rabicho” que sobrou trata como um bibelô!”

“Artista é assim mesmo, gostam de inventar umas coisas só pra dar o que falar!”, disse um cara-de-intelectual que por ali chegava. “Por falar nisso, ouviu algo sobre a lista de exigências que o Jô mandou para o hotel?”, perguntou o mais entusiasmado daquele grupo.

“Ah, não foram poucas... água mineral francesa, arranjo de frutas, feijão gelado e azeite extra-virgem... As frutas são apenas para enfeitar, pois ele come só doces e chocolates...” “Pudera!” - comentou alguém - “...a única vez que emagreceu perdeu a graça...”

Fomos até a Praça da Matriz para ver o movimento e logo percebemos um zunzunzum danado: “O quê está acontecendo naquela aglomeração?”, perguntei. “É o Derico que está soltando o rabo!” - respondeu alguém... “UAU!”, resmunguei, nem sabia que ele era gay!!! Quem iria imaginar uma coisa dessas e ainda fazer isso em praça pública!” “Não é nada disso, ele soltou o cabelo, o rabicho...”. “Ah, bom!”

Havia em um outro lado da praça, uma aglomeração de protótipos de guitarristas junto ao Tomati, pedindo dicas sobre o instrumento.

O Bira, quando saiu do Hotel Del Fiol, parecia um lorde: vestia-se muito bem, calça social, camisa e pulôver. Mas trazia no semblante um ar preocupado. Olhava para todos os lados, como se buscasse algo muito importante. Logo desceu para os lados do Mercadão. Em pouco tempo o Bira estava enturmado num boteco atrás do Mercado Municipal. Cachaceiro dos bons, esse Bira! Ainda mais que convidava todos os pinguços de plantão a beber...
O interessante é que aquele homem, que reclamou que a toalha do hotel tinha uma pequena mancha, bebia no mesmo copo daqueles bebuns sujos e fedorentos... E estavam todos muito alegres por lá... Manézinho “meia-garrafa”, Kike, João Bituca, Bira... Abraçados cantavam a uma só voz “a marvada pinga”!

Já o maestro parecia estar no paraíso, todo feliz e tomando só Coca-Cola...

Entretanto, nem tudo corria bem... Havia um problema e não era pequeno... Não havia, na cidade toda, uma cadeira que “acomodasse” Jô Soares. As dimensões de seu traseiro exigiam uma cadeira maior que o normal. Por sorte, alguém lembrou que na faculdade tinha uma tipo "king size" que servia para ele. Foram buscar e o problema foi contornado...

E assim correu o dia todo: agitadíssimo! Até que o tempo passou e chegou a hora esperada. Todos buscavam seus lugares no teatro do Conservatório. Lotado! As pessoas que ficaram do lado de fora tinham ainda esperança de que o Jô, movido pela compaixão, fizesse um show extra para atender todo aquele povaréu. Gritavam todos pedindo que arrumassem um "DataShow" para que o pessoal do lado de fora também pudesse assistir ao Jô. Estavam dando os últimos retoques para ajeitar o telão...

O Sexteto entrou no palco e começou se arrumar para tocar. Eu fiquei analisando como o Bira conseguia ficar em pé depois de tomar tanta cachaça...

O zunzunzum não cessava! Não dava nem mesmo para atrasar a entrada de Jô Soares, tamanha a expectativa das pessoas.

E ouviu-se um sinal, era a deixa para a entrada de Jô, e... Uhhhhh! Apagaram-se todas as luzes.

Inicialmente pensou-se que era uma estratégia do artista para que, ficando tudo no escuro, fosse aceso apenas um holofote que enfocasse sua pessoa no centro palco eum jogo de luzes fizesse parecer que sua silueta fosse menor que o tamanho real.

Mas nada... passou um minuto, dois, cinco... lanternas apareceram com os funcionários do Conservatório e o ar-condicionado parou de funcionar. Mais dez minutos e nada! O calor começava a ficar preocupante. Foram abertas as portas para circular o ar.

O pessoal do lado de fora também estava no escuro. O burburinho da multidão aumentava cada vez mais.

E a luz? Nada!

Ligaram para a Elektro e a resposta foi inacreditável: havia caído todo o sistema elétrico de grande parte do Brasil e ninguém pode prever quando voltaria novamente. Esse fato ficou conhecido como o APAGÃO, cujos resultados até hoje são sentidos nas contas de energia elétrica de todos.

E o Jô?

Enquanto as pessoas esperavam que a luz voltasse e as coisas pudessem seguir em frente, o Jô, que não é bobo, sabendo da impossibilidade do retorno da energia elétrica, já estava em seu carro rumando para São Paulo.

Essa data, 11 de março de 1999, será sempre lembrada como o dia em que Jô Soares veio a Tatuí, ou a noite do apagão. Em Tatuí, conhecida como a Noite do Fiasco! Nessa ocasião, 13 estados ficaram no escuro, pois caiu o sistema elétrico no sudeste, sul, centro-oeste e até mesmo nordeste.

Este foi o maior vexame acontecido em Tatuí nos últimos anos! Estamos todos esperando o retorno do Jô, que ainda nem mesmo devolveu o dinheiro dos ingressos! Fiasco Total!

Tatuí é uma cidade do interior de São Paulo onde ocorrem inusitadas aventuras com seus habitantes, conhecidas como "causos" (e nem sempre correspondem à verdade).
Entretanto, se não se trata do fogo é a fumaça!
Alguma coisa pode ser corresponder à realidade mas, se não der para crer, pelo menos dá para rir à vontade!!!