sexta-feira, agosto 13, 2010

89) No tempo da Botica

Em Tatuí pouca coisa é tão velha quanto a Pharmácia Nova. Mais de cem anos. Os Villa Nova têm acompanhado o desenvolvimento da cidade desde o início do século passado, quando Ignácio Villa Nova estabeleceu-se com uma botica. Muita coisa mudou nesses cento e poucos anos.

Os costumes mudaram com o passar do tempo. Lembro-me, certa vez, que um freguês (nessa época, clientes ainda eram fregueses) chegou perto do Ary Villa Nova, muito reservadamente, pegando na gola de sua camisa, pedindo, através de sinais discretos, preservativos. Imagine se alguém teria coragem de pedir em voz alta uma caixa de camisinhas!!!

E para comprar absorventes então? Nem toda mulher tinha coragem e ousadia para tanto. Preferiam as toalhinhas laváveis. Na farmácia, as caixas de Modess ficavam previamente embrulhadas e a compra, quando acontecia, era algo silencioso. A freguesa (ou seu marido, na maioria das vezes) pedia uma aspirina e simplesmente pegava um pacote devidamente embrulhado, pedindo para cobrar aquilo junto com a aspirina... Hoje ninguém se preocupa com isso. Pedem em voz alta qualquer um desses produtos. - O tempora! O mores! - diria um latinista.

Mas o caso que vou relatar é bem mais antigo que isso. Coisas do tempo do velho Ignácio:

No início do século XX a maioria da população não sabia ler nem escrever. Pudera, quase todo mundo vivia na área rural e para lidar com uma enxada a leitura era de pouca valia. As coisas que interessavam eram passadas oralmente de geração em geração. Como plantar, como cuidar da plantação ou como realizar a colheita... A vida, de modo geral, era também muito mais simples. Entretanto, sem instrução havia um nível maior de ignorância.

Pois bem, certo dia apareceu na botica do seu Ignácio um caboclo reclamando de dores em seu ventre e de dificuldades para defecar. Era costume na época consultar-se com o farmacêutico. Seu Ignácio receitou um purgante:

- Tome este remédio que vai resolver o problema! – explicou, contando o modo de tomar.

No dia seguinte, o mesmo freguês apareceu de novo. Seu Ignácio perguntou então:

- Evacuou?

O homem respondeu que não. Que as coisas não estavam nada bem. Ignácio Villa Nova pegou então um pouco de pinhão paraguaio e preparou um remédio mais forte. Entregou ao homem, explicando como tomar aquilo.

Mas no outro dia lá estava o freguês novamente na botica. Com uma fisionomia deplorável. Ao bater os olhos no homem, seu Ignácio percebeu que a coisa não estava bem e perguntou novamente:

- Não evacuou?

- Não! – respondeu desoladamente o pobre caboclo.

Então espera aí. O farmacêutico foi ao laboratório e preparou um novo remédio a base de tártaro emético, um medicamento utilizado para resolver prisão de ventre em equinos. Preparou uma dose cavalar, explicou o modo de tomar e entregou ao homem.

No outro dia, trêmulo e pálido, veio novamente o freguês. Villa Nova, preocupadíssimo com a situação, perguntou ao homem novamente:

- Evacuou desta vez?

- Não! – foi a resposta.

Seu Ignácio então teve o pressentimento que o homem não estava entendendo a coisa e foi mais claro:

- Cagou?

- Ah, nhô Ignácio... Ihhh, se caguei! Tô cagando tanto que o “pessoár” do bairro num sabe se mudam a fossa ou o “paiór”!

Já que o assunto é escatológico, em outra ocasião um freguês da farmácia precisava fazer exame de fezes. Nessa época o material colhido era enviado de trem a São Paulo. O velho Villa Nova explicou que era preciso colocar o material em uma lata devidamente fechada.

- O senhor recolhe as fezes, coloca na lata e traz aqui que eu envio para o laboratório, lá em São Paulo! – explicou.

O homem foi embora e sumiu. Demorou mais de um mês para retornar. Quando seu Ignácio atendeu o homem foi logo reclamando da demora.

- Por que demorou tanto tempo? – disse o farmacêutico.

O caipira abriu o saco que carregava e pegou uma lata de Toddy, daquelas antigas de cinco quilos, explicando:

- É que demorou todo esse tempo para encher a lata!!!

Arre! Que horror!!!

88) A família dos Mé

A privatização modificou o cenário econômico brasileiro. Hoje há inúmeras companhias privadas atuando em mercados que eram dominados por empresas estatais ou mistas. A telefonia e a distribuição de energia elétrica são alguns exemplos. Existem diversas empresas atuando no mercado de comunicação ou de distribuição de eletricidade.

Este caso aconteceu há alguns anos, quando a concessionária de energia elétrica que operava em Tatuí era a CESP (Centrais Elétricas de São Paulo S/A), empresa de economia mista. Na filial de Tatuí, trabalhou lá, durante muitos anos, o Luiz Del Bem Jr., hoje advogado atuante nesta Comarca e excelente contador de causos. Pois foi exatamente ele quem me contou o caso aqui registrado, afirmando ser pura verdade.

O escritório da CESP em Tatuí funcionava como uma sub-regional, sendo que daqui saíam as coordenadas para os municípios circunvizinhos que eram atendidos por essa concessionária. Havia a necessidade de realizar um cadastramento dos consumidores de energia elétrica da cidade de Tietê e, pelos motivos já explicados, foi o escritório de Tatuí que efetuou tal ação.

Del Bem coordenava essas atividades em Tatuí e viajava quase todos os dias a Tietê, para acertar o tal cadastro. Destacou um funcionário, conhecido como Corruíra, para digitar os dados dos consumidores tieteenses no cadastro da CESP. Uma tarde, passando perto do Corruíra, ouviu-o comentando com colegas que a família Mé era a maior de Tietê:

- Puxa, parece que todo mundo de Tietê é da família dos Mé! – comentou surpreso com um colega.

O Del Bem achou que ele havia se enganado e perguntou:

- Você está falando da família Melaré? – questionou a mesmo tempo sugerindo uma resposta.

- Não! É família Mé mesmo! – explicou o Corruíra.

O assunto não prosseguiu naquele dia, pois cada um dos personagens tinha tarefas específicas a cumprir e foi o que fizeram. Os dados exigidos para cada consumidor ser cadastrado eram muitos e, por isso, o trabalho do Corruíra prosseguiu mais uns dias.

Na semana seguinte, Del Bem lembrou-se da questão das famílias tieteenses e perguntou novamente ao Corruíra:

- Não será a família dos Mello que é grande na cidade? – mais uma vez questionou sugerindo.

- Não! – assegurou o Corruíra. – É tudo gente dos Mé! – reafirmou.

Intrigado com o caso, o Del Bem foi conferir a papelada do cadastro dos consumidores de Tietê. Logo encontrou a resposta às dúvidas que teve. Como a cidade vizinha sempre se destacou pelas pequenas confecções e outras microempresas, um grande número de pessoas estabelecia-se em sua própria casa com uma confecção, uma oficina de costura ou outro estabelecimento congênere. Para conseguirem financiamentos de máquinas ou equipamentos, além de outros empréstimos, não ficavam na clandestinidade e logo abriam uma microempresa.

Dessa forma, havia no cadastro que o Corruíra digitava, uma infinidade de microempresas, como “José Beltrano ME”, “Maria de Tal ME”, “Fulano de Tal ME”, “Cicrano Beltrano ME”, etc. que ele lia e entendia como “Mé”, imaginando que fosse uma enorme família dessa cidade.

Ah, por sorte o tieteense Cornélio Pires já se foi há muito tempo, pois ele não deixaria de fazer um comentário enquadrando a inteligência do Corruíra ou qualificando o Del Bem como um novo Joaquim Bentinho...

87) Casamento Cigano

Se há uma coisa que ciganos fazem muito bem é festa, principalmente em casamentos. O casamento, para o povo cigano, constitui em uma das tradições mais bem conservadas, pois representa a continuidade de um grupo. Pessoas desinformadas podem ter ideias erradas a respeito dos costumes típicos, mas ciganos são excessivamente rigorosos quanto ao casamento. Há, inclusive, impedimentos para casamentos entre ciganos e não-ciganos. As exceções dependem de alguns fatores que não dizem respeito a este caso.

Há um mote que descreve a vida desse povo: “O Céu é meu teto, a Terra é minha pátria e a Liberdade é minha religião”. São essencialmente nômades, porém, em Tatuí alguns grupos radicaram-se na cidade há décadas.

Certo dia, alguns anos atrás, aconteceu um casamento cigano em Tatuí e, como não poderia deixar de ser, festejado por muitos convidados em uma festa memorável. Após a cerimônia religiosa - também indispensável conforme a tradição desse povo -, começaram os festejos, em uma tenda improvisada em um terreno com um grande quintal. Tudo estava enfeitado com ornamentos que lembravam suas tradições.

Homens e mulheres vestidos com roupas típicas, com muitos brilhos de ouro, prata e pedras preciosas. Um monte de gente bonita. A festa foi um espetáculo inesquecível para quem assistiu, além do banquete, com comida e bebida abundantemente servidas.

Depois dos rituais costumeiros, a festa prosseguiu sob o som de um grupo de músicos muito conhecidos na cidade nessa ocasião. O instrumento que liderava o arrasta-pé era a sanfona, tocada pelo Dito Cigano. O instrumento que nunca faltava por lá era o baixo-tuba, tocado com muita categoria por outro cigano, o Mé. Os demais músicos eram Martinho Medeiros, na caixa; Mário Chulé, no bumbo; e Zé Largo, no contra-surdo. Devido à possibilidade de chover, a banda ficou em um palco improvisado dentro da tenda, mas estrategicamente colocada de maneira tal que mesmo quem estivesse fora pudesse ouvir. O grupo tocou inúmeras melodias durante horas, com pequenos intervalos para comer e beber.

A festa avançou pela madrugada. No dia seguinte, de acordo com a tradição cigana, ainda haveria mais festas. Mesmo assim, o grupo de músicos parecia incansável. A sanfona puxava as melodias. Muitos dançavam há horas. A alegria era visível por todos os lados. Os noivos, sentados à mesa principal, conversavam e eram cumprimentados por todos os convidados.

O baixo-tuba (sousafone) da banda foi o instrumento mais presente em todas as festividades que aconteceram em Tatuí durante muitos anos, pois o Mé adorava tocar. Não perdia uma oportunidade de mostrar seus dotes musicais, mesmo porque era para ele um grande prazer. Tocava em festas, igrejas, procissões, bailes ou mesmo na Vila do Céu. O negócio dele era soprar aquele enorme instrumento.

E nessa festa, depois de algumas horas tocando e tomando uns tragos, ficou meio descuidado e, sem prestar muita atenção, empolgando-se com uma determinada música, acabou esbarrando a borda da campânula da tuba em uma chave de fusíveis, daquelas do tipo “faca”, sem proteção contra choques, que ligava a energia na tenda.

Ah, mas que horror! No contato com a eletricidade a tuba “grudou” na chave e, como aquele instrumento envolve grande parte do corpo, a corrente de 220 volts fez o Mé gritar e chacoalhar-se, tentando livrar-se daquilo, mas não conseguiu, pois a eletricidade provocava fibrilações intensas. Desmaiou e caiu e, com isto, interrompeu a passagem da corrente elétrica pelo seu corpo. Todos correram acudir, mas o pobre músico não voltava a si. Foi necessário levá-lo à Santa Casa onde, algum tempo depois e com atendimento médico, acordou.

Mas a festa acabou. Todos ficaram preocupados com o Mé e não mais havia clima para isso. Logo que chegou a notícia de que o músico recobrou a consciência e estava bem, todos se alegraram e confirmaram o prosseguimento da festança no dia seguinte. Com muita música e com o Mé tocando sua tuba, claro. Pópópópópó!!!!

86) A Praça do Amor

Como muitos ainda se lembram, a Praça da Matriz foi o ponto de encontro dos tatuianos durante muitas décadas. Lá os finais de semana eram movimentadíssimos, tanto pelos clubes, bares, restaurantes ou cinemas, quanto pela própria praça. As pessoas não ficavam em casa, sendo que lá era o ponto de encontro principal. Uma vez na praça, decidiam aonde iriam curtir seus momentos de lazer.

Desde o anoitecer, aos sábados e domingos, o movimento era grande. Iniciava com a missa na igreja matriz e, do outro lado da praça, perto de onde há um monumento à bíblia, formava-se uma roda de crentes, que, animados pelo som de uma sanfona e de palmas, atraíam ouvintes às palavras do Evangelho. Ao mesmo tempo, como se fosse um maestro com sua batuta, de colher de pau na mão, o pipoqueiro Justo fazia a primeira panelada de pipocas, dando o toque mágico para a praça começar a animar, com pessoas vindas de todos os cantos da cidade, em um desfile alegre e ordeiro pelas ruas que conduziam ao centro da cidade.

Relembrando a geografia das redondezas, havia o Cine S. Martinho, Clube Recreativo XI de Agosto, Hotel Del Fiol (com um enorme banco de frente para a praça), Bar e Restaurante 80, Bar Central, Bar XV, Bar do Batista, Bar do Pio, Bar do Sartorato (lembro-me das batidinhas que ele preparava, como a “serenade”). Outros locais, nas redondezas, também eram pontos de encontro, cada qual com sua especialidade: uns iam para comer, outros para beber ou para jogar “snooker”, cartas ou, ainda, dançar.

Bem no centro de tudo, a fonte luminosa, que logo após a pregação dos pescadores de almas, era ligada, juntamente com sua sonorização. E as músicas da fonte se transformavam em trilhas sonoras de muitos casos de amor. Raramente aconteciam brigas, pois todos que ali estavam buscavam encontrar a sua cara metade ou, no mínimo, distrair-se.

Tudo era magicamente preparado para mais uma noite de busca pela felicidade. Além dos bares, clubes e cinemas – lembrei-me mais destas -, em algumas ocasiões aconteciam quermesses e outros eventos, como quando aparecia o Paulo Dragão com suas barraquinhas de rifas e coelhos da sorte.

Mesmo tentando recordar os eventos que aconteciam na Praça da Matriz, as nuvens do tempo escondem fatos e coisas e, assim, sei que muita coisa foi esquecida, mas deixo aos leitores que conheceram o local em diversas épocas, o exercício de rememorar tudo que havia ali nos anos 60, 70 e 80.

Esforçando um pouco a memória, veio-me à mente como as pessoas passavam seus momentos ali na praça, fazendo o “trottoir”, uma alegre caminhada sem fim, em que homens e mulheres davam incontáveis voltas na praça – homens de um lado e mulheres de outro, de modo que todos se encontravam duas vezes a cada volta -, permitindo que olhares fossem trocados e o amor pudesse surgir.

Uma coisa era certa: Cupido, deus do amor, lançava suas flechas aqui e ali, por toda a praça, e cada par de flechas lançadas resultava em um novo casal na cidade. Apesar das possibilidades de encontrar a cara metade, nem todos eram atingidos pelas flechas de Cupido e ficavam lá simplesmente passeando e conversando. Muitas pessoas seguiam a moda da época, que incluía, certamente, copiar alguma coisa dos ídolos da música, da TV e do cinema, tal como acontece hoje.

Os casos mais comuns, na ocasião, era imitar ídolos da Jovem Guarda e, por isso, alguns rapazes andavam arrastando uma perna, fingindo mancar como Roberto Carlos – às vezes, dando voltas pela praça, era possível imaginar que um grande desastre havia ocorrido, tantos eram os que arrastavam a perna por lá, tentando chamar a atenção dos brotos, como costumavam falar na época -, além de imitadores de personagens de filmes de Hollywood, com uma multidão de Macistes, Hércules e Sansões.

Roberto Carlos era, dentre os cantores, o mais imitado, mas outros davam pinta de Ronnie Von, de Erasmo Carlos, além dos cortes de cabelos igual aos Beatles ou Rolling Stones, enquanto que as moças imitavam Wanderléa, Martinha e cantoras ou atrizes internacionais, com legiões de penteados iguais à Brigite Bardot ou Sofia Loren.

Zuuuuuuuuummmmmmmm! Epa! Que aconteceu? A banda tocou os últimos acordes da valsa do Bimbo e a praça fechou! Tudo ficou escuro. Não tem clubes. Não tem rinque de patinação. Não tem cinemas. Não tem restaurantes. Não tem bares que amanheciam abertos. Não tem aquela multidão pessoas buscando o amor em intermináveis passeios em torno do centro da praça. Nem os crentes se arriscam pescar almas por lá. Agora a praça é triste! Estão todos em casa, com os olhos fixos na telinha da TV, acompanhando novelas que falam de casos de amor, iguais àqueles que, todos os finais de semana, aconteciam na Praça do Amor de Tatuí.

quarta-feira, abril 07, 2010

85) Jovens de Outrora

A Internet revolucionou o mundo não apenas em termos de comunicação. No mundo sem fronteiras da Internet, há um constante tráfego de informações eletrônicas de todos os tipos, incluindo textos, figuras, sons e imagens. Tudo isto a alcance de um simples clique. Desde 1995, a rede mundial está disponível aos brasileiros. Agora, todo mundo que acessa a Internet encontra amigos virtuais, utilizando MSN, ICQ ou salas de Chat (bate-papo).

Antes da Internet havia o serviço de vídeo-texto da Telesp, com equipamentos e computadores conectados através da linha telefônica, com alguma semelhança aos serviços da Internet, tais como fóruns de discussão, chat, notícias, e também serviços públicos como consulta à Serasa e ao Detran. Além disso, havia as BBS (Bulletin Board System), um sistema de computador que permitia conexões para trocar arquivos e informações.

Pois bem, com o vídeo texto tornou-se comum a formação de grupos de usuários que acabavam se tornando amigos. A troca de mensagens pelo vídeo texto possibilitava e incentivava as pessoas a se conhecerem pessoalmente, inclusive promovendo reuniões em bares, restaurantes e pizzarias.

Eu comecei a utilizar o vídeo texto com o meu computador XP, em uma época em que não havia o Windows e nem Internet. Ah, noites e mais noites ligado em bate-papos intermináveis. Em pouco tempo, passei a conhecer inúmeras pessoas que também utilizavam esse equipamento. Algum tempo depois, apresentei a coisa ao meu amigo Jaime Fonseca, que aderiu imediatamente. Em 1996, eu e o Jaime conhecemos algumas pessoas nesses bate-papos. Todo mundo se conhecia por pseudônimos. O meu era PETERPAN e o Jaime se apresentava como VICENTE.

Fomos recebidos por uma mulher que parecia um padre todo paramentado!

As salas de bate-papo eram separadas por idades ou por interesses. Eu tinha nessa época pouco mais de 40 anos e o Jaime se aproximava dos 50. Então, conversávamos com pessoas dessa faixa etária na mesma sala. Com isto, conhecemos diversas pessoas de todo o Brasil. Certo dia, resolveram marcar uma festa em São Paulo, com o nome de “Jovens de Outrora”.

Acertamos nosso ingresso e fomos lá. Eu, a Janete (minha esposa) e o Jaime. O buffet escolhido para a festa era bastante sofisticado. A decoração do local incluiu um Chevrolet De Luxe e um Simca Esplanada. Claro, era um ambiente para os jovens de outrora!!! Quando fomos entrando, já ao longe dava para ouvir a música do ambiente: Twist! Isso mesmo, a “trilha sonora” do evento foi na base do twist, rock and roll, iê-iê-iê, bossa nova e músicas da Jovem Guarda. Havia whisky, cuba-libre, hi-fi e cerveja à vontade! E, claro, Coca-Cola e Guaraná Antarctica. Para comer, hot-dog. As coisas da época. Muitas pessoas estavam à caráter, vestidas com roupas da época.

Na entrada, ODETE, a hostess, nos esperava de braços abertos. Foi o primeiro susto! Não tinha idéia de que a tal outrora era tão antigamente!!! A mulher, já de idade avançada, com os braços abertos, mais parecia um padre todo paramentado, pois a pelanca que pendia de seus braços, de longe, dava a impressão de ser como os paramentos que o padre usa nas missas.

Não imaginei que a coisa era assim, "tão outrora"!!

O que havia de mulher careca na festa não foi brincadeira! A vida reserva maus pedaços para algumas pessoas e os tratamentos através de quimioterapia tinham “pelado” muitas daquelas mulheres. Com o vídeo-texto não dava pra saber, claro. Não havia a possibilidade de ver o interlocutor.

Notei que a DEL!CADA, com bastante facilidade, seria capaz de descarregar um caminhão cheio de vigas de madeira. Um cara que conheci, o CONDOR, mostrou que fazia jus ao nome. Só que deveria se chamar “Com Dores”, pois estava bem judiado.

O Jaime, solteiro nessa ocasião, trocava mensagens com uma mulher que dizia ter 45 anos e se apresentava como ELLA. Quando o Jaime avisou que iria ao evento, a mulher (ELLA), disse que tinha 54 anos. Mesmo assim ele topou. Mas era mentira. Ao encontrar a anciã, deduzimos que tinha, pelo menos, uns 65 aninhos.

Passei perto de um grupo e escutei um comentário: “- Olha o ‘tamanhinho’ do PETERPAN!”. Eheheh! A VANDERLEIA, uma carioca, usava uma roupa que lembrava a artista, mas o rostinho... ah, tadinha!

Janete e eu conversamos bastante, com muitas pessoas, enquanto que o Jaime, requisitadíssimo pela mulherada, não parava de dançar. A expressão dele era um reflexo do sucesso que fez na festa. Seu bigode ficava esticado horizontalmente no rosto. O twist e o rock and roll não cessavam. Elvis Presley parecia estar vivo, cantando it’s now or never... pois amanhã será muito tarde!!!. Os Beatles gritavam nas caixas de som: She loves you, yeah, yeah, yeah!

Apesar do susto inicial, a festa foi ótima. Ou melhor, foi uma “Festa de Arromba”, pois esse hit da Jovem Guarda tocou sem parar:

“Vejam só que Festa de Arromba!
No outro dia, eu fui parar...
...
Hey! Hey! (Hey! Hey!)
Que onda!
Que festa de arromba!...”

segunda-feira, março 01, 2010

84) Em busca do Pote de Ouro

Há, pelo menos, dois mundos em que se vive. Um deles, ideal, está presente em nossos sonhos. O outro, real, é onde se vive. A chave liga/desliga entre um e outro é o despertar/adormecer. O mundo real é trabalhoso, para se dizer o mínimo. Já no mundo dos sonhos há arco-íris com potes de ouro. Algumas pessoas são sonhadoras e buscam potes de ouro também no mundo real.

É com a imaginação que são criadas as soluções para todos os entraves que possam impedir o progresso da humanidade. Einstein percebeu a importância da imaginação, quando disse que ela seria mais importante que o conhecimento, pois o conhecimento é limitado e a imaginação envolve o mundo. Só que, se sonhar é permitido, não significa que todos os sonhos serão transformados em realidade. Mas não custa tentar, claro.

Conheço uns amigos que estão sempre tentando: certo dia de dezembro, alguns anos atrás, o Luis Carlos Azevedo, o Pelé, procurou seu amigo Alcides Camilo (Véia) com um “negócio da China”, e foi dizendo:

- Véia, eu estava em Piracicaba e descobri que lá não tem mais leitoas para o Natal e final de ano! – disse, meio afobado. – Sei de um homem em Cesário Lange que criou leitoas e não conseguiu vender tudo! E ele dá um prazo pra pagar! – rematou.

Conversaram um pouco e concluíram que o negócio era “batata”. Compra aqui e vende ali. Na mesma hora surgiu na frente dos dois a imagem de um pote de ouro e resolveram ir à Cesário Lange comprar leitões. Lucro na certa!

Havia apenas um pequeno problema: onde guardar os leitões até o abate. A casa do Pelé não tinha quintal e a do Camilo tinha, mas era pequeno. Assim mesmo resolveram guardar lá os porquinhos. Era só por um ou dois dias. Compraram 50 leitões. Quando o caminhão do criador entregou os animais, perceberam que a cerca do quintal estava muito ruim e todos os porcos escapariam.

- Vamos então prender os bichos dentro de casa! – resolveram, pois no dia seguinte já iam abatê-los.

Ah, mas que horror! Desde que chegaram à casa do Véia foi só Oinc, Oinc, Oinc... e Quiiiimmm, Quiiiimmm, Quiiiimmm! O barulho daquela vara de leitões foi incessante, além do cheiro terrível! Para piorar, os porquinhos fuçaram pela casa toda e comeram os pés dos armários, guarda-roupas, mesas e cadeiras, alguns tapetes e tudo que encontraram pela frente! Isso sem contar a quantidade de cocô que produziram!

Depois de uma noitada emporcalhada, Pelé apareceu com dois tambores e um ex-açougueiro para abater os animais. Que judiação! Foi uma verdadeira carnificina! Os grunhidos desesperados dos porquinhos no momento do abate foi uma coisa indescritível! E, para dar conta do abate de meia centena de leitões, nem bem estava morto um bicho, já iam “pelando” na água fervente. O sangue, as tripas, a sujeira espalhava-se pelo quintal. Foram necessários dois horríveis dias para matar e limpar os animais, pois em um dia, só deu para lidar com uns 30 leitões.



Como a coisa ia dar muito lucro, Pelé comprou um Dodge Charger para levar os leitões limpos à Piracicaba. Ia pagar com o lucro da venda dos porquinhos. Alegou que esse carro tinha um porta-malas espaçoso. Por falar em espaço, isso não existia mais na casa do Véia. Estava lotada de leitões e leitoas, limpos e devidamente preparados para serem vendidos.

No segundo dia do abate, enquanto prosseguia a mortandade na casa do Véia, Pelé lotou o porta-malas do Dodge e foi vender em Piracicaba. E não é que vendia fácil mesmo? Em todos os locais em que ofereceu, vendeu. Só que as pessoas queriam comprar apenas “traseiros” dos leitões, mas não os “dianteiros”. Daí que metade da carga voltou.

Quando o Pelé voltou à casa do Véia, não havia mais espaço nem para um toucinho, quanto mais para um porta-malas lotado de “dianteiros” de leitões. A coisa ficou complicada, mas o pote de ouro ainda brilhava no final do arco-íris, pois no dia seguinte tudo seria diferente, imaginaram.

Mais uma viagem de Charger à Piracicaba e os traseiros foram vendidos. Sobraram quase todos os “dianteiros”. Não cabiam na geladeira e não dava para deixar fora. Alguns já haviam sido abatidos há dois dias! Parecia que estavam meio esverdeados. Tinham que lavar com sabão e bucha. Com muito esforço e descontos, alguns dianteiros acabaram sendo vendidos e os restantes serviram de presentes para quem quisesse.

Como foram muitas viagens de Dodge, a despesa com a gasolina acabou com a possibilidade de lucro. A coisa deu errada e não sobrou nem para pagar o fornecedor dos leitões. Foi um perereco para acertar com o criador dos porcos, que aparecia o tempo todo na casa dos dois amigos. O pote de ouro, por sua vez, claro, não apareceu!

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

83) Tudo com a maior higiene

Certa vez, Edgar Vieira e Elias Sallum foram pescar no rio Paranapanema com seus filhos João Augusto e Eliazinho. Na hora do almoço foram numa espécie de bar e restaurante que ficava na beira do rio. O cozinheiro que limpava os peixes para fritar tinha uma pequena ferida no rosto.

Edgar viu que o homem coçava ao redor da ferida com a ponta da mesma faca que cortava os peixes e avisou Elias. Quando se levantavam para sair, notaram que os meninos estavam com fome. Levaram em consideração que havia uma bela salada para eles comerem. As verduras, lavadas, estavam em uma bacia e tinham ótima aparência.

- Vai dar para tapear o estômago! – comentou com Elias.

Até a rainha da Inglaterra cotuca o nariz, de vez em quando!

Nisso entrou a mulher do cozinheiro que, caminhando, se assoou ruidosamente com as mãos: Prrrrr! Parecia uma buzina. Com um movimento rápido de mão e dedos, lançou ao chão a meleca que saiu do nariz. Quando a danada mulher aproximou-se da bacia com as verduras, foi logo enfiando as mãos sujas na bacia e, remexendo os vegetais, disse, com uma pronúncia esquisita devido à coriza que ainda escorria do nariz:

- Que “selada” coisa mais linda! Que beleza de “selada”!

Depois disso não deu mais para ficar. Arrumaram uma desculpa qualquer e foram embora sem comer. Na estrada, o ruído dos estômagos do João Augusto e do Eliazinho encobria o ronco do DKW do Elias Sallum.

O pior de tudo é que esse comportamento anti-higiênico não é incomum: Quando vendia o loteamento Colina Verde, Zé Turco estabeleceu seu escritório no antigo posto de gasolina do seu Chiquinho Del Fiol, ali na esquina da Praça da Matriz.

Durante o dia todo, ele atendia no escritório do posto e, no final da tarde, costumava curtir a “happy hour” no bar que existia no local onde hoje estão as lojas “Toda Mulher” e a “Ótica Visão” O correto deveria ser “many happy hours”, pois os aperitivos, as comidinhas e os bate-papos começavam antes do final do expediente e estendiam-se até bem tarde.

Ah, como eram alegres essas horas felizes!! Sentados em frente à Praça da Matriz, os encontros diários do Zé Turco com seus amigos eram um misto de riso e cerveja, salgadinhos e cerveja, porções de queijo e cerveja, mortadela e cerveja, salame e cerveja, conversa e cerveja, azeitonas e cerveja, cerveja e cerveja...

O barman chamava-se Acácio e estava sempre preparado para atender esse pessoal. Costumava deixar bem afiada uma faca grande com a qual cortava os queijos e os frios exatamente do jeito que o Zé Turco apreciava. Pudera, sempre que fechava um negócio ele caprichava nas gorjetas. Resta lembrar que não se fechava um negócio na cidade sem que tivesse uma participação desse grande corretor e, por isso, as gorjetas eram consideráveis.

Uma tarde, depois de concretizar uma venda, a “happy hour” começou mais cedo. Desde 3 da tarde. Cervejas, queijos, salames, salgadinhos... O barman esforçava-se ao máximo para dar conta dos pedidos e, quando tinha uns momentos de folga, encostado do lado de dentro do balcão, inclinava-se um pouco. Erguia-se apenas para cortar mais porções aos insaciáveis e alegres amigos.

Entretanto, tomar cerveja tem um efeito colateral: é preciso descarregar o excesso de líquido de vez em quando. Quando retornava de uma das inúmeras “viagens” que fez ao sanitário, Zé Turco deu uma olhadela do outro lado do balcão, intrigado com as abaixadas do barman. Aiaiai, antes não tivesse visto!

Na mesma hora saiu fora do bar, vomitando. Olhou para os amigos, mas não conseguiu falar nada, pois lançava fora tudo que havia ingerido. Em seguida, saiu rapidamente, quase correndo, e foi embora para casa.

Aquele seu comportamento deixou todos preocupados. Rampim, na mesma hora, correu até a casa do amigo, pensando que teria de chamar uma ambulância para levá-lo ao hospital. Serginho Nhô Bau ficou tão nervoso que quase teve um treco. Até Euchário Holtz, que não tinha muita mobilidade, saiu rapidamente para tentar acudir ao Zé Turco... Em minutos o alcançaram, já refeito do mal estar.

- Que aconteceu? – perguntou, alarmado, Rampim.

- É... que aconteceu? Quer ir ao médico? – completou Euchário.

Ainda um pouco pálido, Zé Turco, olhando por cima dos óculos, disse aos amigos:

- Imaginem só o que o Acácio fazia quando se abaixava dentro do balcão! – falou com uma entonação grave e uma cara de nojo. - O lazarento estava raspando o “queijo” do pé com a mesma faca que cortava os frios que servia pra nós! – explicou, furioso.

Acácio substituiu as ferramentas de pedicure pela faca de cortar frios!

-Éca! Ptu! Éca! Ptu! Mardição! Éca! O cospe-cospe dos amigos foi terrível. Claro que nunca mais voltaram àquele bar. Éca!

sexta-feira, janeiro 08, 2010

82) O incrível caso da Necroteca

O Bar Paulista, do Chico Mariano, ficava na Rua Onze de Agosto. Foi um local de encontro de amigos durante muitos anos. Um ambiente agradabilíssimo, tanto em função dos proprietários quanto pelos frequentadores. Todos conheciam todos. Muita gente passava eventualmente por lá, mas alguns costumavam ir religiosamente todos os dias. Conversar, comer, tomar aperitivos, etc.

Dentre os assíduos frequentadores, na década de 1970, estavam o Zé Turco, Gonzaga, Rampim, Geraldo Barbeiro, Manso, Zinho Rosa, Cabreira, Jujuba, Guarugi e muitos outros mais. A cidade era muito menor e as alternativas de lazer também eram restritas a uns poucos locais. Muita conversa fluía por ali.

Rua Onze de Agosto, atualmente.

Nos assuntos de todos os dias, Zé Turco sempre buscava uma inspiração para um número mágico que lhe assegurasse ganhar na loteria ou no jogo do bicho. Ficava reparando em tudo por lá. Via um gordo e jogava no urso. Um cachorro latia, pronto, já tinha um bicho para jogar. Uma mulher com olhar bravo era palpite para jogar na cobra. Buscava em tudo um sinal para um palpite.

O local era um boteco animado.

No início de um novo ano, teve uma ideia um tanto macabra: fazer um tipo diferente de loteria e apostar nas pessoas que iriam morrer nesse ano. Cada qual marcava em um papel 20 nomes de pessoas que supunha morrer nesse ano e quem acertasse o maior número de falecimentos ganhava a bolada toda. Nascia assim a Necroteca.

Lá mesmo no Bar Paulista, Zé Turco começou a pensar em quem iria apostar na Necroteca. Tinha de encontrar 20 nomes que lhe garantisse o prêmio no final daquele ano. Estava ele na difícil tarefa de adivinhar quem ia morrer naquele ano, quando passou um velho andando vagarosamente. Ah, na mesma hora todos colocaram o nome do coitado. Aquilo não era suficiente para o Zé, pois tinha de encontrar nomes que os demais não apostassem.

"-Não passe em frente ao Bar Paulista que o Zé Turco aposta seu nome na Necroteca!"

Nesse momento, no outro lado da rua, Didi Ferreira estacionou seu automóvel e dona Biúca, sua esposa, desceu e entrou em casa. Sua casa ficava onde hoje é a loja Cybelar. Inspirado, Zé Turco anotou o nome dela em sua lista.

Aconteceu, no entanto, que o Marcelo Ferreira estava no bar e ficou sabendo da aposta. Na mesma hora atravessou a rua, entrou em casa e contou da aposta à mãe. Dona Biúca, ao saber da menção de seu nome na Necroteca, irritadíssima, fez o Marcelo voltar ao bar e avisar o Zé Turco que, se ele fizesse um ponto às custas dela, daria um jeito para sua alma retornar e atrapalhar todas as corretagens dele.

Zé Turco ponderou o caso por uns instantes, retirou do bolso o papel de apostas e pôs-se a rabiscar, dizendo ao Marcelo:

- Olha aqui. Estou riscando o nome da sua mãe. Pode avisar que ela está fora das apostas! – afirmou. E fez um pequeno comentário: - É melhor não arriscar, né?

O tempo foi passando e, certa noite, alguém avisou que havia falecido o Expedito, um conhecido pintor da cidade. Aquela informação movimentou o pessoal, pois o nome do falecido constava de algumas das apostas. Zé Turco já chamou alguns dos frequentadores que ali estavam. Era preciso confirmar esse tipo de informação.

- Vamos ao velório!

Lotaram o Fiat 147 do Cabreira, que ficou apertadíssimo. Dirigiram-se para a Vila Dr. Laurindo, onde residia o Expedito. Esse bairro, nessa época, tinha poucas casas e as ruas não tinham calçamento. Seguiram pela Rua 7 de Setembro até uma casa que estava com as luzes acesas e com pessoas rezando. Havia um caixão no centro da sala e muitas pessoas em volta. Ainda era costume velar o morto na própria casa. Algumas mulheres choravam copiosamente.

Os velórios também costumam ser animados.

Entraram e logo estavam rezando o terço. Na verdade, foi um rosário inteiro. Ficaram longe do caixão, pois havia muita gente ao lado. Depois de quase uma hora de reza, foi possível chegar um pouco mais perto do defunto. De repente, Zé Turco olhou por cima de seus óculos de lentes grossas e exclamou:

- Ué! O Expedito não era preto? Esse defunto é branco!! – alertou aos amigos.

Pois aconteceu assim, eles erraram de velório e de defunto. A casa do Expedito ficava um pouco mais adiante. Saíram de fininha e foram até o endereço correto, rezaram ao amigo falecido e voltaram. Zé Turco expressava consternação com muita dificuldade e tinha um olhar de satisfação, pois havia apostado no Expedito. Já tinha um ponto garantido na Necroteca.