sábado, maio 09, 2009

74) A joia do João

A melhor forma de vender ou comprar um automóvel nos anos 60 e 70 era através do João Bertanha, o maior vendedor de automóveis que conheci. Sua argumentação no momento da venda era infalível. O homem sabia como expor uma mercadoria, como encontrar o ponto que o freguês era convencido e a venda realizada.

Hoje, usam técnicas de psicologia, programação neurolinguistica, conceitos de marketing e tantas outras coisas para preparar um vendedor. João Bertanha nasceu vendedor. Não precisava disso. Ele acreditava naquilo que vendia e conseguia convencer o comprador. Cada carro que estava vendendo, considerava como uma joia.

- Estou oferecendo uma verdadeira joia! – argumentava.

Por causa dessa sua forma de oferecer os carros que vendia, acabou sendo conhecido com João Joia.

Certa ocasião, o Dr. João Jubran desejava vender seu Fusca. Era um daqueles primeiros Volkswagens importados e estava com ele há mais de 10 anos. Queria um modelo mais novo. Assim, foi atrás do João Joia, para que ele lhe encontrasse um comprador.

O Fusca do Jubran era bastante antigo

João Joia ofereceu o carro para algumas pessoas, mas não encontrou interessados na cidade. Tanto tempo que este carro estava com o mesmo dono, que parecia ter “assumido as feições do dono”. Engraçado isso, quando alguém tem um carro durante algum tempo, as pessoas ligam aquele carro ao seu dono e parece que um assume a aparência do outro. Neste caso a coisa não era diferente: era olhar para o Fusca e enxergar o João Jubran.

- Ah, eu não quero esse carro com a feição do João Jubran! – cada freguês que via o carro exclamava.

Não adiantava argumentar. O Fusca estava há tanto tempo com o Jubran que qualquer um que visse o carro lembrava-se de seu dono.

Mas João Joia não ia desistir. Ele vendia qualquer automóvel e considerou vender esse Fusca como um desafio. Teve uma ideia e falou para seu xará:

- Jubran,vamos até Cerquilho, que eu tenho lá uma freguesa para seu Fusca! – afirmou.

Pouco mais de uma hora depois já estavam na cidade vizinha, conversando com a tal freguesa. Como vender aquele carro havia se tornado um desafio para João Joia, ele caprichou na argumentação e, enquanto mostrava detalhes do carro, era acompanhado de perto pelo seu dono:

- Este carro é uma verdadeira joia! – começou a expor. – Olhe o porta-malas, não tem amassados! Veja o local do estepe, dá para perceber que não tem nenhuma batida! E veja só esta lataria. Não se fazem mais carros assim atualmente! – enquanto isso, batia com o nó do dedo no capô do carro: toc toc toc! – Dá pra perceber que não tem massa plástica! – Venha ver as dobradiças das portas! Nenhum ponto podre! É realmente uma joia!

Assim, João Joia ia mostrando o carro, item por item, à compradora, assistido de perto pelo Dr. Jubran. Iam os três rodeando o Fusca para acompanhar aquele rosário de elogios.

-E o motor, não gasta um pingo de óleo! – continuava explicando a situação daquele que parecia ser primor de engenharia. – Os pneus estão quase novos! Além disso, gasta pouca gasolina. Faz quase 20 quilômetros com um litro de gasolina! – enaltecia sem cessar o Fusca. A mulher, claro, estava encantada com o carrinho. Em questão de alguns minutos o negócio estaria fechado.

Em pouco tempo a mulher já sonhava pilotar aquela joia

De repente, Dr. Jubran chamou o João Joia e disse baixinho:

- Ah, é melhor não vender mais o carro. Não sabia que ele estava assim tão bom! – falou Dr. Jubran, que não quis mais vender. Voltaram com o Fusca para Tatuí.

Pois é! Não havia carro que João Joia não vendesse. Este Fusca ele acabou vendendo para o próprio dono, que ainda lhe pagou pelo tempo despendido. Esta é uma história com final feliz! Todos ficaram felizes: Dr. João Jubran com aquela joia que não sabia que tinha. João Joia com a comissão da venda para o próprio dono e ainda ajeitou outro Fusca, digo, outra joia para sua freguesa de Cerquilho. Pode?