segunda-feira, dezembro 12, 2005

16) Aventuras fluminenses e marítimas

As coisas não andavam muito bem para meus amigos Jaime e José "Cabreira” lá pelos idos de 1970. Os dois andavam mais “apertados” que porca com contraporca. Nessa época tanto um quanto outro estava trabalhando no ramo metalúrgico: o Cabreira era sócio de uma pequena serralheria e o Jaime era soldador em uma fábrica de carrocerias. Muito trabalho e pouco dinheiro.

Mas era a época do “milagre brasileiro” e a economia nacional andava a passos largos. Havia emprego para todos em todas as áreas. Como as coisas estavam momentaneamente ruins para os dois amigos, Jaime teve uma idéia, que repassou ao Cabreira: Trabalhar no Rio de Janeiro! Soube por amigos que tinha trabalho para soldadores em algumas construções importantes no Estado do Rio de Janeiro.

Arrumaram um pouco de dinheiro que, juntando com a fé em encontrar trabalho, parecia bastante, suficiente para a viagem pretendida. Alguns dias de planejamento e lá se foram os dois ao Rio de Janeiro.

Puxa, porque não haveria de ter trabalho para ambos, uns profissionais gabaritados em soldas. Jaime costumava soldar cabos de enxada, bicos de arado e até as ferragens de carroceria de caminhão. Serviço especializado, claro. Sua experiência em oficina de ferreiro lá de Cesário Lange não poderia ser desperdiçada. Já o Cabreira tinha experiência em área diferente, serralheria. Remendava vitrôs. Até mesmo se aventurava em lanternagem de veículos.

Assim, os dois especialistas da solda, metalúrgicos de gabarito, entusiasmados com as múltiplas possibilidades que a vida lhes abria, seguiram viagem conversando animadamente sobre o futuro, principalmente nas coisas que iriam adquirir com seu trabalho profissional.

Algumas horas de viagem e chegaram ao destino: obras na Baía de Sepetiba, provavelmente no início da construção do complexo portuário de Sepetiba, área metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Só que eles chegaram quando finalizavam as obras. O trabalho de soldador terminara.

Foto atual do Porto de Sepetiba

No momento em que o desânimo ia abatendo os dois valentes obreiros da metalurgia, a pessoa que os atendia falou que estava para começar, em Angra dos Reis, as obras para a primeira usina atômica brasileira. O início ainda demorava um pouquinho, mas eles poderiam encontrar trabalho provisoriamente nos estaleiros Velrome, que estava construindo diversos superpetroleiros, navios imensos para transportar petróleo da Arábia ao Brasil. Os navios eram construídos em aço e, portanto, precisavam dos préstimos de profissionais competentes na área de soldagem. Prática? Porque se preocupar, que poderia existir de tão diferente entre soldar casco de navio e cabos de enxada? Ou de remendar vitrôs de banheiros? Praticamente nada!

Dirigiram-se para Angra dos Reis ainda mais animados que antes, pois agora tinham não apenas uma, mas duas possibilidades de emprego: construir navios ou construir usinas nucleares.

Chegaram em Angra no dia seguinte, indo logo ao estaleiro. Tinham pressa em começar a trabalhar, mesmo porque o dinheiro estava no fim, bem no final. Quando iam ao estaleiro, o Cabreira perguntou onde seria construída a usina atômica. Logicamente que seus contatos eram sempre feitos em bares. Já tinham passado por mais de uma dezena deles e, como sempre foi um sujeito civilizado, procurava juntar o útil ao agradável, experimentando a pinga de cada região que passava. Isto ainda é seu costume, pois nunca deixou de provar as delicias alcoólicas de cada cidade que passou em toda sua vida. Só um trago, mas experimenta.

- Logo mais adiante, na praia de Itaoca! Alguém respondia sobre a futura localização da usina.

O Cabreira, erudito, começou a discutir com pessoas no bar os significados das palavras:

- Temos, perto de Tatuí, onde moramos, uma cidade chamada Itapetininga! “Ita”, em tupi-guarani, significa “pedra”. - Assim, filosofou, a usina deve estar sendo construída em um lugar bastante seguro! Seus conhecimentos em tupi-guarani não lhe permitiram traduzir adequadamente a palavra.

Só que os planejadores do governo talvez nem tivessem pensado em “interpretar” o significado da palavra “itaoca” quando decidiram construir lá uma usina nuclear. Itaoca, em tupi-guarani, significa “pedra podre”. O lugar escolhido para uma edificação de risco elevadíssimo foi reprovado pelos indígenas brasileiros: aquele lugar tinha um chão ruim para construir uma aldeia, com toda certeza... E para construir usina atômica? Aiaiai, será que o Brasil ainda vai dar certo?

Em busca de um futuro luminoso, o Jaime e o Cabreira chegam ao estaleiro e logo ficaram sabendo que teria um teste para saber se estariam aptos para o serviço. Se passassem no teste estariam automaticamente contratados.

Só que o tal teste aconteceria dentro de três dias. E aí? Como fazer para comer nestes dias, pois do dinheiro inicial sobraram apenas uns trocos? O encarregado do estaleiro, homem vivido, acabou percebendo o perereco deles e arrumou duas senhas para almoço e jantar em nome de duas pessoas que estavam ausentes naquela semana. João e Antonio da Silva, ou coisa semelhante.

Para dormir o encarregado arrumou um alojamento com mais uns trinta peões. Mas fazer o quê? Tinham que aceitar, visto que depois do teste praticamente estariam ricos!

A rotina dos dias de espera foi bárbara! Praia, bar, conhaque, pinga (mesmo sem dinheiro sempre há quem pague umas e outras para um cara agradável como o Cabreira). O Jaime nem precisava se esforçar para conversar, que o amigo ia “abrindo porteiras” nos relacionamentos à base de etílicos.

Depois de três dias de farra, chegou a hora do tal teste. Quando o Cabreira viu que tinha uma roupa especial para vestir, olhou com atenção e percebeu que nem mesmo aquela vestimenta ele conseguiria lidar corretamente, que dirá então do teste... uma solda que seria submetida ao raio X para buscar imperfeições!!!

Isso, porém, não abateu o Jaime, que ainda estava confiante. Que esse tal de raio X entende de soldas? Os cabos de enxada que soldou nunca tiveram problemas ou geraram reclamações...

Assim, depois de um esforço e de bastante ajuda externa, conseguiu “entrar dentro do equipamento”, vestindo aquela proteção. Foi fazer o teste, que consistia em soldar chapas do casco do navio, com perfeição tal que não permitisse qualquer vazamento.

O resultado? Ainda bem que foi apenas um teste, pois se tivesse soldado o casco de um navio, o naufrágio do Titanic seria fichinha perto dos resultados de um navio “emendado” pelo Jaime. Quase apanharam do encarregado, pelo tempo que ele perdeu atendendo aos dois.

O que lhes restava era voltar a Tatuí. Mas voltar como, se o dinheiro havia acabado? Perguntaram em seus pontos de informações (leia-se bares, botequins e botecos) e souberam que a Marinha tinha uma linha de barco que atendia aos ilhéus da região a preços extremamente baratos.

Perguntaram como funcionava esse transporte e outras particularidades. Resolveram ir embora de navio.

Quando chegou o horário da partida, dirigiram-se para o porto, compraram as passagens e aguardaram a hora de zarpar.

Antes de entrar no barco, o Cabreira foi tomar mais um conhaque, para criar coragem. Cada desculpa que arrumam para beber... com a quantidade que já havia bebido naquele dia, provavelmente teria coragem para enfrentar até o coisa-ruim!!!

E, assim, foram ao cais aguardar o navio. Era um cais flutuante, subia e descia, subia e descia, subia e descia e o Jaime foi ficando enjoado. Chegou o navio e os dois embarcaram rapidamente. Enquanto o barco partia, o Cabreira já foi perguntando a um marinheiro onde ficava o bar. O marinheiro ficou bravo e respondeu rispidamente que aquele era um navio da Marinha de Guerra do Brasil e que não servia bebida. Provavelmente só não servia para passageiros, pois o “bafo” do marinheiro afugentaria até aos monstros marinhos temidos pelos primeiros navegantes...

E o navio subia e descia, subia e descia, subia e descia enquanto o litoral desaparecia. Sobe e desce e o Jaime debruçou-se na murada para devolver à natureza tudo que tinha comido nos últimos dias. Sobe e desce, sobe e desce e chegam a uma ilha. Jogaram âncora e logo surgiram uns pequenos botes, com caiçaras e cabras, galinhas, pacotes, etc. e tal. Em cada ilhota a coisa era semelhante: caiçaras, cabritos, galinhas, pacotes... assim eram feito o abastecimento dos ilhéus e o comércio da região.

Mas quem viu isso tudo foi apenas o Cabreira, já que a “ocupação” do Jaime continuava na murada... parecia que não tinha mais nada, mas sempre “aparecia” alguma novidade... Éca!

Já era noite quando chegaram ao destino: Parati. Olhando do mar a cidadezinha era insignificante, pequena, quase sem iluminação.

O cais de Parati, ao contrário de Angra dos Reis, era fixo. A maré tinha baixado e o cais estava “lá em cima”... Como “descer” do navio se teriam de subir?

Os marinheiros estavam acostumados com isso. Formaram uma corrente de pessoas, dando um giro e praticamente jogam o freguês sobre o cais. Assim fizeram com todos. Logo estavam os dois olhando para a cidade lá do porto.

Se hoje Parati é uma espécie de museu, remanescente do Brasil Colônia, naquele tempo, década de 70, não tinha nada, pois não havia sido “descoberta” pelos turistas. Era, com toda certeza, um fim-de-mundo.

O Jaime, que havia passado horas terríveis no mar, usou de toda sua sensibilidade para descrever o que via:

- Acho que agora “cheguemo” no inferno!

Foram até o centro da cidade, procurar onde comer e dormir. Só no dia seguinte teriam como sair de lá, uma “jardineira” horrorosa que ia até São Luís do Paraitinga. No dia seguinte chegaram em São Luís. Chegou ao fim, nesse mesmo momento, o restinho de dinheiro que tinham. O recurso foi vender por uns 20 cruzeiros o relógio do Cabreira, que valia mais de 100!

Com o dinheiro apurado na venda do relógio conseguiram ir até São Paulo. Na rodoviária, que nessa ocasião era a mesma para Tatuí ou para o Rio de Janeiro, foram procurar algum conhecido que lhes emprestassem dinheiro para a passagem.

Foto da área interna da antiga Estação Rodoviária de São Paulo

O Cabreira encontrou uma pessoa que lhe arrumou o dinheiro e comprou duas passagens: uma no ônibus de Tatuí e outra no ônibus de Itapetininga.

- Porque isso? perguntou o Jaime. - Ônibus separados?

- Por que eu não agüento ficar nem mais um minuto com você! Maroteou o Cabreira.

Hoje, quando lembram dos acontecimentos, riem bastante, mas nesse momento, o sonho de um futuro brilhante acabava de desaparecer... Todos os planos sumiram como fumaça. Um não agüentava mais o outro...

Mas o futuro tinha outros planos para ambos. São profissionais em outras áreas, completamente diferentes da metalurgia: um é corretor e outro advogado. A experiência fluminense serve para ficar no álbum de recordações de cada um, para lembrar de outros tempos que, se o dinheiro era curto, a vontade de crescer era maior.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

15) Terror no rio Sorocaba

Muitos anos já se passaram do ocorrido que relato aqui, mas isto não pode ser esquecido, tem de permanecer vivo, para que seus personagens não sejam esquecidos. Todos passam pela Terra e deixam seus rastros. A história oficial é apenas um compêndio daquilo que se optou registrar para comprovar ou negar coisas. Mas historiadores só se importam com a “macro-história”, que é o resultado das “micro-histórias”, das ações das pessoas comuns, do cotidiano, do esperado e, principalmente, do inesperado.

O rio Sorocaba já foi um paraíso de pescadores e o Distrito de Americana (ou Barreira, para os mais antigos) era a vila dos pescadores. Em um mundo com poucas possibilidades de lazer, a pesca esportiva era diversão para adultos e crianças. A Americana era o destino de todos que desejavam pescar e, depois, comer um peixinho... Fosse o peixe que fosse, isso nem importava, pois o “acompanhamento” era o mais importante: a cachaça.
Foto atual do rio Sorocaba, próximo à ponte do Distrito de Americana
Em pouco tempo, a vila dos pescadores transformou-se em vila dos bebuns. Mesmo porque, peixe, que é bom, desapareceu do rio. E o que ainda tem não dá pra comer... Veneno puro, carregados dos resíduos poluentes lançados no rio por indústrias, esgoto e defensivos agrícolas que escorrem ao rio com as chuvas.

Entretanto, até a década de 60 era possível pescar no rio Sorocaba ali no bairro da Americana. Porque esse nome? Porque havia uma família de norte-americanos que veio morar em uma fazenda da região e restou o apelido... não me lembro direito da história, mas irei pesquisar.

Pois bem, se o lazer de todo tatuiano era a pesca esportiva no rio Sorocaba, padre Murari não poderia ficar de fora disso. Tinha as coisas que ele mais gostava da vida extra-sacerdócio. Acha exagero? O melhor amigo do padre foi o Rui “português” Medeiros, mais famoso pelas pingas de qualidade que tinha em seu estabelecimento que por qualquer outro de seus muitos predicados. E o padre não saia de lá.

Padre Murari não perdia nenhuma oportunidade de ir pescar na Americana e era um especialista em pescar silenciosamente na noite, deslizando suavemente pelas águas do Sorocaba, a favor da correnteza, dando umas profundas tragadas em seu cigarrinho de palha. A justificativa dele para fumar era que "o cigarro ajuda espantar mosquitos no rio". A justificativa para a pescaria era que precisava espantar uns mosquitos...

Em suas pescarias, o padre navegava corrente abaixo, deslizando até um certo ponto e depois dava partida no motor de popa e voltava rio acima. Nisso ficava por horas seguidas... E quando esfriava? Ah, daí o "equipamento" cedido pelo Rui Português vinha a calhar!

Numa noite, uns meninos foram pescar no barranco do rio... arrumaram todos os apetrechos necessários e até mesmo uns desnecessários, para uma noitada de pescaria. Entre o equipamento desnecessário estava a danada cachaça. Para o peixe não tinha importância, mas para os pescadores era a “ferramenta” mais interessante... As margens do Sorocaba, nessa ocasião, eram cobertas pela vegetação, sendo difícil encontrar trechos com pequenas clareiras... Totalmente diferente do presente.

Quem me contou o fato que relato aqui, foi um desses garotos: o grande cantor tatuiano Edgar Sá.

Ele e seus amigos estavam pescando, rindo, brincando, bebendo e, porque não, pescando.

Eis que repentinamente perceberam um pequeno lume no meio do rio. Uma fraca luz avermelhada que vez por outra aumentava de intensidade, ficando mais forte e, em seguida, enfraquecendo novamente.

Assustados, todos começaram a seguir com o olhar aquele lume no meio do rio. E a coisa vinha aproximando deles. Um conversa com outro, ninguém tinha idéia do que estava se passando. E a tal luz silenciosamente descia o rio, como que flutuando... nem um ruído. Ficaram todos sobressaltados, sem saber o que fazer...

E cada vez mais a luz, ora fraca, ora forte, ficava mais perto. Aproximava-se da margem onde estavam os meninos. De repente perceberam um vulto preto como que andando sobre a água, com o rosto iluminado por uma luz avermelhada, como se fosse o próprio demônio que vinha buscá-los.

É o boitatá! Gritou um deles... Ah, não foi preciso nem uma palavra a mais e todos saíram gritando e correndo, fugiram para bem longe dali, deixando seus apetrechos de pesca... Uma gritaria imensa. Gritos de terror.

Pegaram suas bicicletas e só pararam na cidade, nas suas casas. Ainda transtornados com o acontecido. Com o inexplicável surgimento do boitatá!

Aqui convém dar uma pausa para definir o boitatá:

Boitatá

Representado por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de origem indígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro. Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como fogo que corre.


Assim, os meninos foram contar aos seus pais o ocorrido, que viram o monstro no meio do rio. Mães ficaram preocupadas, mas aliviadas porque os filhos estavam sãos e salvos. O boato correu! A cidade toda ficou assustada com o boitatá no rio Sorocaba. É lógico que ele ia aparecer... ele persegue quem desrespeita a natureza... e todos, incluindo os meninos, estavam acabando com o rio, com os peixes do rio.

No dia seguinte, a cidade amanheceu temerosa, pois o acontecido havia se espalhado e muitos já temiam até por uma invasão de boitatás.

As pessoas que sabiam que o padre Murari estava pescando naquela noite, ficaram preocupadas com sua integridade. Que será do padre? Será que o boitatá o pegou? Será isto? Será aquilo?

Mas não demorou muito e encontraram o padre, todo folgado com uns peixinhos na sacola.

- Padre! Padre! O senhor está bem? Indagaram.

- Claro, e porque não estaria?

- O senhor estava pescando esta noite? Não lhe aconteceu alguma coisa estranha?

- Pra falar a verdade, esta noite me aconteceu algo inexplicável! Disse padre Murari.

- Eu estava descendo o rio de canoa, aproveitando a correnteza, para tentar pegar uns peixes que só saem da toca à noite. Vinha dando umas gostosas tragadas em meu cigarrinho, em pé dentro do barco. De repente percebi uma movimentação estranha no barranco do rio, até dei uma tragada mais forte para tentar iluminar com a luz do cigarro...

- Olhem, eu que nunca acreditei em assombração estou com dúvidas. Comecei a escutar uns gritos horrorosos no barranco do rio, um farfalhar de folhas e árvores, gritos fortíssimos que pareciam aterrorizados. Confesso que fiquei assustado. Não tenho idéia até agora do que ocorreu ali. Só se for mesmo o tal boitatá!

Daí a história correu por todos os cantos... não é pra menos, pois até o padre ouviu coisas estranhas.

E cada um que contava aumentava um pouco, como em toda história. O medo invadia os lares tatuianos.

Até que alguém começou a somar dois mais dois e percebeu o imbróglio:

Os meninos assustaram com o padre que descia o rio em pé na canoa, pescando e dando umas tragadas no cigarro de palha. Quem iria imaginar que o padre descia silenciosamente o rio, sozinho?

O padre assustou-se com os gritos dos meninos, que pensaram que ele era o boitatá!!!

Em pouco tempo, as coisas foram esclarecidas e tudo voltou ao normal. O padre voltou a pescar e os meninos... bem, estes nunca mais pescaram no rio Sorocaba, pois aquilo bem que poderia ser apenas um aviso!!! Duvidam? Perguntem ao Edgar, que está firme e forte para contar tudo isto novamente. Só que, não sei porque, ele não gosta de pescar.

terça-feira, dezembro 06, 2005

14) Televizinho e outros assuntos televisivos

Uma das coisas mais comuns hoje é o televisor. Que casa não tem um, pelo menos? Todo mundo tem um, dois, três, ou mais... ninguém mais lê, nem jornais e nem revistas. A coisa é só na base da novela ou programas de auditório, com seu público sempre seleto e que acredita até no Mickey Mouse: - Ah, isto eu ouvi lá na Hebe, e se foi ela quem disse, deve ser verdade!

Mas nem sempre foi assim... a televisão é uma invenção não muito nova, mas sua popularização no Brasil demorou algum tempo. Nos primeiros tempos um aparelho televisor era caro. Seu preço foi sendo reduzido com a escala de produção.

Nos primeiros tempos, na década de 1950, somente alguns lugares conseguiam captar a imagem, ou melhor, uns borrões que necessitam ser interpretados, para entender o que se passava na TV Tupi, a precursora. Quase que os olhos não conseguiam decifrar aquele amontoado de riscos e rabiscos, além de problemas no controle vertical, horizontal e todos os demais...

Mas o povo foi insistindo em ver aquele caixotinho e a imagem acabou melhorando. Os aparelhos eram raros até na década de 1960. Lembro que na minha casa a TV foi comprada lá por 1963... Não foi muito fácil convencer meu pai comprar uma, mesmo porque era algo bastante caro.

Enquanto ele não comprava, eu era um televizinho. O que é isso? É alguém que assiste TV na casa do vizinho.



Se hoje isso é raro, nessa época as casas que tinham aparelho televisor ficavam lotadas. Na sala e na janela, se tivesse essa possibilidade.

Pois bem, na Travessa da Matriz, onde eu morava, meu vizinho Luizinho de Barros, tinha uma bela TV em sua sala. Como a sala era em “L”, o aparelho ficava bem de frente para a porta da área de entrada, e era uma porta com um grande postigo de vidro.

A assistência televisiva da casa do Luizinho ia se ampliando, vindo gente de longe para assistir a programação da TV.



A calçada em frente da porta da sala estava sempre cheia de gente, que se amontoavam para melhor assistir aos programas. Para que a assistência pudesse ouvir direito o som, o Luizinho deixava aberto o postigo, melhorando a imagem e permitindo que a assistência pudesse escutar o som da TV.

Isso não era exceção, pois as casas com TV eram sempre as mais visitadas...

Tatuí teve seu momento de glória nos anos 70. Quando havia um concurso criado por Silvio Santos, chamado “Cidade contra Cidade”, quando duas cidades enfrentavam-se na TV, cumprindo uma espécie de gincana. Este foi o momento glorioso de Tatuí: a cidade toda esteve presente no programa que quase nem sobrou gente para assistir... A cidade adversária foi Lorena, próspero município do vale do Paraíba.
Tatuí foi a grande vencedora!


Pois bem, aqui ocorreu um fato que merece ser registrado:

Dentre as tarefas a ser cumpridas, tinha uma lá que deveria mostrar o que a cidade fazia de importante, comparando as duas cidades.

Lorena, importante centro tecnológico, apresentou mísseis e foguetes construídos na cidade, com a mais avançada tecnologia da época. Essa atividade ainda rende frutos para o município e até mesmo ao país, devido à exportação e à substituição de importação de equipamentos para as forças armadas. Os equipamentos apresentados custavam caríssimo. As pessoas que foram levá-los ao programa tinham que ter boa qualificação para responder perguntas sobre os mísseis e foguetes, eram todos técnicos ou engenheiros. Não precisa nem lembrar que os foguetes e mísseis não estavam com combustível.

Tatuí, em contrapartida, apresentou o Cordão dos Bichos para concorrer com os mísseis e foguetes de Lorena. Os problemas resumiam-se ao “combustível” do cordão, que no caso de Tatuí foi devidamente abastecido. O Moacir regou os carregadores dos bonecos com o que havia de melhor em termos de cachaça. E em quantidades expressivas. Foi tanta pinga que o Antenor, o sapo do cordão dos bichos, perdeu o seu tênis verde, que na ocasião era uma raridade e difícil de encontrar. Foi a glória! Os bois premiados do Altair “obraram” em grande quantidade no palco do Silvio Santos e alguns “bichos” do cordão vomitaram... Fora isto, tudo correu bem e a cidade foi a vencedora.

Logicamente Lorena ficou inconformada ao perder com tantas boas escolas, empresas de tecnologia de ponta. Como resultado disso, aconteceu uma queima de carnês do Baú em praça pública... depois destes acontecimentos, até o programa acabou!

Já que o assunto é televisão, eis uma ótima sugestão para ajustar a programação da TV:

sexta-feira, novembro 25, 2005

13) Querubins tatuianos

Certo dia estava conversando com uma pessoa conhecida na cidade, quando ele contou um fato muito interessante que merece ser registrado. Ele é um autêntico representante ariano, descendente de imigrantes que saíram do norte da Europa para o Brasil: loiro, olhos azuis, porte elegante e andar de diplomata. Isto é muito fácil de comprovar, sendo necessário apenas olhar sua bela figura. Solteiro até hoje por opção, pois não desejava privar o público feminino da cidade de sua graciosa presença. Não iria dividir apenas com uma mulher a sua beleza.

O que eu desconhecia é que ele havia sido uma das crianças mais lindas de Tatuí lá pelo final da década de 1940. Um menininho dinamarquês loiro de olhos azuis... lindo, lindo.

Nessa ocasião, estava sendo pintado o teto da igreja Matriz pelo artista Di Tomazio. Uma obra de arte que ilustra passagens bíblicas e dogmas católicos. A obra estava aproximando-se do final, deixando os tatuianos orgulhosos da beleza desse templo, que - dizem - foi construído para ser uma catedral no futuro, a sede de um bispado que nunca aconteceu.

(Foto do interior da igreja, por Felipe Simões)

Lá estava o menino nos braços de sua orgulhosa mãe, olhando as maravilhosas pinturas do artista. O artista Di Tomazio, quando viu aquele menino tão lindo, olhos azuis, loiro, uma verdadeira criança sueca que por um capricho do destino caiu de nascer em Tatuí, admirou-se com sua beleza.

- Que criança linda! Poucas vezes vi um menino tão lindo! Nem em Oslo vi um igual! - exclamou.

Di Tomazio estava já sem inspiração para continuar sua obra, pois esse trabalho já tinha alguns anos. Ao ver aquela criança tão linda, logo falou para sua mãe que desejava registrar seu angelical rosto norueguês.

Ela concordou imediatamente. Imagine se ela iria privar aquele templo maravilhoso de figura tão linda...

E assim aconteceu. Di Tomazio recebeu uma fotografia do menino para poder pintar os anjinhos que estão no teto da igreja, bem defronte da sacristia. Em diversas ocasiões o menino esteve com o artista para que ele captasse a tonalidade WASP (white anglo saxon people) de sua pele, a cor de seus cabelos e o azul de seus olhos... não foram poucas essas ocasiões.

Segundo ele próprio, os rostinhos dos anjinhos são, nada mais, nada menos, que a fiel reprodução dele quando criança, quando foi a criança mais linda que já existiu em Tatuí, segundo sua própria avaliação.

Entretanto, há alguns pontos ainda obscuros nessa história. Será que apenas o rostinho de menino filandês inspirou o artista? Sabe-se que ele pintou muitas igrejas e outras obras depois desta e, aqui está a questão, muitos anjinhos... Todos têm a mesma fisionomia dos anjinhos tatuianos... dos querubins.

E querubins, como todos sabem, são aqueles anjinhos que mostram a bundinha, que aparecem sempre nus e com o traseiro completamente a mostra. Di Tomazio passou a pintar querubins sempre que tinha oportunidade, sempre iguais, sempre a partir do mesmo modelo.

Com a foto do tal menino e de um querubim, essa questão pode ser analisada por todos, buscando uma solução para o pergunta: onde Di Tomazio buscou inspiração para pintar a bundinha de seus querubins?

Fica a critério de cada um concluir!

segunda-feira, novembro 21, 2005

12) Tatuí na Segunda Guerra Mundial

A Segunda Guerra Mundial envolveu todo o planeta em atividades bélicas. Os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) lutavam contra os Aliados (Inglaterra, França, Estados Unidos, União Soviética, o restante da Europa, Ásia, Norte da África, etc.).

O etcetera aí incluía o Brasil e, por conseqüência, lá no finzinho desse etcetera, Tatuí. A encrenca aumentou a ponto do Brasil entrar na briga e até uns heróicos tatuianos foram combater alemães em território italiano. Ah, mexeram até com o pessoal de Tatuí!!

A vida durante o período de guerra não poderia continuar com antes, porque alguns produtos foram racionados, como derivados de petróleo, álcool, açúcar, dentre outros. Tudo era precário. Os automóveis precisaram encontrar um substituto para a gasolina, escassa, sendo então necessário adaptar os carros para funcionar com o gasogênio, um aparelho que produz gás a partir da queima de carvão.
O tal equipamento que produzia o gás (gasogênio) consistia em um apêndice horroroso que ficava na trazeira dos carros, que além de deixar visualmente feio, sujava todo mundo com o carvão que consumia... Nesta foto há um automóvel equipado com o tal gasogênio.

Quanto ao álcool, Getulio forçou seu racionamento confiscando 70% da produção, em seu afã de mostrar a modernidade brasileira, tentou uma espécie de “lei seca” e não teve sucesso e, então impôs regras não tanto para proibir, mas para diminuir o consumo. Com isto, o açúcar, derivado da cana-de-açúcar também foi racionado. Aqui entra o caso lembrado pelo meu amigo Dr. Cesar Camargo, filho de um dos protagonistas...

A maioria das pessoas acompanhava as notícias da guerra pela mídia da época, o rádio, sendo que um dos programas de destaque na rádio era chamado “A história em ação”, transmitido pela Rádio São Paulo nas noites de domingo. Outro programa, “A marcha da guerra”, tinha participação de diversas autoridades que comentavam o desenrolar do conflito. Este era transmitido de segunda a sexta-feira à noite pelas rádios Cruzeiro do Sul, Difusora e Tupi.

Além destes, havia a Voz do Brasil, um programa criado para o ditador Vargas doutrinar a população. Apesar de tudo que já mudou no país, este programa tem sobrevivido até hoje... talvez para manter alguns empregos, pois audiência é algo próximo de ZERO!

A Voz do Brasil era retransmitida por todas as emissoras de rádio e, sendo assim, era ouvida por todos. Não tinha alternativa.

De seu noticiário surgiam a noticias “oficiais”, com os números e fatos devidamente “depurados” pelo governo. Mas, mesmo assim, tinha credibilidade.

Em Tatuí, como no restante do país, o açúcar estava rigorosamente controlado devido ao racionamento. Era racionado, mas na calada da noite sempre apareciam caminhões a suprir os armazéns tatuianos. Só o preço tinha alteração, estava no “câmbio negro”, mas no aspecto “quantidade” continuava à vontade.

O armazém do Zé Sallum, como todos os outros, tinha lá seu estoque lotado de açúcar. Só que os outros comerciantes não tinham, como filhos, o Farid, Oscar, Félix...

Pois bem, certo dia, resolveram pregar uma peça no pai. Na parte superior do Cine São Martinho havia o serviço de músicas da Praça da Matriz, sob o comando do Ozório Camargo (Ozório Pinga, apesar de que nunca o vi tomando um golinho).

Farid fez seus planos com o Ozório e montaram um dispositivo no rádio do Zé Sallum. Na hora da Voz do Brasil, sempre eram divulgados os nomes de pessoas presas sob acusações diversas ligadas à segurança nacional. O racionamento do açúcar era considerado assunto de segurança nacional.

Quando o Zé Sallum foi escutar o rádio, tocou lá o Guarani, começaram as notícias e, em determinado momento, o Ozório ligou seu dispositivo e começou a falar, dando a impressão que era parte do próprio programa governamental...

O Ozório começou a narrar fatos da guerra (ele era um locutor experiente) a partir do quarto do Farid, onde estava montado o microfone e outros apetrechos. Zé Sallum ouvia tudo com atenção.

De repente, Ozório começou a falar de pessoas que haviam sido presas com estoque de açúcar. Mário de Tal, em São Paulo foi preso com sacas de açúcar contrabandeado... Em Piracicaba, Pedro de Tal e em Itapetininga, José Maria preso pelo mesmo motivo.
Daí o “locutor” avisou que em Tatuí, um grande comerciante chamado José Sallum iria ser preso nas primeiras horas da manhã seguinte porque tinha um enorme estoque de açúcar em seu armazém.

Aiaiaiaiai! Pânico Total!O Zé Sallum exclamou seu bordão: Epa, c'os diabos! e rapidamente tentou desligar o rádio.

Mas como era o Osório que falava ao microfone escondido, não adiantou desligar, pois o "rádio" continuava falando do mesmo assunto...

Como não adiantou desligar, Zé Sallum desligou a tomada, mas, claro, as notícias continuavam, pois era o altofalante do Osório.

Como não conseguia parar aquele noticiário enlouquecedor, ele ia quebrar o seu rádio, até que o Farid interviu, acalmando o pai, contando que se tratava de uma brincadeira.

- Ah, mas que brincadeira! - aliviado, mas aborrecido, Zé Sallum respondeu.

"Guerra, Doce Guerra"! Assim a guerra foi encarada pela população tatuiana... com tanto açúcar só poderia ter sido encarada docemente e... com humor, muito humor. 
Alguns tatuianos, no entanto, foram lutar na Itália e um deles, o Juquita, não voltou, entregando sua vida pela liberdade que desfrutamos hoje.

domingo, novembro 20, 2005

11) Experimentando fumo de corda!

Se bem me lembro, o episódio aconteceu entre 1978 e 1980. O grande Bimbo Azevedo estava enfermo, não conseguia nem mesmo levantar-se. Eram os últimos dias do grande compositor tatuiano.

Euchário Holtz não poderia deixar de visitar o amigo de muitos anos. E lá foi ele à casa do Bimbo. Conversou rapidamente com dona Julieta e logo entrou no quarto onde o amigo repousava.

E prosa vai e prosa vem, falaram da chuva, do calor e do frio, dos pernilongos e em pouco tempo não havia mais assunto. Euchário não deixou por menos e logo foi contando velhas histórias de seu imenso repertório.

Não se pode esquecer que Euchário pretendia escrever um livro com as histórias, ou melhor, das aventuras e desventuras de personagens famosos da cidade. Não sabemos se há alguma anotação, mas essa obra manteve-se inédita até hoje...

Euchário lembrou-se de um acontecimento ocorrido com o professor Celso de Mello, quando o mesmo estudava na Escola Normal de Itapetininga em sua juventude. Essa escola era uma das únicas formadoras de professores de todo o Estado de São Paulo. Os tempos eram outros e as viagens, além de demoradas, custavam caro e, assim, os alunos não ficavam viajando diariamente como ocorre atualmente, mas residiam em pensões da cidade de Itapetininga.

Isso não era diferente com seu Celso. Morava em uma pensão de Itapetininga e voltava para Tatuí de tempos em tempos. Foi nessa situação que ocorreram os fatos que Euchário contou em sua visita ao Bimbo:

Em seus momentos de folga, seu Celso costumava ficar conversando em uma tabacaria nessa cidade, pois havia se tornado amigo do proprietário. Nessa época, uma tabacaria era muito diferente das atuais, pois não havia cigarros de papel, em maços, como existem hoje, mas o fumo era vendido em rolo, chamado de ‘fumo de corda’.

Alguns fumantes enrolavam o fumo em papel próprio, mas a maioria preferia enrolar na palha de milho e, assim, fumar seu ‘cigarrinho de palha’, cada qual com seu fumo de preferência. Nas tabacarias o freguês encontrava diversos tipos de fumo, cachimbos, piteiras, isqueiros e outros acessórios.
E lá estava o seu Celso conversando com seu amigo na tal tabacaria, quando entrou uma pessoa que começou a olhar os fumos expostos, como se procurasse algum fumo especial:

- O senhor tem fumo forte? perguntou ao vendedor.

- Ah, sim! Tenho este aqui, um fumo da melhor qualidade, fabricado com folhas escolhidas!

O freguês olhou e cheirou. Perguntou se poderia experimentar.

- Claro, disse o vendedor.

Era costume da época permitir que os fregueses experimentassem o produto antes de comprar, pois não havia padronização e um fumo de um mesmo fornecedor poderia ter qualidade e sabor variados entre uma remessa e outra.

O homem então picou um pedaço de fumo e começou a moer para fazer um cigarro.

- O senhor tem palha? perguntou.

- Claro! Eis aqui. E entregou uma palha já cortada para ser enrolada...

Enquanto o freguês pacientemente enrolava o cigarro, o dono da tabacaria deu um sinal para o seu Celso e disse baixinho:

- Ih, é apenas um ‘filante’!

O homem terminou de enrolar o cigarro e perguntou:

- Poderia me emprestar o isqueiro?

O dono da tabacaria acendeu o cigarro do freguês que logo começou a fumar, dando tragadas profundas para sentir bem o gosto, como se realmente experimentasse o produto. Mas aconteceu que, no momento em que deu as primeiras tragadas no cigarro, começou a tossir bastante e forte. Com isso, acabou por soltar alguns ‘puns’ involuntários junto com o acesso de tosse.



Tanto o seu Celso quanto o dono da tabacaria observaram toda a cena em silêncio, pois a situação foi bastante embaraçosa.

Ao terminar de fumar tranqüilamente todo o cigarro, o freguês, confirmando a impressão que teve o dono do lugar, procurava encontrar uma desculpar para não comprar o fumo, pois tudo que ele queria já havia conseguido: ‘filar’ um cigarro.

Então, como desculpa para não comprar aquele fumo, passou a olhar em volta, como se procurasse outro, e disse:

- O senhor não teria um mais forte?

Ao que o dono da tabacaria respondeu:

- Ah, um que faça ‘obrar’ eu não tenho!

Constrangido, o ‘filante’ colocou-se na rua e desapareceu.

Quando Euchário contava esse acontecimento para o Bimbo, utilizou toda sua técnica de narração, caprichando nos detalhes, ressaltando gestos e entonações na voz. E o Bimbo escutou tudo aquilo e riram bastante. Logo mais Euchário levantou, despediu-se e foi embora.

Mas o Bimbo ficou ‘ruminando’ a história e imaginando a situação na tabacaria, com a lógica de seu dono que, se aquele fumo já havia feito o freguês soltar uns peidos, um mais forte acabaria em merda mesmo...

E continua pensando e relembrando dos gestos e da entonação do Euchário e teve um ataque de riso. Tenta segurar, pois não havia motivo aparente para dar gargalhadas estando sozinho. Começou a ficar agitado, passando mal e não cessava o acesso de riso, ficando até mesmo sem fôlego.

Dona Julieta, percebendo que algo acontecia, correu perto do marido e perguntou o que estava acontecendo. Bimbo nem conseguia falar, pois estava meio sem ar de tanto rir. Tremia e a única coisa que conseguiu dizer foi ‘Euchário’, ‘Euchário’.

Dona Julieta assustou-se, pensando que daquele momento Bimbo não passava. Corre pra cá e corre pra lá, Bimbo foi se acalmando e conseguiu explicar tudo que acontecia, que estava rindo da história que Euchário lhe contou.

No dia seguinte, quando tudo já estava de volta ao normal, Euchário retornou para outra visita. Mas encontrou dona Julieta que lhe pediu - pelo amor de Deus -, que não visitasse mais o Bimbo, pois mais uma história daquelas e ele não agüentaria.

10) A Circular de Tatuí

Tem muita gente que acha que “antigamente as coisas eram melhores que hoje”. Mas isso pode não corresponder à verdade e ser apenas uma manifestação da saudade do tempo em que não tinha ainda tantas dores no corpo, que tinha esperança de fazer isto e aquilo, que achava ser dono ou dona do mundo!!!

Os exemplos são incontáveis em todas as áreas, com exceção, é claro, dos aspectos físicos e pessoais de cada um... Com o passar do tempo todo homem deixa de ser um “gavião” para se transformar em um “condor”... com dor disto, com dor daquilo...

O que me veio à memória desta vez foi o serviço de Circular de Tatuí, que antigamente pertencia aos irmãos Nardão e Arlindo da Circular, dois dos homens mais trabalhadores e esforçados que já viveram nesta cidade!

O trajeto do serviço de Circular, com os dois irmãos, ia da Estação Ferroviária até o alto da Santa Cruz, passando pela Praça da Matriz, Largo do Mercado, parte do Boqueirão, Bairro 400... enfim, passava pelos locais mais importantes da cidade.

Entretanto, se o serviço pretendia atender aos requisitos dos passageiros, os veículos, para se dizer o mínimo, deixavam a desejar... Puxa, até nem combina a frase “deixavam a desejar” com os ônibus dos irmãos Nardo e Arlindo! Eram horríveis, feios, velhos, fedidos... qualquer adjetivo depreciativo combina mais que essa frase! Mas os dois irmãos tentavam fazer com que a prestação de serviço de transporte urbano de passageiros em Tatuí fosse um bom serviço, o que não acontecia. Se alguém tomasse o ônibus para ir até a Estação pegar um trem, provavelmente faria o resto da viagem com a roupa suja... a circular de Tatuí não perdoava ninguém: sujava homens, mulheres e crianças com seus bancos rasgados e encardidos.

Isso quando chegavam ao destino, pois a praxe era ficar pelo meio da viagem - quebravam o tempo todo.

Quebravam sim, mas não ficavam paradas, pois os dois irmãos, além de motoristas, eram mecânicos muito competentes e, com um pedaço de arame, alicate, martelo e chave de fenda faziam verdadeiros milagres! Enquanto existisse um pedaço de arame havia conserto e, claro, uma circular rodando em Tatuí.

Só que, como já falei, os ônibus eram horrorosos. A única coisa que não faltava no serviço de transporte urbano de passageiros era serviço para os dois irmãos. Passavam o dia todo fazendo mágicas pra dirigir aqueles museus ambulantes e a noite tinham que trocar a caixa de câmbio, o radiador, ou mesmo dar uma “retificadazinha” no motor.

O trabalho era incessante. Quem passasse a noite em frente à Estação Ferroviária poderia “assistir” ao Nardo ou o Arlindo fazendo reparos nos veículos... era lá, no pátio existente na frente da Estação que os ônibus “repousavam” do trabalho diurno e, quase todas as noites, sofriam os reparos necessários para mais um dia de trabalho (e novos problemas)...

Mas como um dos itens mais problemáticos era o aspecto externo, Nardão e Arlindo resolveram reformar um dos ônibus, para tentar melhorar a imagem da trabalhosa empresa de Circular.

Escolheram um dos veículos que não estava muito ruim, ou pelo menos, o menos ruim, e começaram a reformar... arruma aqui, arruma ali, remenda aqui e acolá... repara uma goteira ali – ah, isso sim, tinha aos montes... diziam que quando chovia, dentro dos ônibus molhava mais que na rua.

As ferramentas eram as de sempre: alicate, chave de fenda e martelo. O material também não fugia do velho e multifuncional arame. Mas precisavam pintar. Compraram tinta, mas não tinham compressor para pintura. Que fazer? As oficinas especializadas queriam cobrar um valor irreal para a receita dos irmãos. Improvisar foi a solução! Isso não era novidade, os ônibus utilizavam mais improvisação que combustível no dia-a-dia.

Bomba de Flit! Isso mesmo: pintar com bomba de Flit, aquele antigo veneno contra moscas, mosquitos e pernilongos.

A coisa era simples: temperava a tinta com thinner, bem fininha, colocava no depósito da bombinha e pronto, era só bombear...

O Pipa – quem se lembra da bicicletaria do Pipa? – sempre pintava bicicletas com “bomba de flit” e ficavam ótimas!

Mas bicicleta é uma coisa, ônibus é outra coisa! Outra coisa muito, mas muito maior! Nisso residia a dificuldade dos irmãos... A bomba de Flit tinha capacidade para pintar uma área muito reduzida... e o ônibus era imenso,

Bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear…

Essa foi a rotina durante incontáveis dias! BOMBEAR a danada bombinha de Flit!

Mas conseguiram pintar o ônibus inteiro... quer dizer, inteiro não, pois o teto não pintaram com a bombinha, “porque ninguém enxerga lá em cima mesmo...” alegaram!


Mas todo esse esforço teve uma conseqüência inesperada! De tanto esforço dedicado ao bombeamento desse equipamento, os dois, Nardão e Arlindo, ficaram com os braços engrossados... mais grossos que os braços do Popeye!!!

Duvidam de alguma coisa? O Arlindo da Circular, infelizmente já faleceu, mas o Nardão está vivo e muito bem de saúde... Ele pode confirmar toda esta história!

sábado, novembro 19, 2005

09) Impasse na procissão

Mas como aconteciam procissões antigamente!!! Parece que todo dia tinha procissão... quando menos eu esperava, lá de minha casa na Travessa da Matriz podia perceber que o João Sacristão já estava abrindo a porta lateral da igreja, todo afobado, correndo para andar e pra falar, ajeitando as coisas para mais uma procissão... Ele tinha motivo pra ficar todo apressado... o padre, com sua batina preta toda furada de brasas de cigarro, estava apressado, bravo, querendo que as coisas saíssem certas, ou seja, do jeito que ele queria que acontecessem.

As figuras eram sempre as mesmas... puxando a procissão vinham os Congregados Marianos, homens com o rosto comprido... uns quase santos. Tinha procissão que apenas dava uma volta na praça... outras iam mais longe, até o Largo do Mercado... outras até a igreja de São Roque, uma delas até o Asilo... Ah, essa deixou saudades, pois as ruas eram enfeitadas duas vezes:de manhã, quando ia da Matriz ao Asilo e à tardinha, quando voltava à Matriz.

Mas uma destas procissões extras ficou marcada. Aconteceu à noitinha. Não sei onde o padre arranjou uma lanterna com luzes coloridas, vermelha e verde, além da luz normal de farolete. Dessa vez ele não foi ele o padre que conduzia a procissão... nem me lembro mais quem foi... O cuidado com o trânsito procedia, pois, apesar de Tatuí contar com poucos veículos, sempre acontecia de um ou outro virar no sentido das procissões e atrapalhar.

O padre, com sua batina preta, foi na frente da procissão e, ao chegar nas esquinas, acendia a luz vermelha da lanterna para impedir o trânsito. Em seguida, acendia a verde para o lado da procissão... tudo muito bem organizado. Ele comandava tudo!

Seguia a procissão em toda sua galhardia... linda... os devotos rezavam e cantavam, sob as ordens dos congregados marianos: Avê, avê, avêêêê Marííía!!!. A banda, furiosa, dava o tom musical mais importante.

A banda que acompanhava as procissões, Banda Santa Cruz provavelmente, consistia de um ajuntamento de músicos amadores que não perdiam oportunidade de tocar. Era, no entanto, o cúmulo do ecumenismo, pois os mesmos músicos e instrumentos que tocavam nas procissões tocavam nos bailes, nos carnavais e até na zona... e o pior: tocavam sempre as mesmas músicas!!!

O baixo-tuba era nada menos que o Mé, cigano radicado em Tatuí, amante da música, considerado o melhor tocador de baixo-tuba do ramal de Itararé. E o Mé não perdia nem procissão e nem bailes no Clube do Toco ou na Vila do Céu... e ele não era exceção, era a própria regra!

Nessa noite inesquecível, com o padre coordenando o trânsito de Tatuí, a procissão seguia pela rua José Bonifácio, virando à esquerda na rua Juvenal de Campos... na esquina da Coronel Aureliano, vinha um ônibus, que o padre foi mandar seguir mais rapidamente, para não atrapalhar o andamento da procissão...

Só que naquela época a “circular” de Tatuí era uma coisa fenomenal... Os ônibus, chamados de “jardineiras”, eram Ford ou Chevrolet, uns ônibus da década de 1940 ou antes, provavelmente refugos de São Paulo... só para se ter uma idéia, se alguém estivesse em uma “circular” de Tatuí e chovesse, seria melhor descer e enfrentar a chuva diretamente que ficaria menos molhado. Chovia mais dentro que fora!

Daí que em vez de seguir, o ônibus resolveu encrencar no meio da rua... mais ou menos no meio da rua, pois somente seu “bico” estava na Juvenal de Campos. O padre ficou furioso! Correu perto do ônibus no momento em que a procissão já estava próxima... os primeiros das filas (haviam duas filas laterais que antecediam ao andor) já estava desviando do veículo...

O padre começou a gritar para o motorista: - Ô rapaz, toca essa jardineira! Toca a jardineira!!! Vai, vai... toca a jardineira!!!

Só que o pessoal da banda não havia percebido o impasse na esquina, pois vinham atrás do andor... ouviram parte do que o padre gritava: ...toca a jardineira!!!

Não tiveram dúvidas: o maestro deu a ordem e a banda começou a tocar: “ó jardineira porque estás tão triste?... mas o que foi que te aconteceu? ...foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu!!! Uma famosa marchinha de Carnaval, que contagiou beatas e outros acompanhantes da procissão!

E o Mé? Durante um lapso de tempo ficou perdido sem saber onde estava, onde tocava, se num clube ou numa igreja... e sapecou: PÓ-PÓ-PÓ-PÓ-PÓÓÓ!

O padre, no entanto, espumava de tão bravo que ficou... Justo nesse dia que ele pretendia organizar o tráfego para não atrapalhar o andamento da procissão acontece um – KKKKK! - desastre desses...

sexta-feira, novembro 18, 2005

08) A dieta do Dragão

Paulo Holtz estava muito gordo... um verdadeiro dragão, como seu apelido. Não em aspecto, pois era uma figura muito agradável, mas em voracidade. Tinha um apetite fenomenal. Seu apelido, Paulo Dragão, foi resultado de uma sociedade entre meu avô Tonico e seu Pedro, o pai de Paulo. Eles tinham uma firma chamada Campos & Holtz.

Nessa sociedade, entre 1905 e 1920, mais ou menos, eles tinham fábrica de gelo (em uma época em que não havia geladeira), fábrica de farinha (de milho e mandioca), beneficiamento de arroz, fábrica de chapéus, serraria, eram atacadistas de tecidos e de aguardente, fabricavam sabão (Sabão Girassol, era a marca) e torrefação e moagem de café (produziam o Café Dragão). O apelido Dragão é herança do pó-de-café “DRAGÃO”.
Como já falei, Paulo estava gordo e isso estava deixando dona Totinha, sua esposa, muito preocupada. Ela, mulher ligada aos esportes, professora de ginástica no Ginásio de Tatuí, não se conformava com o que estava se transformando aquele dragão. Não custa lembrar que Paulo era primo do Euchário, filósofo alemão nascido e criado em Tatuí.

Dona Totinha deu um “aperto” no Paulo e estipulou uma dieta rigorosa que, muito a contragosto, ele passou a seguir: uma fatia de torrada com uma xícara de chá como desjejum. No almoço, um bifezinho mixuruca com duas rodelas de tomate e uma folha de alface. Podia, se quisesse, tomar uma xícara de chá, sem açúcar... E no jantar? Jantar? Não dá pra chamar com esse nome o pedaço de queijo fresco, a torrada e o copo de suco de laranja...

Só que o Paulo Dragão passou a seguir a dieta direitinho. Comia aquelas coisinhas preparadas por sua esposa e parecia satisfeito. Nem reclamava mais.

Não reclamava, mas não emagrecia! Nem um grama!!!!

Ao comentar com algumas pessoas que Paulo fazia dieta mas não emagrecia, chegou-se a conclusão que havia muita reserva de gordura em seu corpo, mas isso seria apenas uma questão de tempo, pois logo seu organismo passaria a consumir o excesso e, só então, emagreceria.

O regime do Paulo já tinha mais de um mês. Não havia emagrecido, mas dona Totinha mantinha sua convicção que era apenas uma questão de tempo e logo aquele depósito adiposo passaria a ser consumido...

Uma noite passeavam pela Praça da Matriz, que nessa ocasião chamava-se Praça Fernando Prestes. Passaram em frente ao Hotel Del Fiol, onde, conforme sua propaganda dizia, a “elite se encontrava”.

Dona Yolanda Del Fiol, ao ver o casal na praça, atravessou a rua, toda alegre, e veio ao encontro. Paulo bem que tentou desviar, mas não conseguiu...

- Que bom que você sarou, Totinha! - disse dona Yolanda.

- Mas eu não estava doente!!! - respondeu dona Totinha.

- Mas como? O Paulo tem almoçado e jantado no Hotel dizendo que você não pode lidar com a cozinha, pois está doente!!!

- Ah, então era isso!!! Não era à toa que o danado não emagrecia... pelo contrário, estava engordando!!! Ah, você me paga!!!

O Paulo seguia a risca a dieta que lhe foi imposta, mas almoçava e jantava no Hotel Del Fiol todos os dias, sem deixar de lado nem mesmo a sobremesa, geralmente banana com goiabada ou pudim de pão...

É, tinha tudo mesmo para ser primo do Euchário.

segunda-feira, novembro 14, 2005

07) O tatuiano que foi beijado por Greta Garbo

Cincinato recebeu o apelido de Tintim devido a sua semelhança com o herói juvenil de Hergé (Tin Tin), de pequena estatura e com cara de mocinho. E o nosso herói tatuiano, Tintim, recebeu um beijo de Greta Garbo! Vou contar o fato:

Tintim foi, durante muitos anos, motorista particular de uma abastada família paulistana e, com isto, viajava diversas vezes ao Rio de Janeiro, sendo que seus patrões hospedavam-se costumeiramente no Copacabana Palace.

Nosso herói, assim como outros motoristas, ficavam também hospedados lá, em acomodações especialmente designadas para o pessoal de serviço.
Junto com os outros colegas que por lá estavam, aguardando ordens de seus patrões, Tintim ziguezagueava pelo Copa. Conversa aqui, olha ali... Descansa os olhos vendo o mar... Já estava familiarizado por lá, tantas foram suas viagens ao Rio (hospedando-se no Copa, sempre).

Percebeu que desta vez, porém, havia algo diferente, pois havia uma pequena multidão na frente do hotel, esperando que alguém aparecesse... Informou-se e ficou sabendo que estava hospedada lá, nada menos que Greta Garbo, a mais famosa atriz de Hollywood de todos os tempos. Tintim ficou todo assanhado, queria também ver Greta Garbo para poder conferir sua beleza. Havia assistido a seus filmes, era um fã fervoroso. Pudera, aquela mulher era maravilhosa, lindíssima, e a mídia explorava tudo de forma a valorizar e endeusar as divas hollywoodianas...

Informou-se com o pessoal de serviço, com quem já tinha amizade, pois suas viagens ao Rio, hospedando-se no Copacabana Palace eram freqüentes, ficando sabendo o horário em que Greta Garbo iria aparecer no hall, para atender alguns fotógrafos e repórteres brasileiros.

Exatamente no horário que a atriz ia aparecer, seus patrões resolveram que iam ao Cassino da Urca e avisaram Tintim... Ele ficou inconsolável, pois desejava realmente ver de perto a garbosa deusa. Fez lá seus planos e levou o casal de patrões ao cassino, voltando imediatamente ao hotel, mesmo que estes recomendassem que aguardasse no cassino, pois não pretendiam demorar ali.

Mas Tintim estava com o sangue fervendo... Não ia perder a oportunidade de conhecer pessoalmente Greta Garbo! Ele pensava em seus amigos tatuianos: Quem, de Tatuí, poderia imaginar encontrar uma mulher destas?

E assim, voltou ao Copa e ficou de tocaia esperando que a atriz surgisse. Parecia até um sonho... um sonho maravilhoso.

Não esperou muito, logo percebeu um burburinho e foi ver. Lá estava ela, com um sapato de salto alto, meias escuras, vestido claro, rodeada de pessoas... pouca coisa conseguia ver, mas era muito mais que qualquer outro tatuiano viu, e era isso que importava...

Os repórteres indagavam perguntas que se tornaram clássicas: - Que você achou do Brasil? – O Rio de Janeiro é lindo? E Garbo, toda charmosa, respondia: - Oh, yes!
- Uau! Ela gostou do Brasil!!!! Adorou o Rio! Exclamavam aqueles que estavam por ali...

Alguns minutos depois encerrou a entrevista alegando cansaço – não é pra menos, havia respondido cinco vezes “yes”!!! e duas vezes “no”... Falou até que o Rio era “beautiful”!!!

Quando retornava aos seus aposentos passou próximo de Tintim e de outros que ali estava a espiar. Quis saber quem era aquele pessoal que ficou por ali. Tintim, enchendo-se de coragem disse que era um fã de Greta Garbo e que havia assistido a seus filmes. Uau! Acho que ninguém tinha dito isso para ela antes, pois quando o intérprete traduziu o que disse nosso herói, ela ficou tão entusiasmada, talvez devido à sua semelhança com o herói francês, que lhe deu um delicioso e inesquecível beijo no rosto... O rosto do Tintim estava totalmente pálido, estava assustado com a situação... mas havia lá, com o vermelho do batom, a marca dos lábios de Greta Garbo, a deusa de Hollywood.

Não acreditou? Tintim, pessoalmente, repetiu para mim este acontecimento diversas ocasiões, sempre repetindo como sucederam os fatos exatamente da mesma forma... Se fosse uma mentira, provavelmente teria modificado alguma coisa em cada vez que contasse. Tintim faleceu com 92 anos de idade, levando consigo a lembrança do beijo de Greta Garbo!

quarta-feira, novembro 02, 2005

06) As bombinhas do Ernestino

Durante muitos anos, vovô Ernestino teve um armazém na esquina da Rua José Bonifácio com a Praça Paulo Setúbal. Seus fregueses eram, na maioria, funcionários da Fábrica Campos & Irmãos (Santa Izabel) e da Fiação Santa Adélia e compravam sempre no sistema de Cadernetas, atualmente em desuso.

A cidade tinha diversos armazéns, uns maiores e outros menores, mas sempre com o mesmo sistema de Caderneta. As pessoas compravam, a maior parte com pagamento mensal e marcavam tudo nas cadernetas. No dia do pagamento, o comerciante costumava presentear os fregueses com um doce, geralmente uma lata de goiabada. Tinha ainda os fregueses agricultores, que iam comprando e pagavam nas safras... uma vez por ano!

Hoje tudo mudou, o freguês virou cliente e a caderneta transformou-se em cartão de crédito ou de débito... e o armazém virou supermercado. Nos supermercados, que levaram os armazéns à extinção, o sistema mais comum de pagamento é à vista.

Depois de alguns anos no ramo, vovô acabou parando com o armazém, sei lá por quais motivos, mas o principal é que estava já velho, passando a cuidar de outras atividades. Acho que não agüentava mais ficar preso atrás de um balcão e, assim, cuidava de dois sítios que tinha no município de Sarapuí.

Mas nunca parou de negociar. Acho que estava no sangue. Sempre havia uma bicicleta velha, uma máquina de costura, um pilão, uma sanfona ou um carro velho pra negociar. Era engraçado quando ele pegava uma bicicleta toda enferrujada e pintava tudo, pintura a pincel, grosseira, e o aro e guidom, pintava com uma tinta prateada. Depois argumentava com os fregueses:

- Ah, tá tudo cromadinho!

Um dia eu passei em sua casa e ele estava “remendando” um Corcel com papelão e massa plástica. O carro tinha uns buracos enormes na lataria. Falei pra ele que o carro estava muito ruim, mas ele respondeu:

- Quem quer comprar carro não pode ficar olhando pra essas “coisinhas”!

E dito e feito. Vendeu o Corcel remendado em poucos dias. Esse carro foi ainda trabalhar como táxi no ponto do Bairro 400 durante uns anos, sempre carregando os remendos de papelão e massa plástica que vovô fez.

Dentre as coisas que ele continuava a negociar, estavam os fogos de artifício. Ele vendia rojões, bombas, bombinhas e qualquer outro tipo de fogos. Cada comemoração, cada acontecimento, as pessoas corriam até sua casa pra comprar rojões.

Mas aconteceu, em um ano, que sobraram muitos fogos e ele guardou para a temporada seguinte. A época das festas juninas era a principal ocasião da venda de fogos.

Quando no ano seguinte chegou a “época das bombinhas”, ele passou a vender o estoque guardado. Mas a coisa não estava funcionando direito. Iam soltar uma bombinha e shhhhhhhhhh... puffff. Falhava! Não funcionava...



Todos os fogos estavam com um pouco de umidade, pois seu acondicionamento não foi bem feito. A propaganda dos Fogos Caramuru dizia que nunca davam “xabú”, ou seja, nunca falhavam. Mas os fogos que vovô estava vendendo falhavam, só davam xabú!

Mas isso não era problema pra ele... que “cromava” aros de bicicleta com tinta prateada e consertava lataria de Corcel com papelão e massa plástica. Teve uma idéia para secar tudo aquilo rapidamente, pois a freguesia estava ansiosa pelos rojões e bombinhas.

Pegou uma bacia enorme e foi abrindo caixas e mais caixas de bombinhas (cada uma delas tem 1 centena). E fez uma montanha de bombas, bombinhas, bombonas, rojões de 1 tiro e de 3 tiros, busca-pés com e sem bomba, estalinhos, vulcõezinhos, chuva de prata, chuva de ouro e todas as espécies de fogos que tinha em seu estoque.

Colocou a bacia sobre o fogão a gás de vovó e acendeu os quatro bicos pra secar o mais rápido possível.

Aiaiai! Nem dá pra descrever!!! O “show pirotécnico” que aconteceu na cozinha da minha avó, proporcionalmente foi maior que os do reveillon carioca... Aquilo foi bomba, bombinha e bombona explodindo sucessivamente. Os busca-pés encheram o céu da cozinha, parecia um ataque aéreo... Zuummmm! Bummmm! BUUUUUMM! Fiuuuummmmmmm!!!! Shhhhhhhhhhhhhh BUUUUUUUUUUUUUM!

Vovô correu e pegou a bacia protegendo suas mãos com um saco de linhagem, jogando tudo fora, no quintal. Mas o barulho estava cada vez maior. Cada vez mais estouravam os fogos alimentados pelo fogo que passava de um para outro... BUUUUUUUUMMM!

Gente aparecia de longe. O barulho assustou as pessoas dos quarteirões vizinhos, que correram pra lá, alarmados com o barulho e com a fumaça. Apareceu gente de longe...

Em todo caso, não dá pra dizer que a idéia de vovô, de secar alguns milhares de bombinhas com o fogão a gás foi uma idéia errada: TODOS OS FOGOS SECARAM E FUNCIONARAM!

terça-feira, novembro 01, 2005

05) Viajando de Thornycroft

Na década de 1950 as estradas brasileiras eram praticamente todas sem pavimentação, estradas apenas pedregulhadas. Isso ainda era privilégio dos principais caminhos. Qualquer viagem, por menor que fosse, era uma aventura: não dava pra ter certeza de sua duração e nem mesmo se dava pra chegar no destino, pois as pontes, todas de madeira, muitas vezes caíam, interrompendo o trânsito durante dias.

Uma viagem de Tatuí até o norte do Paraná, que estava sendo desbravado nessa época, não podia ser diferente: uma aventura de cerca de 10 dias de duração, considerando a ida e volta. A coisa era uma sucessão de socos, lama, areião, poeira, socos, chuva, atravessar rios sem pontes, pelo meio da água ou em balsas.

Com estas estradas maravilhosas, os Thornycrofts da serraria de vovô Tonico eram um sucesso. Com sua espantosa velocidade (o mais rápido deles, o Trident, chegava a impressionantes 60 km/hora enquanto que o Trust não passava de 55 km/h) viajavam horas e horas sem parar, enfrentando poeira, chuva, buracos, água, lama, areia...
Os caminhões eram verdes e no capô estava escrito

“Serraria São Francisco Ltda.”
T A T U H Y

Esta foto mostra um Thornycroft Trident como vinha para o Brasil, montado mas sem cabine, que era feita aqui.


Viajavam em duplas. Iam ao norte do Paraná pra buscar madeira. Os dois Thornycrofts: o Trident e o Trust (estes eram seus modelos) podem ser vistos hoje no Posto 3 Irmãos do Manivela. Ele reformou os dois e estão se apresentando com sucesso em todos os encontros de veículos antigos.

Uma coisa interessante dessa época é que quase não havia caminhão movido a óleo diesel. Era tudo a gasolina. Com isto, de Tatuí até o norte do Paraná não tinha como abastecer. Assim, de vez em quando um dos caminhões, geralmente o Trident, que era o modelo menor, ia a São Paulo comprar alguns tambores de óleo diesel. Cada viagem o caminhão tinha que sair com combustível para a viagem de ida e de volta. Não tinha como abastecer no caminho.
Hoje os dois Thornycrofts estão pintados de vermelho.

Também os lugares para comer eram poucos em toda extensão do caminho. O que ajudava é que as estradas não se desviavam das cidades, como acontece hoje. A estrada passava por dentro de Itapetininga, de Angatuba, Piraju, etc. e tal. Mas haviam trechos quase sem cidades e sem restaurantes.

Os motoristas dos caminhões eram: meu tio José Luciano e, às vezes, meu pai ou o Renato Moreira. Cada um viajava com um ajudante, geralmente o Adolfo Lencione, o Américo, português da Ponta da Régua... As coisas que os uniam eram o ânimo de viajar por caminhos inóspitos e os restaurantes que encontravam pelo caminho.

Em uma dessas viagens, descobriram um restaurante à beira da estrada que cobrava um valor fixo pela refeição e permitia que repetissem a vontade. Mais ou menos como hoje funciona o sistema de rodízio ou o self-service...

E o tal restaurante servia uma refeição muito boa. Só que a fome de José Luciano, Renato Moreira, Toninho Luciano, Adolfo Lencione e do Américo não eram saciadas com muita facilidade.

Repetiam inúmeras vezes. Para piorar a coisa, meu tio não tomava nada mais que água fresca... Sem bebida o lucro do restaurante ficava reduzido... e só água de poço, pois nem havia água mineral pra vender... Seu apelido de Zé Boi não era em vão, ele fazia por merecer!!!

- Mais arroz! Mais feijão! Mais carne! Mais isto e mais aquilo! E mais uma jarra de água fresca!!!

Foram uma, duas, três vezes no restaurante em algumas viagens, na ida e na volta. Deixavam de comer em outros restaurantes para comer lá. Aproveitavam pra ir com bastante fome e descontar tudo por lá, pois o preço era fixo.

Pois bem, em uma das viagens deixaram de comer lá pelas 10 horas da manhã quando passaram por uma cidadezinha, imaginando que chegariam ao tal restaurante perto das 2 da tarde. E quando chegassem iriam ”tirar a barriga da miséria”, literalmente.

Chegaram lá e encontraram o restaurante fechado. Ficaram com uma fome danada, pois o próximo restaurante estava a mais de 2 horas dali. Na volta, deixaram novamente para comer lá, imaginando que haviam chegado tarde naquele outro dia.

Mas encontraram o restaurante fechado. Estranharam, como na primeira vez, que saía fumaça da chaminé e tinha um Ford e um Chevrolet parados por lá. Bateram à porta, mas ninguém abriu. Foram embora todos em jejum.

Na viagem seguinte tudo aconteceu da mesma forma, mas na volta descobriram o mistério: quando o dono do restaurante escutava o barulho inconfundível dos Thornycrofts, ruído de motor diesel com escapamento sem silenciador, corria pra fechar o restaurante.

O restaurante estava localizado em um morro, permitindo que de lá fosse possível observar o movimento da estrada. E com o seu barulho inconfundível e os únicos camihões dessa marca existentes na região, um Thornycroft não passava despercebido.

O sistema do restaurante: pague e coma a vontade poderia dar certo com todos os outros clientes, mas meu tio, meu pai, o Renato, o Adolfo e o Américo comiam tanto que davam um prejuízo tremendo, fazendo com que o dono fechasse o restaurante e ficasse quietinho lá dentro, pedindo para os outros fregueses que por lá estivessem - pelo amor de Deus - que também ficassem quietos, até o o ruído dos Thornycrofts desaparecer ao longe...
Nesta foto, está o Thornycroft Trust.

sexta-feira, setembro 02, 2005

04) Tibones, filés e multas

Era sábado e eu marquei almoço com o Thiers, Thony Guedes (com agá e ypisolon) e mais uma pessoa que tem letras duplas em seu nome (assim como buRRo, que tem dois eRRes). Marcamos encontro na praça da Matriz, mas atrasei e eles já haviam saído. Liguei para o celular do Thiers e pedi que aguardassem uns minutos, que logo eu estaria lá.

Peguei a rua Onze de Agosto e estava indo para o restaurante... Quando entrei na pista dupla da rua, escutei a sirene dos bombeiros, sinalizando para me ultrapassar. Vruum! Passaram rapidamente, indo atender alguma emergência.
Como Tatuí passou tantos anos sem bombeiros? Esse pessoal trabalha todos os dias em atendimentos de todos os tipos. Parece incrível, mas as pessoas sempre “inventam” uma nova maneira de entrar em dificuldades e, daí, só mesmo chamando os bombeiros.

Essa profissão não é pra qualquer um... é preciso ter preparo físico, treinamento e vocação, é... sem vocação não dá para sem um bombeiro. Além disso, uma pessoa que vive de ajudar outros tem de ser “do bem”. Não há outra forma.

Enquanto pensava, passei por um posto de gasolina fechado e vi um vulto sorrateiro escondendo-se na rua... prestei mais atenção, pois aquele andar furtivo, agachado, parecia um gato “fechando” um rato. Quando cheguei perto percebi a razão daquele comportamento: era o responsável pelo radar móvel. Olhei com atenção e lá estava o aparelho, disfarçado e camuflado. O motorista descuida um pouquinho e, pimba, lá vai multa.

A comparação foi inevitável: depois de ver os bombeiros, considerar o trabalho que fazem, o esforço e o risco que sua profissão requer, aparece isto. É certo que o trânsito deve ser organizado e fiscalizado, mas naquele momento, depois de ver os bombeiros correndo para atender alguma necessidade, operadores de radar estavam em desvantagem nas comparações.

Pensei nas exigências feitas para admitir um bombeiro e imaginei que também, no caso do radar, algumas exigências existem. Ainda mais hoje, que as empresas buscam ajustar as características pessoais de seus funcionários com as tarefas a serem cumpridas. Fiquei curioso em conhecer as respostas dadas pelos candidatos a operador de radar móvel no momento da entrevista de emprego. Quais seriam os valores e as vocações consideradas nessa entrevista?


Nesse momento cheguei ao restaurante. Agora em diante as preocupações eram sobre assuntos bovinos, não mais de comportamento humano. Quer dizer, assuntos bovinos para três, pois o quarto integrante estava mais interessado em peixe assado e, principalmente, em ser visto por lá.

E os bombeiros, será que foram multados? Deixa pra lá, o tibone chegou.

03) Tatuí faz progresso com alta tecnologia em pesquisas biomitológicas

Segundo meu grande amigo José Cabreira, Tatuí está na vanguarda da pesquisa biomítica, uma área pouco explorada e que pode render frutos importantes tanto em termos econômicos quanto na promoção da cidade.

Trata-se de algo inovador, que nem mesmo os principais países desenvolvidos conseguiram obter sucesso, apesar da literatura norte-americana apresentar alguns casos que se assemelham tanto no aspecto mítico quanto biológico. Entretanto, essa literatura está restrita à Editora Marvel.

Em Tatuí, a pesquisa envolve aspectos folclóricos e científicos, criando grandes expectativas econômicas. Trata-se da única criação de sacis que se conhece. Um plantel de mais de 10 mil espécimes, de todos os tipos, predominando a criação de sacis loiros, uma exigência para entrar no mercado europeu.

A Alemanha, um dos países interessados na aquisição de sacis, exigiu que os sacis para lá destinados fossem loiros. Além disto, pedem que sejam treinados para servir como garçons, devido à grande agilidade do bichinho em deslocar-se entre mesas com espaços exíguos. O plantel de sacis tatuianos conta com exemplares negros (os sacis originais), loiros e asiáticos, buscando, com isto, atender a todo tipo de solicitação.



Paralelamente à criação de sacis, desenvolveram-se no município de Tatuí diversas atividades complementares, gerando centenas de empregos e possibilitando melhor distribuição de renda e, ainda, aproveitando a mão-de-obra ociosa, que foi submetida a prévio treinamento, pois não se encontrou em nenhum lugar do planeta mão-de-obra especializada em criação de sacis. Já se pensa em instalar um curso técnico em Criação de Sacis, na Escola Salles Gomes.

As atividades econômicas complementares diretas e indiretas já respondem por importante parcela do PIB tatuiano e compreendem:

1) Criação de carrapatos – a alimentação dos sacis tem como base a farinha de carrapatos. Talvez devido sua grande influência no folclore nordestino, aprendeu a comer tudo com farinha: café com farinha, goiaba com farinha, laranjada com farinha. Mas é exigente e só come farinha de carrapatos.

2) Vestuário – inúmeras confecções surgiram para fazer as roupas dos sacis, adequando-as para cada destinação do espécime: garçom, barman, cozinheiro, porteiro, ajudante de serviços gerais e o modelo mais recente:pagodeiro.

3) Calçados – diversas sapatarias puseram-se a fazer os sapatos para sacis, que não é nem pé direito e nem esquerdo... é um pé “tipo pé de centro”, para o qual não havia sapatos em nenhum fabricante. Estima-se que a produção de sapatos para sacis possa atingir em médio prazo a 100 mil pés por ano, gerando renda e trabalho para a população tatuiana.

4) Serviços complementares – muitos profissionais passaram a dedicarem-se somente ao saci: manicures, cabeleireiros, maquiadores, professores de línguas estrangeiras (inglês, alemão, francês, italiano e japonês, principalmente), enfermeiros, trainners, etc.

Empresas de saúde também criaram planos exclusivos para sacis, como a Sacimed, explorando todas as possibilidades que se apresentam nessa área. Também as seguradoras e instituições bancárias criaram produtos exclusivos para atender aos sacis que irão trabalhar no exterior. O Banco do Brasil pretende abrir uma agência em Berlim só para captar os envios de euros dos sacis que trabalham em território alemão.

O Itamaraty criou a Divisão Saci, visando atender aos sacis brasileiros espalhados pelo mundo. Sabe-se que eles sofrem pressão em determinados locais, pois o espécime é um tanto atrevido e agrada as mulheres, que logo caem de paixão pelo bichinho, deixando seus maridos loucos de ciúme.

Percebe-se que a atividade tem ainda muito que expandir, colocando o município de Tatuí na vanguarda da pesquisa biomítica mundial, com resultados expressivos para a economia local.

Espera-se que as autoridades municipais e estaduais criem condições para a expansão da criação de sacis, fomentando o desenvolvimento regional, instalando escolas para sacis e treinamento de mão-de-obra para a criação do bichinho.

Mas pensando bem, Tatuí está mesmo precisando de algo que possa incrementar sua economia, gerar empregos e renda, pois é uma das cidades mais pobres da região. Nem que fosse mesmo criação de sacis!

quinta-feira, julho 28, 2005

02) Almôndegas eucharianas

Se havia alguma coisa que Euchário gostava, além do whisky, chamava-se salgadinho. E de todos os tipos. Sabia onde tinham os melhores: a melhor coxinha, a melhor empadinha, o melhor quibe, a melhor esfirra... Poderia dizer com precisão as especialidades de todos os botequins de Tatuí, além do centro de São Paulo e da orla do Rio de Janeiro.

Claro que todos, ao experimentarem algum novo salgadinho em qualquer lugar, lembravam de contar ao Euchário, que na primeira oportunidade ia conferir o petisco.

Um dia, o Tacitinho contou para o Euchário que havia experimentado umas almôndegas sensacionais em uma viagem que fez uns dias antes. Quando ele contava sobre as tais almôndegas a boca do Eucário encheu-se de saliva. Acho que todo o sistema digestivo dele começou a funcionar mesmo sem comer.

A expressão de entusiasmo que fez levou Tacitinho a convidá-lo comer aquela maravilha na primeira oportunidade.

Tacitinho nunca foi um motorista muito bom, mas sempre teve uma grande vantagem sobre outros maus motoristas: ele arranjava alguém para guiar seu carro em seus passeios. Se todos maus motoristas fizessem assim restariam poucos automóveis nas ruas e estradas...

Um belo dia apareceu o Tacitinho com seu carro, dirigido pelo Anjinho.

- “Vamos comer aquelas almôndegas?”, perguntou.

- “Mas é claro, vamos lá!”, respondeu Euchário, que logo pois-se a subir no Fusca, gemendo:

-"Ai! Ô márdição! Ui! Márdita barriga! Ai! Márdita hérnia! Ufa! Márdito Fusca!" Com aquele porte físico, qualquer coisa além de dormir, para Euchário, era um sacrifício. Mas enfim, depois de muitos aiaiaís, acomodou-se no banco e partiram.

Naquela manhã Euchário tomou uns whiskys para abrir o apetite para o almoço e já estava a “cem por hora”. Nesse estado não pode perceber que tanto o Tacitinho quanto o Anjinho já estavam a uns “duzentos por hora”.

Lá foram eles pela estrada a fora!!! Entram na Castelo Branco e passam Cesário Lange, passam Porangaba e toma quilômetros... e rodam, rodam, passam Pardinho e passa também o efeito do whisky que Euchário tomou. Logo adiante, uns bons quilômetros de Pardinho, param e entram em um boteco mixuruca.

- “É aqui!”, disseram.

Ao entrar foram examinados da cabeça aos pés pelos que lá estavam. Alguns riam da dificuldade com que todos saíram do Fusca, pois as horas que levaram na viagem parecia ter travado todo o corpo. Mas a dificuldade do Euchário era muito, mas muito maior que dos demais. Aquele corpinho dava um trabalhão...

Tacitinho foi logo pedindo:

- “Garçom, traz meia dúzia de almôndegas, estamos todos com fome!”.

Em uma rápida análise da situação, Euchário arremata a aventura dizendo, com sua filosofia eucariana:

- “Ô mardição!” gritou, “Viajar tanto para comer umas almôndegas... Com o que gastamos dá pra comprar uma bacia de filé mignon e fazer uma super almôndega em casa mesmo!”.

- “Ah, se eu tivesse um armamento!”.

Aquilo intrigou o garçom, que perguntou:

- “O senhor pretende atirar em seus amigos?”.

- “Não! Eu quero dar um tiro no ouvido por ter viajado 200 quilômetros pra comer duas almôndegas!”.

01) O dia em que Jô Soares esteve em Tatuí

O barulho da multidão que se aglomerava nas proximidades do Conservatório era imenso, todos falavam juntos, ninguém entendia ninguém. Também pudera, Jô Soares em Tatuí! É um acontecimento para entrar na história. "Ele vem entrevistar alguém aqui?" perguntou uma mulher. "Não, ele vai fazer seu show no teatro do conservatório" explicaram.

"Estou na fila desde ontem, não quero perder o Jô de forma alguma" - disse uma senhora que estava no início da fila. "E olhe aí, já tem umas 50 pessoas na minha frente", completou.

E o falatório prosseguia intenso. Afinal o Jô estaria em Tatuí e, imenso como é, provocaria mesmo tal falatório... "Ele já está no hotel" - disse alguém. "O Sexteto também veio, eu sei disso porque o Derico exigiu uma cabeleireira para lavar e pentear seu cabelo... foi a minha cunhada quem fez o tal serviço", completou.

"Não me diga!" - outro falou - "E ela viu o Jô?" "O Jô ela não viu, mas ai... nem queira saber... a coitada passou mal por lá!" - continuou falando o tal: "O Derico queria que lhe fizessem massagem capilar. Ela teve um ataque de riso... riu sem parar quase até faltar fôlego, foi preciso até tomar calmante", e continuou: “O cara não tem cabelo, mas o ”rabicho” que sobrou trata como um bibelô!”

“Artista é assim mesmo, gostam de inventar umas coisas só pra dar o que falar!”, disse um cara-de-intelectual que por ali chegava. “Por falar nisso, ouviu algo sobre a lista de exigências que o Jô mandou para o hotel?”, perguntou o mais entusiasmado daquele grupo.

“Ah, não foram poucas... água mineral francesa, arranjo de frutas, feijão gelado e azeite extra-virgem... As frutas são apenas para enfeitar, pois ele come só doces e chocolates...” “Pudera!” - comentou alguém - “...a única vez que emagreceu perdeu a graça...”

Fomos até a Praça da Matriz para ver o movimento e logo percebemos um zunzunzum danado: “O quê está acontecendo naquela aglomeração?”, perguntei. “É o Derico que está soltando o rabo!” - respondeu alguém... “UAU!”, resmunguei, nem sabia que ele era gay!!! Quem iria imaginar uma coisa dessas e ainda fazer isso em praça pública!” “Não é nada disso, ele soltou o cabelo, o rabicho...”. “Ah, bom!”

Havia em um outro lado da praça, uma aglomeração de protótipos de guitarristas junto ao Tomati, pedindo dicas sobre o instrumento.

O Bira, quando saiu do Hotel Del Fiol, parecia um lorde: vestia-se muito bem, calça social, camisa e pulôver. Mas trazia no semblante um ar preocupado. Olhava para todos os lados, como se buscasse algo muito importante. Logo desceu para os lados do Mercadão. Em pouco tempo o Bira estava enturmado num boteco atrás do Mercado Municipal. Cachaceiro dos bons, esse Bira! Ainda mais que convidava todos os pinguços de plantão a beber...
O interessante é que aquele homem, que reclamou que a toalha do hotel tinha uma pequena mancha, bebia no mesmo copo daqueles bebuns sujos e fedorentos... E estavam todos muito alegres por lá... Manézinho “meia-garrafa”, Kike, João Bituca, Bira... Abraçados cantavam a uma só voz “a marvada pinga”!

Já o maestro parecia estar no paraíso, todo feliz e tomando só Coca-Cola...

Entretanto, nem tudo corria bem... Havia um problema e não era pequeno... Não havia, na cidade toda, uma cadeira que “acomodasse” Jô Soares. As dimensões de seu traseiro exigiam uma cadeira maior que o normal. Por sorte, alguém lembrou que na faculdade tinha uma tipo "king size" que servia para ele. Foram buscar e o problema foi contornado...

E assim correu o dia todo: agitadíssimo! Até que o tempo passou e chegou a hora esperada. Todos buscavam seus lugares no teatro do Conservatório. Lotado! As pessoas que ficaram do lado de fora tinham ainda esperança de que o Jô, movido pela compaixão, fizesse um show extra para atender todo aquele povaréu. Gritavam todos pedindo que arrumassem um "DataShow" para que o pessoal do lado de fora também pudesse assistir ao Jô. Estavam dando os últimos retoques para ajeitar o telão...

O Sexteto entrou no palco e começou se arrumar para tocar. Eu fiquei analisando como o Bira conseguia ficar em pé depois de tomar tanta cachaça...

O zunzunzum não cessava! Não dava nem mesmo para atrasar a entrada de Jô Soares, tamanha a expectativa das pessoas.

E ouviu-se um sinal, era a deixa para a entrada de Jô, e... Uhhhhh! Apagaram-se todas as luzes.

Inicialmente pensou-se que era uma estratégia do artista para que, ficando tudo no escuro, fosse aceso apenas um holofote que enfocasse sua pessoa no centro palco eum jogo de luzes fizesse parecer que sua silueta fosse menor que o tamanho real.

Mas nada... passou um minuto, dois, cinco... lanternas apareceram com os funcionários do Conservatório e o ar-condicionado parou de funcionar. Mais dez minutos e nada! O calor começava a ficar preocupante. Foram abertas as portas para circular o ar.

O pessoal do lado de fora também estava no escuro. O burburinho da multidão aumentava cada vez mais.

E a luz? Nada!

Ligaram para a Elektro e a resposta foi inacreditável: havia caído todo o sistema elétrico de grande parte do Brasil e ninguém pode prever quando voltaria novamente. Esse fato ficou conhecido como o APAGÃO, cujos resultados até hoje são sentidos nas contas de energia elétrica de todos.

E o Jô?

Enquanto as pessoas esperavam que a luz voltasse e as coisas pudessem seguir em frente, o Jô, que não é bobo, sabendo da impossibilidade do retorno da energia elétrica, já estava em seu carro rumando para São Paulo.

Essa data, 11 de março de 1999, será sempre lembrada como o dia em que Jô Soares veio a Tatuí, ou a noite do apagão. Em Tatuí, conhecida como a Noite do Fiasco! Nessa ocasião, 13 estados ficaram no escuro, pois caiu o sistema elétrico no sudeste, sul, centro-oeste e até mesmo nordeste.

Este foi o maior vexame acontecido em Tatuí nos últimos anos! Estamos todos esperando o retorno do Jô, que ainda nem mesmo devolveu o dinheiro dos ingressos! Fiasco Total!

Tatuí é uma cidade do interior de São Paulo onde ocorrem inusitadas aventuras com seus habitantes, conhecidas como "causos" (e nem sempre correspondem à verdade).
Entretanto, se não se trata do fogo é a fumaça!
Alguma coisa pode ser corresponder à realidade mas, se não der para crer, pelo menos dá para rir à vontade!!!