domingo, dezembro 14, 2008

72) El hombre que se ríe del amor

Rafael Sangrador é um artista tatuiano nascido na Espanha. Ele é tatuiano por diversas razões, inclusive devido ao fato de ter recebido um título de Cidadão Tatuiano. Substituiu “el hombre que se ríe del amor”, outro interessante espanhol que o antecedeu em Tatuí.

El Sangrador

Mas, apesar de viver no Brasil mais da metade de sua vida, não conseguiu aprender falar o português corretamente e, para piorar, esqueceu o espanhol. Fala um dialeto confuso e enrolado que pode ser definido como portunhol, uma mistura sem regras do português com o espanhol. Uma embrulhada só, mas que com isso consegue se comunicar por aqui.

Por aqui com brasileiros, claro, porque ao conversar com um argentino, falando apenas espanhol, não aconteceu um nível pleno de comunicação, pois ao mesmo tempo em que o argentino não entendeu seu espanhol misturado com expressões do português, ele não entendeu o argentino, pois este falava corretamente o espanhol, idioma que Rafael esqueceu.

Só que ele não admite isso. Pensa que fala fluentemente tanto o português quanto o espanhol. Fica bravo quando ouve qualquer menção ao seu dialeto... Um dialeto que destrói qualquer palavra que tenha em uma de suas sílabas o som de “zê”. Parece brincadeira. Um homem que consegue pintar telas maravilhosas, retratar pessoas, natureza, criar desenhos arquitetônicos inigualáveis não se acerta com o “Z” ou com o S (quando tem som de Z)!!! Um dia destes extraiu um dente e a coisa enrolou de vez!!! Foi difícil entender!!!

As fases de Rafael em Madrid: Marcelino, pão e vinho; Meu violino é cigano e La Violetera

Mas vamos ao nosso caso: Da terra natal ninguém se esquece. Não se esquece de Madrid. Ah, Madrid!!! Rafael cresceu na capital espanhola. Foi um menino muito ativo desde pequeno. Basta lembrar os bons tempos em que ele, com uma cestinha enroscada nos braços, vendia violetas no início da primavera. Era conhecido, às vezes como “El Golondrino” e, em outras ocasiões, como “La Violetera”!!!

Para vender as violetas, cantava este estribilho, como se fosse uma andorinha piando:

Llévelo usted señorito
que no vale mas que un real
cómpreme usted este ramito
cómpreme usted este ramito,
pa' lucirlo en el ojal.


Mas a vida mostrou outros caminhos e ele deixou a Espanha, vindo ao Brasil, mais de trinta anos atrás. Cheio de saudades, quando tem oportunidade, volta lá para visitar parentes e os lugares que se mantêm vivos em sua memória.

Em uma dessas viagens, foi ele e sua esposa, Terezinha (ou Teressinha, como Rafael pronuncia) e mais uma amiga do casal.

Rafael pintando o sete

Estavam em um táxi, rodando por Madrid. Rafael, sentado no banco dianteiro, não parava de falar, mostrando todos os lugares para sua esposa e a amiga. Em certo momento, o motorista do táxi, como não compreendia o que Rafael dizia, perguntou:

- ¿E dónde es usted?

- Eu soy daqui, de Espánha! – respondeu Rafael.

- ¿De qué región?? – estranhou o motorista.

- Daqui de Madrid, mesmo! – completou Rafael.

- No reconocí su acento!!! (não reconheci seu sotaque) – falou o motorista.

- Ah, é porque agora yo só hablo português! – explicou Rafael.

- KKKKK!!!! Gargalhada geral de Teresinha e sua amiga.

- Como é que é? Você só fala português??? Onde???? KKKK



Pois é, Rafael está no limbo. Não fala mais espanhol e não consegue falar português. Com o tempo a gente acaba entendendo a língua que ele fala – portunhol e dá comunicação, mas não é nem uma coisa e nem outra: Rafael fala mesmo é javanês!!!!

Tem erros neste texto? Humm, é que, assim como Rafael, eu não falo espanhol!!!

sexta-feira, dezembro 12, 2008

71) E então, travou!

Tatuí sempre foi conhecida pelos seus tradicionais carnavais em todo o estado de São Paulo. Era o melhor do Interior, diziam. Bons tempos... Cordão dos Bichos, com Moacir Peixoto vestido de toureiro. O Jacaré com seu traje de mulher, se exibindo como porta estandarte. As famosas fantasias de índios, piratas, odaliscas e outras mais no corso, na passarela da Rua 11 de Agosto.

Jacaré, "linda" Porta-bandeira!

O Cláudio “Polenta” Mantovanni com suas fantasias originais no “Vai Quem Quer”. O Ju Meirelles e sua impressionante criatividade para produzir fantasias. O Acassil sempre vestido de palhaço.

O Acassilzinho com sua tradicional fantasia de noiva. O Paulo Vagalume comandando as escolas de samba. E o Amado de Jesus Miranda dando shows na avenida, com seu eletrizante samba nos pés.

A cidade de Tatuí sempre foi carnavalesca por excelência. O tatuiano gosta de carnaval e de samba. Para complementar esta obsessão pelo carnaval havia também os tradicionais folguedos carnavalescos no Tatuiense, Recreativo, Tatuí Clube e na Sociedade Italiana.

Ihhh!

Um fato novo acontece na cidade. Unem-se o Recreativo e o Tatuiense. Desta feliz união surge o Alvorada Clube, com seu majestoso prédio no Jardim da Santa. Na época, poucas cidades do interior possuíam uma estrutura como esta instalada na cidade do carnaval.

Deste local e ponto privilegiado começam a surgir os famosos carnavais do Alvorada. O XI, meio enciumado com o sucesso do concorrente, precisa urgente tomar uma providência para não ficar para trás.

Quanto riso, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...

Afinal, concorrência é sempre concorrência. A Égua Vermelha acolhe uma grande idéia e abre as portas para o Rizek. Desde esta data, as sextas-feiras de carnavais são preenchidas com o famigerado “Grande Baile do Vermelho e Preto”. Rizek, com sua criatividade incrível, começa a tematizar este baile carnavalesco.

O Vermelho e Preto atrai foliões de toda a região para a sexta-feira quente do carnaval de Tatuí. A coisa começa a se industrializar e virar um grande negócio para muita gente de visão. A decoração do clube, um verdadeiro colírio para os olhos dos freqüentadores e as fantasias, sempre nas cores vermelho e preto – traje obrigatório – desperta a criatividade de foliões de bom gosto. A partir daí tudo vira festa na sexta-feira de carnaval. As vitrines das lojas eram decoradas nas cores vermelha e preta e os tecidos e sapatos disputados para quem melhor queria se apresentar neste sarau carnavalesco.

O Jornal Integração, como sempre fez excelentes coberturas dos carnavais de Tatuí, se engaja nesta parada e acompanha de perto, registrando os famosos bailes do Vermelho e Preto. Todos os anos que se seguiram, o semanário escalava um fotógrafo para ficar de plantão no salão principal do XI de Agosto. O propósito era que as lentes, atentas, acompanhassem e registrassem os melhores momentos do carnaval tatuiano.

Mas, 1981 não foi um ano repleto de felicidades para o jornal... nem para o Vermelho e Preto. Neste ano, como diz na gíria, o clube estava bufando de cheio. Quem o jornal escala para a cobertura? Tchan, tchan, tchan... Dirceu, o fotógrafo. Se assim era conhecido, tinha uma razão. Era porque sempre foi bom na arte de fotografar. A expectativa para aquele ano era muito grande.

O Rei do Vermelho e Preto

Pretendia-se aumentar as páginas do jornal e disponibilizar mais exemplares nas bancas. Era ano de ganhar dinheiro. Os melhores momentos deste baile deveriam estar na máquina de Dirceu, que na época não era digital. Era filme 35mm mesmo.

E a sexta-feira foi passando e o sábado de madrugada chegando. 23 horas, meia-noite, 1 hora, 2 horas, 3 horas... E todo mundo vibrando com as melhores marchas carnavalescas. Neste horário, o Zé Reiner, editor do jornal, resolveu dar uma conferida no trabalho. Logo ao chegar no XI de Agosto, no pátio externo, dá de cara com Dirceuzinho. Sentado, meio largado em um banco, gravata desarrumada e máquina solta de um lado. Ele olha para o editor e somente teve forças para dizer:

-Travou!
O Zé Reiner ansioso, pergunta:
- O quê? A máquina?
Dirceu Fotógrafo, responde:
- Não. Eu!

Travou mesmo!!!

Este foi um Baile do Vermelho e Preto que ficou apenas na memória dos foliões. Os produtores do evento, com sua mania de exclusividade, permitiam apenas que um fotógrafo entrasse no clube para registrar o baile. Não saiu foto alguma no jornal!!!Duvidou deste caso? O Dirceuzinho trabalha na Foto Menezes. Vai lá e pergunte pra ele!!!

Colaboração: José Reiner

sexta-feira, janeiro 11, 2008

70) O Caso das Pupilas Arregaladas

Em 1979, o prédio da esquina da Praça da Matriz, onde havia o posto de gasolina do seu Chiquinho Del Fiol, já desativado nessa ocasião, estava sendo ocupado pelo Zé Turco, que ali colocou seu escritório de corretagem. Ele estava vendendo o loteamento Colina Verde.

O prédio fora construído especialmente para ser um posto de gasolina, que na ocasião tinha, assim como os outros postos da época, um formato parecido. Bem na esquina ficava a bomba de gasolina, uma pequena área coberta em que cabiam, no máximo, dois automóveis. Tinha também um salão, com uma porta aberta para a Rua Prudente, que funcionou como loja de pequenas autopeças, baterias e escritório. Aqui o Zé Turco montou seu escritório. Além disso, havia um sanitário. Do lado da Rua Cel. Aureliano ainda havia o lavador de automóveis e mais algumas dependências. Na parte superior estava o apartamento do seu Chiquinho.

O local, nessa ocasião, já não permitia que alguém pudesse parar seu carro para abastecer ali, mesmo que o trânsito ainda não tivesse a proporção atual.

Com o escritório do Zé Turco, além dos negócios, o local virou ponto de encontro. Todos passavam por lá, mais para bater papo que procurar negócios. Certo dia, eu estava lá, com o Carminho Giudicci, Euchário Holtz, Helio Vieira, Zé Turco... havia mais algumas pessoas, não me lembro quem, mas os principais personagens estão aí...

A conversa estava animada. Falávamos a respeito de viagens. Helio Vieira, ao que parecia, era o mais viajado...

Em determinado momento, o Carminho perguntou ao Helio Vieira se ele já havia viajado para o exterior. Sua resposta foi retumbante:

- Eu já dei a volta ao mundo daqui pra lá e de lá para cá! – respondeu, ao mesmo tempo em que desenhava com os dedos, no ar, um giro da direita para a esquerda e outro da esquerda para a direita circundando um globo imaginário, tentando representar com isto as suas viagens em torno do planeta. E completou:

- A primeira vez que fui ao exterior foi na Segunda Guerra Mundial, quando era cozinheiro da FEB! Estive na Itália!

Helio mostrou intimidade com o planeta Terra, desenhando um globo imaginário no ar...

A partir daí a conversa girou em torno de viagens de avião. Euchário Holtz disse que não pretendia voar porque temia que lhe desse um troço lá em cima e não tivesse tempo de ser socorrido. Tomando por base as situações delicadas que passou em algumas de suas viagens de ônibus dava até para lhe dar alguma razão.

Mas Euchário não tinha medo de voar. Certa vez, o deputado Toniquinho Pereira veio até a cidade de Tietê com seu monomotor e alguns tatuianos foram prestigiá-lo. Nessa ocasião, Toniquinho levou para um passeio, juntos, seus amigos Euchário Holtz e o Dr.Armando Petinelli. Os dois tinham corpos avantajados. Não tanto na altura, mas no diâmetro da cintura.

O passeio transcorreu sem problemas, com exceção da dificuldade que o avião teve para levantar vôo com os dois passageiros encaixados no banco traseiro do aparelho.

Euchário e Dr. Armando voaram em um pequeno Paulistinha!

Euchário contou que sentia um misto de medo e de curiosidade em voar. O pequeno avião roncou e começou a ganhar velocidade no aeroporto de Tietê. A sensação que dava é que o aparelho já estava voando. Então Euchário olhou pela janela, para olhar as coisas de cima, mas o que conseguiu ver foi apenas poeira, muita poeira.

Toniquinho Pereira, preocupado que o avião não levantava vôo, perguntou ao piloto o que acontecia. Este respondeu com um gesto, apontando para o banco onde estavam os dois passageiros convidados, dizendo:

- O peso está excessivo!!!

Toniquinho, homem experiente, disse em seguida:

- Se a pista não der, entre por aquela estradinha! - apontando para uma pequena estrada que iniciava no final da pista do aeroporto de Tietê.

Mas não precisou. O avião conseguiu levantar vôo, mesmo com aquela carga. Fizeram um vôo pela região, vindo até sobrevoar Tatuí. Em pouco tempo aterrisaram e – Ufa! – estavam de volta sãos e salvos!

Helio aproveitou o assunto e contou um caso que ocorrera com ele pouco tempo antes...

- Fui fechar um negócio em Cuiabá. Negócio de milhões! – enfatizou.

- Fomos no jatinho do cliente. Sobrevoamos diversas áreas até que ele resolveu comprar uma fazenda de 3 mil alqueires. Pertinho de Cuiabá. Terra de primeira! – explicou.

Helio deu inúmeros detalhes do negócio, do vendedor, do comprador, das terras e de tudo mais. Só que eu não consegui reter nada daquilo. Era muita informação de uma só vez. Mas explicou que o cliente ainda ficaria uns dias em Mato Grosso e ele tinha pressa de retornar. Não tinha mais o que fazer por lá. O dinheiro – uma importância significativa, segundo Helio – já estava em sua conta. Resolveu voltar em um avião de carreira.

- Peguei um Boeing e voei para São Paulo! – contou.

Aqui começou o caso que Helio nos contou nessa ocasião:

- Depois de algum tempo de vôo, já estava cochilando, percebi um corre-corre das aeromoças, todas elas com fisionomia carregada, preocupadas! Perguntei para uma delas o que estava acontecendo e ela respondeu:

- O piloto teve um enfarte!

- Que coisa! E o co-piloto? – perguntou Helio.

- Não veio! – respondeu a aeromoça quase em prantos.

Uma outra aeromoça perguntou aos passageiros, pelo sistema de som do avião, se havia lá algum piloto.

Ninguém! O pânico começou a espalhar pelo avião.

- Moça! – disse Helio. Eu já pilotei o Cessna Skyhawk!

Helio já havia pilotado um Cessna... "pouco" diferente de um Boeing!

Imediatamente a aeromoça, sem outra opção, conduziu Helio à cabine. Lá o piloto estava quase inconsciente, com muitas dores no peito. Helio tranqüilizou o pobre homem:

- Comandante, vou dar um jeito na situação! – disse, no mesmo tempo em que ocupava o lugar do piloto, enquanto a aeromoça prestava os primeiros socorros ao enfartado.

Todos nós, surpresos, ouvíamos em silêncio e com os olhos arregalados!

Nesse momento olhei para as pessoas que ali estavam. Percebi que todos estavam ouvindo com atenção, com os olhos arregalados... ninguém imaginava que um avião da Vasp pudesse levantar vôo sem o co-piloto. Helio, em tom professoral, continuava explicando a situação aos ouvintes. Disse que colocou os fones e passou a conversar com a torre de controle de Viracopos, que fora acionada, com muita dificuldade, pelo piloto.

- Por favor, diga sua posição! – perguntou o controlador.

- Eu não sei voar por instrumentos! – respondeu Helio ao controlador que o acompanhava pelo radio. – Só sei voar “no visual”! – completou.

Aqueles instrumentos eram desconhecidos ao Helio e ele preferiu orientar-se visualmente!

- Então procure uma referência em terra! – continuou o controlador.

Helio disse que baixou o avião a uma distância em que conseguia identificar os pontos no solo. Fez uma curva bem fechada, inclinando bastante o avião sobre uma cidade, observando pela janela os detalhes geográficos:

- Estamos sobrevoando Andradina! – informou.

- Então tome rumo norte e siga até Uberaba! – disse o controlador.

Helio continuou a pilotar o Boeing até Uberaba, sempre mantendo uma distância relativamente pequena do solo para observar estradas, rios, cidades e outros detalhes.

Chegou a Uberaba. Alinhou o avião na pista e colocou no piloto automático. Precisou corrigir uma ou duas vezes e o avião praticamente aterrisou sozinho. Oh, tecnologia!

Acionou os freios e o monstruoso avião foi reduzindo sua velocidade até parar completamente. Nesse momento, Helio retirou os fones e falou para o piloto:

- Comandante! Já estamos em terra!

- Quando saí da cabine, fui aplaudido por todos os passageiros! - continuou Helio. Até hoje alguns deles ainda me mandam presentes no Natal! - completou.

Deve ter sido o maior arregalamento de pupilas já ocorrido em Tatuí!

Todos nós escutamos essa narrativa em silêncio. Ninguém fez um comentário sequer. Olhei para o Euchário... ele estava com a boca semi-aberta, olhar parado e com as pupilas arregaladas. Olhei para o Carminho... seus olhos estavam enormes, do tamanho de uma xícara tamanho médio, e as pupilas arregaladas.

Olhei para o Zé Turco, ele estava pasmado. Suas pupilas por trás das grossas lentes de seus óculos pareciam dois buracos negros. Os outros que ali estavam, com olhar pasmado e as pupilas arregaladas, mantinham-se em silêncio também.

Euchário levantou-se e disse:

- Vocês me perdoem, mas tenho um compromisso! – e saiu rapidamente do local. Sem dizer uma só palavra a respeito do caso narrado pelo Helio.

O Carminho me convidou para ir embora. Levantei e saímos. Ficaram lá o Zé Turco e o Helio Vieira. Sem conversar.

Esse foi o maior arregalamento de pupilas já se teve notícia em Tatuí. Sem mais comentários!