quarta-feira, abril 28, 2021

80) Riscando e rabiscando

Hoje as tatuagens estão na moda. Tatuagem e piercing. Primeiramente o culto ao corpo começou a sobrepujar a cultura da mente, tanto para mulheres quanto para homens. Depois o corpo deixou de ser um templo e começou a ser aviltado: rabiscado e perfurado. Há outras formas de prejudicar o corpo, com o excesso de álcool, com as drogas e também com a utilização de suplementos alimentares de uso veterinário, quando se deseja, quase que milagrosamente, um corpo musculoso. 

 Antigamente, perfurar o rosto era coisa de índio botocudo. Coisa de selvagens. As tatuagens também eram coisas de selvagens. Coisa de aborígene ou de presidiário. Agora isso tudo é moda. Índio botocudo retratado por Rugendas Fico imaginando que a próxima geração de idosos deve ser a mais feia que já existiu na Terra, pois esses rabiscos e furos, feitos em corpos jovens com pele lisa, com o processo natural de envelhecimento vai ficar um horror. Com as rugas e as pelancas, os velhos do futuro vão assustar criancinhas! Tenho ideia disso a partir da observação de alguns casos de pessoas que ainda são jovens, mas que a pele já sofreu alterações. Alguns desses merecem ser contados.


Velha tatuada. Pode ter sido engraçadinha quando era jovem! 

Um dia destes vi uma garota vestida daquele jeito que papai não gosta: “menina bonita de perna grossa, vestido curto, papai não gosta”. Ela havia feito duas tatuagens na parte de trás de suas coxas. Eram duas coloridas máscaras astecas. Quem faz tatuagens quer mostrá-las e, por isso, seu vestido era mais curto que o normal. Acontece que há outro processo bastante natural que as pessoas se esquecem: a possibilidade de engordar. Pois é, a menina em questão havia engordado alguns quilos e, logicamente, a tatuagem acompanhou as mudanças da pele. Enquanto a garota andava, a cada passo que dava as máscaras astecas piscavam os olhos. Um de cada vez. 

O Didi Sobral, dentista tatuiano há mais de vinte anos residindo em Portugal, quando vivia aqui no Brasil teve uma namorada “avançadinha”. Ela havia tatuado uma bela iguana, pouco abaixo do umbigo. No ano passado, Didi esteve por aqui a passeio e visitou todos os amigos que o tempo de sua estada permitiu. Quando passou pela cidade da ex-namorada, foi visitá-la. Ah, antes não tivesse ido. Guardaria lembrança de outros tempos. A mulher engordou e aquela bela iguana transformou-se em um horrível crocodilo!

A bela iguana cresceu junto com a barriga da moça, transformando-se em um horrível crocodilo! 

Há coisas ainda piores. As pessoas apaixonam-se e logo vão rabiscando o corpo com o nome da amada ou do amado. A paixão é passageira. Amores vêm e vão. Mas o rabisco tatuado permanece. Para remediar a coisa é complicada. Há a possibilidade, em alguns casos, de apagar a tatuagem com o emprego de um aparelho de raio laser. Mas na maior parte das situações, isso não é possível, tanto devido ao excesso de desenhos e cores, quanto pelo custo desse procedimento. Além de ser extremamente doloroso. Porém, uma das saídas é rabiscar mais uma tatuagem sobre aquela que não se quer mais, “borrando” o texto indesejado. 

 Aqui mesmo em Tatuí tem um exemplo desse tipo de tatuagem arrependida: Quem se lembra do Augusto Cornoló, vendedor de bilhetes? Homem com um bom humor incomparável. Pois bem, ele, apaixonado, tatuou em seu braço os seguintes dizeres: “Deus, eu e Cacilda”, para louvar seu amor. Mas o amor da Cacilda pelo Cornoló acabou e romperam. Pouco tempo depois, ela estava envolvida sentimentalmente com um homem chamado Walter. A tatuagem, no entanto, permanecia. Não dava para apagar. Com seu bom humor, espirituoso que era, Cornoló sermpre tinha uma piada pronta e disse que mandaria tatuar um adendo naqueles dizeres, que ficaria assim: “Deus, eu, Cacilda e Walter”. Porém isso não passou de mais uma piada dele e se transformou em mais uma lenda urbana tatuiana. 

Eis uma foto da citada moringa (ou mucura) do Cornoló! 

O Augusto Cornoló é mais um que faz falta no cotidiano da cidade, com seu bordão: “não esquente a moringa”, que ele mesmo “traduziu” para o castelhano como “non caliente la mucura”. Sorte de quem pode conviver com ele, em uma época em que o "politicamenge correto" não existia!

segunda-feira, março 14, 2011

92) A jardineira versus o anão e o padre

Havia em Tatuí, mais de meio século atrás, um anão conhecido como Dominguinho. Ele, era um anão “de tamanho médio”, nem muito pequeno e nem grande. Muito educado e trabalhador incansável, fazia faxinas em residências da cidade. Era um homem forte, apesar da pequena estatura.

Não importa o tamanho, anão ou gigante, todos precisam trabalhar...

Assim, em uma época em que não havia Cascolac ou coisa semelhante, os assoalhos de madeira precisavam ser raspados, encerados e escovados para aparecer algum brilho. Não havia também pisos vitrificados ou coisa semelhante. Os ladrilhos, feitos de cimento, formavam desenhos bonitos, mas precisavam ser encerados para brilhar. Era necessário cobrir os poros do ladrilho até aparecer brilho.

A cera era preparada em casa. Uma perigosa mistura de parafina, corante e gasolina que provocou muitos incêndios. Imaginem que a mistura tinha que acontecer com a gasolina fervendo em uma lata sobre o fogão!!!

Pois Dominguinho passava escovão com palha de aço nos assoalhos e ladrilhos das senhoras da cidade, para em seguida encerar com a tal mistura. Depois era passar novamente o escovão com flanela até surgir o brilho. Nada fácil!!!

Minha mãe, quando se casou, contratou o pequeno homem para encerar sua casa. Serviço duro. O assoalho de tábuas de soalho precisou de muita força. A casa, enorme, parte assoalhada e parte ladrilhada, deu um trabalhão para ficar pronta! Mas ficou um serviço tão bem feito que até hoje ela se lembra disso.

Para atender sua freguesia, Dominguinho comprou uma bicicleta, agilizando sua movimentação pela cidade, nessa época bem pequena. Foi nessa mesma ocasião que começou o serviço de ônibus circular em Tatuí. Na ocasião, ônibus era chamado de jardineira. O primeiro dono de circular em Tatuí foi um português chamado Silva. Homem trabalhador, mas um tanto bruto. Pudera, lidar com aqueles veículos, que quebravam o tempo todo não era coisa para qualquer um.

Certo dia, Dominguinho passava pela Rua do Cruzeiro com sua bicicleta. Seu pensamento estava fixo no próximo serviço que faria e estava desatento. De repente, o português e sua jardineira entraram na rua, atropelando o anão e sua bicicleta. Alertado pelos gritos de todos os passantes, Silva parou o veículo, pouco antes de passar por cima de Dominguinho.

Correram todos acudir o anão. Por sorte não aconteceu nada mais grave que entortar a bicicleta. Dominguinho, ágil, deu um salto e escapou da roda da circular. O português, contrariado pelo fato do ciclista não ter desviado, escapulido, nem se importou com o anão. Queria sair logo dali, continuar a viagem...

Dominguinho, homem educado, não ia dizer algum impropério ao português, mas deu uma indireta, perguntando ao motorista:

- Seu Silva, o senhor não se machucou? Não! Ótimo, o senhor teve muita sorte! – completou, dando um tapa com luvas de pelica no bruto português.

Aconteceu ainda outro impasse com o Silva, desta vez com o padre Murari. Antigamente, o tempo todo havia procissões em Tatuí. Cidade era mais alegre e muito religiosa, quase todos eram católicos. Com exceção da Igreja Protestante da Rua Onze de Agosto, não havia outra igreja na cidade. As procissões cortavam a cidade em todos os sentidos, conforme o santo do dia. Quilométricas!

Quando estavam construindo a Casa São Pio X, para incentivar doações, aumentaram ainda mais as procissões.

Aqui cabe um aparte. A construção do “São Pio X” fazia parte de um plano maior do catolicismo tatuiano. No final do século XIX, a cidade crescia rapidamente, industrializando-se e espalhando o progresso. Daí construiu-se a Igreja Matriz com porte de catedral, pois havia a suposição de que, com o rápido crescimento, logo Tatuí seria sede de bispado. O “São Pio X”, por sua vez, deveria ser o “palácio do bispo”. Mas o progresso da cidade emperrou. Apenas nestes últimos anos é que tem-se a impressão de que Tatuí voltou aos trilhos...

É interessante lembrar que as pessoas, quando liam que estava sendo construído “o Pio Décimo”, com o numeral em algarismo romano, entendiam como Pióx.

- Aqui vai ser construído o Pióx! - O que é Pióx? - com o tempo essa dúvida desapareceu e as pessoas passaram a chamar pelo nome correto...

Pois bem, com a necessidade de doações para a construção, Padre Murari e padre Ernesto revezavam-se para dar conta da demanda das procissões. Certo dia, quando saía da igreja mais uma procissão, com o padre Ernesto carregando o Cálice de Corpus Christi, a procissão empacou. Bem em frente da igreja, o Silva, curioso, parou a circular para xeretar, impedindo de as pessoas prosseguirem. Ah, por que!!! Padre Murari não tinha paciência. Saiu fuzilando e gritando para o Silva:

- Ei! Toca a jardineira! Toca a jardineira! – exclamava aos berros.

Na frente da igreja estava a banda que acompanharia a procissão. Ao ouvirem a ordem do padre, não pensaram duas vezes e, deixando de lado as músicas sacras, tocaram a marchinha carnavalesca: “Ó jardineira porque estás tão triste / mas o que foi que te aconteceu? / Foi a camélia que caiu do galho / Deu dois suspiros e depois morreu...”!!! Pó-pó-pó-pó-pó-pó...

91) Pastéis do Bar XV

O Bar XV foi ponto de reunião da sociedade tatuiana durante muitos anos. Sua inauguração foi comentada até em outras cidades. Bar e Restaurante XV. Passou por alguns donos até ser fechado. Não conheci todos eles, mas me recordo do Orlando Paulino da Cruz que, juntamente com sua esposa, dona Terezinha, dirigiu o bar e o restaurante durante alguns anos. Eu costumava almoçar lá com meus pais, durante esse período. Algum tempo depois, o restaurante deu lugar às mesas de snooker. Orlando Cruz ganhou muito dinheiro nesse bar, adquiriu o antigo Bar do Batista, derrubou o prédio velho e construiu outro, onde instalou o Bar Itamaraty. Um luxo na época.

Outro proprietário também se chamava Orlando (Orlando Soares). Por coincidência, os dois Orlandos eram homens bravos. Trabalhadores, honestos, mas com uma paciência curtíssima.

O tempo passou, as coisas modificaram-se e atualmente não mais existe o Bar XV. Ou melhor, parece que o tempo dos bares e restaurantes na Praça da Matriz já passou. Hoje é um centro comercial e bancário, com pessoas apenas passando por lá, sem muitas reuniões como costumava acontecer antigamente. É lógico que restam por lá alguns dinossauros: o pessoal do Senadinho, que insistem nos bate papos sob a sombra de alguma arvore.

Nos últimos tempos do Bar XV, o proprietário foi um português chamado Manoel. Não é falta de imaginação. O nome dele era mesmo Manoel. Nessa época, ainda havia algum movimento de pessoas na Praça, mesmo tarde da noite. O bar era um dos locais mais frequentados.

Mas os negócios do bar já estavam fracassando e o Manoel, buscando obter alguma renda, tentava incentivar seu negócio, preparando alguns jantares extras, principalmente visando convidar o Zé Turco e seus amigos, que não se importavam com os gastos.

Uma noite eu também fui. Estávamos conversando na praça, quando o português apareceu avisando que “estava pronta a janta”, como ele falou. Não pensei em ir, no primeiro momento, mas o Zé Turco disse que o português estava apertado financeiramente e achava melhor ir comer. Fomos lá, eu, Zé Turco, Elói Machado, Sérginho Corretor, Carminho Giudicci, Mauricio Camargo e mais alguns. Éramos em oito pessoas.

Quando fomos jantar, o português sentou-se junto conosco. Não parava de falar, entrava em todas as conversas, tomava batidinhas, vodka, cerveja... e comia como um leão. Zé Turco e Elói estavam bem alegres. Nem se importavam com o danado português.

Na hora de pagar, o homem apresentou a conta com esta descrição: 9 jantas: tantos
Cruzeiros (nesse tempo a moeda nacional era o Cruzeiro).

- Mas estamos em oito pessoas! – eu reclamei.

O espertalhão do português, protestou, dizendo:

- E eu? E eu? – somando-se ao grupo.

Pois o danado fez a comida, comeu junto sem ser convidado, bebeu e incluiu essa despesa na conta. Além disso, reclamou comigo que o Zé Turco sempre pagava sem achar ruim... na verdade, o Zé não havia percebido essa malandragem do Manoel. Ah, mas o castigo veio a cavalo!!!

Como o português era “espertinho”, logo as pessoas perceberam e os clientes sumiram. Mas antes disso, o Zinho Rosa resolveu passar um trote no Manoel, pois não havia sido devidamente atendido nesse bar. Do seu escritório, Zinho ligou ao Bar XV, modificando sua voz e apresentando-se como sendo o Jonas da Casa dos Presentes.

- Alô! É o Manoel? Boa tarde! Aqui é o Jonas da Casa dos Presentes! – disse o Zinho, fingindo ser o Jonas. E continuou:

Os pastéis do Bar XV ainda existem, agora na lanchonete Soares

- Estamos fazendo uma confraternização aqui na loja e quero que você faça alguns pastéis. Pode ser? – indagou o “Jonas”, como supunha o Manoel.

- Ah, claro que sim! – afirmou o português.

- Então traga 20 pastéis de carne, 20 de queijo e 20 de palmito! – disse o “Jonas”. – E traga 5 Cocas litro, bem geladas. E traga já abertas, porque não tenho abridor aqui.

Meia hora depois, aparecem na Casa dos Presentes o Manoel e um funcionário carregando uma cesta com 60 pastéis e os 5 litros de Coca-cola abertos. Dirigiu-se ao Jonas e logo foi constatado que se tratava de um trote.

O Jonas penalizou-se com o caso e ficou com parte daquela encomenda, que serviu aos seus funcionários. Pagou apenas o preço de custo, mas o português não teve maiores perdas. Algum tempo depois, porém, o português atendeu ao telefone do bar:

- Alô! Manoel? Aqui é o Jonas da Casa dos Presentes! Desta vez não é trote! – explicou a voz ao telefone. - Se você puder, mande 20 pastéis de carne e 20 de queijo, junto com 3 cocas litro, bem geladas! Resolvi dar uma festinha aos funcionários e você também está convidado!

O Manoel não pensou duas vezes. Meia hora depois levou a encomenda ao Jonas. Mas era mais um trote do Zinho Rosa, que bisava o caso dos pastéis. O português era muito espertinho, mas acabou caindo duas vezes. Desta vez, porém, o Jonas não teve dó e dispensou o homem com seus pastéis... kkk

90) Pai ou filho?

A Tipografia Machado foi fundada por Tomazinho Machado, meu tio avô. Quem deu continuidade a essa empresa foi seu filho Cícero e continuada pelo seu neto, também chamado Cícero.

Durante muitos anos, todos os serviços de impressão em Tatuí foram realizados por tipografias. Lembro-me da Tipografia Tacitinho, bem ao lado do Armazém do Lalau e da Tipografia Unidos, na Rua Cel. Aureliano de Camargo, cujo imóvel fazia fundos com minha casa da Travessa dos Pracinhas. Só uma pequena parte desse imóvel coincidia com o quintal de casa, mas o barulho das máquinas entrava até na cozinha.

Hoje os sistemas de impressão não são mais por meio de tipos e os textos são, em sua maioria, gerados em computadores. Tudo tem se modificado com intensidade nos últimos anos, deixando de lado equipamentos até pouco tempo atrás considerados como modernos.

Mas voltando à Tipografia Machado, Cícero Machado trabalhou ali durante algumas décadas, até falecer. Cícero era um homem muito ativo, prestativo e que se envolvia em todas as atividades da cidade, inclusive políticas.

Os negócios da tipografia nem sempre caminhavam como ele esperava e, por isso, teve alguns problemas com o fisco, que ele mesmo superou, estudando a legislação tributária e, desta forma, encontrando as alternativas para solucionar todas as questões, a ponto de se transformar no maior rábula tributarista que já viveu em Tatuí. Ele entendia da legislação tributária como nenhum advogado tatuiano de sua época.

Em função de sua profissão, tinha uma ótima redação e, assim, redigia todos os requerimentos e as manifestações de algumas ações tributárias que enfrentou, sempre tendo que encontrar um amigo advogado para assinar. Mas quem redigia era ele mesmo.

O telefone na tipografia estava sempre ocupado. Ou eram clientes solicitando serviços tipográficos e orçamentos, ou eram algumas moças que ligavam para o seu filho Cicinho, paquerando-o.

A cena costumeira era assim:

Triimmm! Trimmm!

- Alô! – Cicero atendia.

- Quero falar com Cícero! – dizia a voz do outro lado da linha.

Como havia dois Cíceros, todas as vezes Cícero Machado perguntava:

- Você quer falar com o Cícero pai ou Cícero filho? – indagava.

Quando era uma voz masculina, invariavelmente a chamada era para o Cícero pai e, quando a voz era feminina, a chamada era para o Cícero filho, sempre:

- Cicinho, venha que tem uma moça querendo falar com você! – Cícero chamava seu filho.

E assim passava-se o tempo...

- Alô! Quer falar com o Cícero pai ou Cícero filho? – o Cícero “pai” acostumou-se com aquela rotina.

Um dia, porém, quando Cicero atendeu ao telefone, uma voz feminina muito suave e simpática disse:

- Alô! É da Tipografia Machado? Quero falar com o Cícero! – disse a tal voz suavemente.

- Cicero pai ou Cicero filho? – indagou o pai.

- Ah, Cicero pai! – respondeu educadamente aquela voz.

Cicero Machado ficou até empolgado, pois havia muito tempo que uma voz feminina tão simpática não o chamava ao telefone.

- É ele mesmo! Quem está falando? – respondeu entusiasmado.

- Aqui é Isolina Donati, do Cartório de Protestos! Tem um título em seu nome que está aqui para ser protestado...

A desilusão foi imediata. A única vez que uma voz feminina queria falar com ele foi essa...

Dona Isolina Donati completou uns dias destes 100 anos, com bastante saúde. Foi uma pioneira, sendo chefe de um estabelecimento oficial, como se diz hoje, uma executiva. Em sua época as mulheres apenas faziam trabalhos secundários ou serviços domésticos. Chefia, nunca.

sexta-feira, agosto 13, 2010

89) No tempo da Botica

Em Tatuí pouca coisa é tão velha quanto a Pharmácia Nova. Mais de cem anos. Os Villa Nova têm acompanhado o desenvolvimento da cidade desde o início do século passado, quando Ignácio Villa Nova estabeleceu-se com uma botica. Muita coisa mudou nesses cento e poucos anos.

Os costumes mudaram com o passar do tempo. Lembro-me, certa vez, que um freguês (nessa época, clientes ainda eram fregueses) chegou perto do Ary Villa Nova, muito reservadamente, pegando na gola de sua camisa, pedindo, através de sinais discretos, preservativos. Imagine se alguém teria coragem de pedir em voz alta uma caixa de camisinhas!!!

E para comprar absorventes então? Nem toda mulher tinha coragem e ousadia para tanto. Preferiam as toalhinhas laváveis. Na farmácia, as caixas de Modess ficavam previamente embrulhadas e a compra, quando acontecia, era algo silencioso. A freguesa (ou seu marido, na maioria das vezes) pedia uma aspirina e simplesmente pegava um pacote devidamente embrulhado, pedindo para cobrar aquilo junto com a aspirina... Hoje ninguém se preocupa com isso. Pedem em voz alta qualquer um desses produtos. - O tempora! O mores! - diria um latinista.

Mas o caso que vou relatar é bem mais antigo que isso. Coisas do tempo do velho Ignácio:

No início do século XX a maioria da população não sabia ler nem escrever. Pudera, quase todo mundo vivia na área rural e para lidar com uma enxada a leitura era de pouca valia. As coisas que interessavam eram passadas oralmente de geração em geração. Como plantar, como cuidar da plantação ou como realizar a colheita... A vida, de modo geral, era também muito mais simples. Entretanto, sem instrução havia um nível maior de ignorância.

Pois bem, certo dia apareceu na botica do seu Ignácio um caboclo reclamando de dores em seu ventre e de dificuldades para defecar. Era costume na época consultar-se com o farmacêutico. Seu Ignácio receitou um purgante:

- Tome este remédio que vai resolver o problema! – explicou, contando o modo de tomar.

No dia seguinte, o mesmo freguês apareceu de novo. Seu Ignácio perguntou então:

- Evacuou?

O homem respondeu que não. Que as coisas não estavam nada bem. Ignácio Villa Nova pegou então um pouco de pinhão paraguaio e preparou um remédio mais forte. Entregou ao homem, explicando como tomar aquilo.

Mas no outro dia lá estava o freguês novamente na botica. Com uma fisionomia deplorável. Ao bater os olhos no homem, seu Ignácio percebeu que a coisa não estava bem e perguntou novamente:

- Não evacuou?

- Não! – respondeu desoladamente o pobre caboclo.

Então espera aí. O farmacêutico foi ao laboratório e preparou um novo remédio a base de tártaro emético, um medicamento utilizado para resolver prisão de ventre em equinos. Preparou uma dose cavalar, explicou o modo de tomar e entregou ao homem.

No outro dia, trêmulo e pálido, veio novamente o freguês. Villa Nova, preocupadíssimo com a situação, perguntou ao homem novamente:

- Evacuou desta vez?

- Não! – foi a resposta.

Seu Ignácio então teve o pressentimento que o homem não estava entendendo a coisa e foi mais claro:

- Cagou?

- Ah, nhô Ignácio... Ihhh, se caguei! Tô cagando tanto que o “pessoár” do bairro num sabe se mudam a fossa ou o “paiór”!

Já que o assunto é escatológico, em outra ocasião um freguês da farmácia precisava fazer exame de fezes. Nessa época o material colhido era enviado de trem a São Paulo. O velho Villa Nova explicou que era preciso colocar o material em uma lata devidamente fechada.

- O senhor recolhe as fezes, coloca na lata e traz aqui que eu envio para o laboratório, lá em São Paulo! – explicou.

O homem foi embora e sumiu. Demorou mais de um mês para retornar. Quando seu Ignácio atendeu o homem foi logo reclamando da demora.

- Por que demorou tanto tempo? – disse o farmacêutico.

O caipira abriu o saco que carregava e pegou uma lata de Toddy, daquelas antigas de cinco quilos, explicando:

- É que demorou todo esse tempo para encher a lata!!!

Arre! Que horror!!!

88) A família dos Mé

A privatização modificou o cenário econômico brasileiro. Hoje há inúmeras companhias privadas atuando em mercados que eram dominados por empresas estatais ou mistas. A telefonia e a distribuição de energia elétrica são alguns exemplos. Existem diversas empresas atuando no mercado de comunicação ou de distribuição de eletricidade.

Este caso aconteceu há alguns anos, quando a concessionária de energia elétrica que operava em Tatuí era a CESP (Centrais Elétricas de São Paulo S/A), empresa de economia mista. Na filial de Tatuí, trabalhou lá, durante muitos anos, o Luiz Del Bem Jr., hoje advogado atuante nesta Comarca e excelente contador de causos. Pois foi exatamente ele quem me contou o caso aqui registrado, afirmando ser pura verdade.

O escritório da CESP em Tatuí funcionava como uma sub-regional, sendo que daqui saíam as coordenadas para os municípios circunvizinhos que eram atendidos por essa concessionária. Havia a necessidade de realizar um cadastramento dos consumidores de energia elétrica da cidade de Tietê e, pelos motivos já explicados, foi o escritório de Tatuí que efetuou tal ação.

Del Bem coordenava essas atividades em Tatuí e viajava quase todos os dias a Tietê, para acertar o tal cadastro. Destacou um funcionário, conhecido como Corruíra, para digitar os dados dos consumidores tieteenses no cadastro da CESP. Uma tarde, passando perto do Corruíra, ouviu-o comentando com colegas que a família Mé era a maior de Tietê:

- Puxa, parece que todo mundo de Tietê é da família dos Mé! – comentou surpreso com um colega.

O Del Bem achou que ele havia se enganado e perguntou:

- Você está falando da família Melaré? – questionou a mesmo tempo sugerindo uma resposta.

- Não! É família Mé mesmo! – explicou o Corruíra.

O assunto não prosseguiu naquele dia, pois cada um dos personagens tinha tarefas específicas a cumprir e foi o que fizeram. Os dados exigidos para cada consumidor ser cadastrado eram muitos e, por isso, o trabalho do Corruíra prosseguiu mais uns dias.

Na semana seguinte, Del Bem lembrou-se da questão das famílias tieteenses e perguntou novamente ao Corruíra:

- Não será a família dos Mello que é grande na cidade? – mais uma vez questionou sugerindo.

- Não! – assegurou o Corruíra. – É tudo gente dos Mé! – reafirmou.

Intrigado com o caso, o Del Bem foi conferir a papelada do cadastro dos consumidores de Tietê. Logo encontrou a resposta às dúvidas que teve. Como a cidade vizinha sempre se destacou pelas pequenas confecções e outras microempresas, um grande número de pessoas estabelecia-se em sua própria casa com uma confecção, uma oficina de costura ou outro estabelecimento congênere. Para conseguirem financiamentos de máquinas ou equipamentos, além de outros empréstimos, não ficavam na clandestinidade e logo abriam uma microempresa.

Dessa forma, havia no cadastro que o Corruíra digitava, uma infinidade de microempresas, como “José Beltrano ME”, “Maria de Tal ME”, “Fulano de Tal ME”, “Cicrano Beltrano ME”, etc. que ele lia e entendia como “Mé”, imaginando que fosse uma enorme família dessa cidade.

Ah, por sorte o tieteense Cornélio Pires já se foi há muito tempo, pois ele não deixaria de fazer um comentário enquadrando a inteligência do Corruíra ou qualificando o Del Bem como um novo Joaquim Bentinho...

87) Casamento Cigano

Se há uma coisa que ciganos fazem muito bem é festa, principalmente em casamentos. O casamento, para o povo cigano, constitui em uma das tradições mais bem conservadas, pois representa a continuidade de um grupo. Pessoas desinformadas podem ter ideias erradas a respeito dos costumes típicos, mas ciganos são excessivamente rigorosos quanto ao casamento. Há, inclusive, impedimentos para casamentos entre ciganos e não-ciganos. As exceções dependem de alguns fatores que não dizem respeito a este caso.

Há um mote que descreve a vida desse povo: “O Céu é meu teto, a Terra é minha pátria e a Liberdade é minha religião”. São essencialmente nômades, porém, em Tatuí alguns grupos radicaram-se na cidade há décadas.

Certo dia, alguns anos atrás, aconteceu um casamento cigano em Tatuí e, como não poderia deixar de ser, festejado por muitos convidados em uma festa memorável. Após a cerimônia religiosa - também indispensável conforme a tradição desse povo -, começaram os festejos, em uma tenda improvisada em um terreno com um grande quintal. Tudo estava enfeitado com ornamentos que lembravam suas tradições.

Homens e mulheres vestidos com roupas típicas, com muitos brilhos de ouro, prata e pedras preciosas. Um monte de gente bonita. A festa foi um espetáculo inesquecível para quem assistiu, além do banquete, com comida e bebida abundantemente servidas.

Depois dos rituais costumeiros, a festa prosseguiu sob o som de um grupo de músicos muito conhecidos na cidade nessa ocasião. O instrumento que liderava o arrasta-pé era a sanfona, tocada pelo Dito Cigano. O instrumento que nunca faltava por lá era o baixo-tuba, tocado com muita categoria por outro cigano, o Mé. Os demais músicos eram Martinho Medeiros, na caixa; Mário Chulé, no bumbo; e Zé Largo, no contra-surdo. Devido à possibilidade de chover, a banda ficou em um palco improvisado dentro da tenda, mas estrategicamente colocada de maneira tal que mesmo quem estivesse fora pudesse ouvir. O grupo tocou inúmeras melodias durante horas, com pequenos intervalos para comer e beber.

A festa avançou pela madrugada. No dia seguinte, de acordo com a tradição cigana, ainda haveria mais festas. Mesmo assim, o grupo de músicos parecia incansável. A sanfona puxava as melodias. Muitos dançavam há horas. A alegria era visível por todos os lados. Os noivos, sentados à mesa principal, conversavam e eram cumprimentados por todos os convidados.

O baixo-tuba (sousafone) da banda foi o instrumento mais presente em todas as festividades que aconteceram em Tatuí durante muitos anos, pois o Mé adorava tocar. Não perdia uma oportunidade de mostrar seus dotes musicais, mesmo porque era para ele um grande prazer. Tocava em festas, igrejas, procissões, bailes ou mesmo na Vila do Céu. O negócio dele era soprar aquele enorme instrumento.

E nessa festa, depois de algumas horas tocando e tomando uns tragos, ficou meio descuidado e, sem prestar muita atenção, empolgando-se com uma determinada música, acabou esbarrando a borda da campânula da tuba em uma chave de fusíveis, daquelas do tipo “faca”, sem proteção contra choques, que ligava a energia na tenda.

Ah, mas que horror! No contato com a eletricidade a tuba “grudou” na chave e, como aquele instrumento envolve grande parte do corpo, a corrente de 220 volts fez o Mé gritar e chacoalhar-se, tentando livrar-se daquilo, mas não conseguiu, pois a eletricidade provocava fibrilações intensas. Desmaiou e caiu e, com isto, interrompeu a passagem da corrente elétrica pelo seu corpo. Todos correram acudir, mas o pobre músico não voltava a si. Foi necessário levá-lo à Santa Casa onde, algum tempo depois e com atendimento médico, acordou.

Mas a festa acabou. Todos ficaram preocupados com o Mé e não mais havia clima para isso. Logo que chegou a notícia de que o músico recobrou a consciência e estava bem, todos se alegraram e confirmaram o prosseguimento da festança no dia seguinte. Com muita música e com o Mé tocando sua tuba, claro. Pópópópópó!!!!

86) A Praça do Amor

Como muitos ainda se lembram, a Praça da Matriz foi o ponto de encontro dos tatuianos durante muitas décadas. Lá os finais de semana eram movimentadíssimos, tanto pelos clubes, bares, restaurantes ou cinemas, quanto pela própria praça. As pessoas não ficavam em casa, sendo que lá era o ponto de encontro principal. Uma vez na praça, decidiam aonde iriam curtir seus momentos de lazer.

Desde o anoitecer, aos sábados e domingos, o movimento era grande. Iniciava com a missa na igreja matriz e, do outro lado da praça, perto de onde há um monumento à bíblia, formava-se uma roda de crentes, que, animados pelo som de uma sanfona e de palmas, atraíam ouvintes às palavras do Evangelho. Ao mesmo tempo, como se fosse um maestro com sua batuta, de colher de pau na mão, o pipoqueiro Justo fazia a primeira panelada de pipocas, dando o toque mágico para a praça começar a animar, com pessoas vindas de todos os cantos da cidade, em um desfile alegre e ordeiro pelas ruas que conduziam ao centro da cidade.

Relembrando a geografia das redondezas, havia o Cine S. Martinho, Clube Recreativo XI de Agosto, Hotel Del Fiol (com um enorme banco de frente para a praça), Bar e Restaurante 80, Bar Central, Bar XV, Bar do Batista, Bar do Pio, Bar do Sartorato (lembro-me das batidinhas que ele preparava, como a “serenade”). Outros locais, nas redondezas, também eram pontos de encontro, cada qual com sua especialidade: uns iam para comer, outros para beber ou para jogar “snooker”, cartas ou, ainda, dançar.

Bem no centro de tudo, a fonte luminosa, que logo após a pregação dos pescadores de almas, era ligada, juntamente com sua sonorização. E as músicas da fonte se transformavam em trilhas sonoras de muitos casos de amor. Raramente aconteciam brigas, pois todos que ali estavam buscavam encontrar a sua cara metade ou, no mínimo, distrair-se.

Tudo era magicamente preparado para mais uma noite de busca pela felicidade. Além dos bares, clubes e cinemas – lembrei-me mais destas -, em algumas ocasiões aconteciam quermesses e outros eventos, como quando aparecia o Paulo Dragão com suas barraquinhas de rifas e coelhos da sorte.

Mesmo tentando recordar os eventos que aconteciam na Praça da Matriz, as nuvens do tempo escondem fatos e coisas e, assim, sei que muita coisa foi esquecida, mas deixo aos leitores que conheceram o local em diversas épocas, o exercício de rememorar tudo que havia ali nos anos 60, 70 e 80.

Esforçando um pouco a memória, veio-me à mente como as pessoas passavam seus momentos ali na praça, fazendo o “trottoir”, uma alegre caminhada sem fim, em que homens e mulheres davam incontáveis voltas na praça – homens de um lado e mulheres de outro, de modo que todos se encontravam duas vezes a cada volta -, permitindo que olhares fossem trocados e o amor pudesse surgir.

Uma coisa era certa: Cupido, deus do amor, lançava suas flechas aqui e ali, por toda a praça, e cada par de flechas lançadas resultava em um novo casal na cidade. Apesar das possibilidades de encontrar a cara metade, nem todos eram atingidos pelas flechas de Cupido e ficavam lá simplesmente passeando e conversando. Muitas pessoas seguiam a moda da época, que incluía, certamente, copiar alguma coisa dos ídolos da música, da TV e do cinema, tal como acontece hoje.

Os casos mais comuns, na ocasião, era imitar ídolos da Jovem Guarda e, por isso, alguns rapazes andavam arrastando uma perna, fingindo mancar como Roberto Carlos – às vezes, dando voltas pela praça, era possível imaginar que um grande desastre havia ocorrido, tantos eram os que arrastavam a perna por lá, tentando chamar a atenção dos brotos, como costumavam falar na época -, além de imitadores de personagens de filmes de Hollywood, com uma multidão de Macistes, Hércules e Sansões.

Roberto Carlos era, dentre os cantores, o mais imitado, mas outros davam pinta de Ronnie Von, de Erasmo Carlos, além dos cortes de cabelos igual aos Beatles ou Rolling Stones, enquanto que as moças imitavam Wanderléa, Martinha e cantoras ou atrizes internacionais, com legiões de penteados iguais à Brigite Bardot ou Sofia Loren.

Zuuuuuuuuummmmmmmm! Epa! Que aconteceu? A banda tocou os últimos acordes da valsa do Bimbo e a praça fechou! Tudo ficou escuro. Não tem clubes. Não tem rinque de patinação. Não tem cinemas. Não tem restaurantes. Não tem bares que amanheciam abertos. Não tem aquela multidão pessoas buscando o amor em intermináveis passeios em torno do centro da praça. Nem os crentes se arriscam pescar almas por lá. Agora a praça é triste! Estão todos em casa, com os olhos fixos na telinha da TV, acompanhando novelas que falam de casos de amor, iguais àqueles que, todos os finais de semana, aconteciam na Praça do Amor de Tatuí.

quarta-feira, abril 07, 2010

85) Jovens de Outrora

A Internet revolucionou o mundo não apenas em termos de comunicação. No mundo sem fronteiras da Internet, há um constante tráfego de informações eletrônicas de todos os tipos, incluindo textos, figuras, sons e imagens. Tudo isto a alcance de um simples clique. Desde 1995, a rede mundial está disponível aos brasileiros. Agora, todo mundo que acessa a Internet encontra amigos virtuais, utilizando MSN, ICQ ou salas de Chat (bate-papo).

Antes da Internet havia o serviço de vídeo-texto da Telesp, com equipamentos e computadores conectados através da linha telefônica, com alguma semelhança aos serviços da Internet, tais como fóruns de discussão, chat, notícias, e também serviços públicos como consulta à Serasa e ao Detran. Além disso, havia as BBS (Bulletin Board System), um sistema de computador que permitia conexões para trocar arquivos e informações.

Pois bem, com o vídeo texto tornou-se comum a formação de grupos de usuários que acabavam se tornando amigos. A troca de mensagens pelo vídeo texto possibilitava e incentivava as pessoas a se conhecerem pessoalmente, inclusive promovendo reuniões em bares, restaurantes e pizzarias.

Eu comecei a utilizar o vídeo texto com o meu computador XP, em uma época em que não havia o Windows e nem Internet. Ah, noites e mais noites ligado em bate-papos intermináveis. Em pouco tempo, passei a conhecer inúmeras pessoas que também utilizavam esse equipamento. Algum tempo depois, apresentei a coisa ao meu amigo Jaime Fonseca, que aderiu imediatamente. Em 1996, eu e o Jaime conhecemos algumas pessoas nesses bate-papos. Todo mundo se conhecia por pseudônimos. O meu era PETERPAN e o Jaime se apresentava como VICENTE.

Fomos recebidos por uma mulher que parecia um padre todo paramentado!

As salas de bate-papo eram separadas por idades ou por interesses. Eu tinha nessa época pouco mais de 40 anos e o Jaime se aproximava dos 50. Então, conversávamos com pessoas dessa faixa etária na mesma sala. Com isto, conhecemos diversas pessoas de todo o Brasil. Certo dia, resolveram marcar uma festa em São Paulo, com o nome de “Jovens de Outrora”.

Acertamos nosso ingresso e fomos lá. Eu, a Janete (minha esposa) e o Jaime. O buffet escolhido para a festa era bastante sofisticado. A decoração do local incluiu um Chevrolet De Luxe e um Simca Esplanada. Claro, era um ambiente para os jovens de outrora!!! Quando fomos entrando, já ao longe dava para ouvir a música do ambiente: Twist! Isso mesmo, a “trilha sonora” do evento foi na base do twist, rock and roll, iê-iê-iê, bossa nova e músicas da Jovem Guarda. Havia whisky, cuba-libre, hi-fi e cerveja à vontade! E, claro, Coca-Cola e Guaraná Antarctica. Para comer, hot-dog. As coisas da época. Muitas pessoas estavam à caráter, vestidas com roupas da época.

Na entrada, ODETE, a hostess, nos esperava de braços abertos. Foi o primeiro susto! Não tinha idéia de que a tal outrora era tão antigamente!!! A mulher, já de idade avançada, com os braços abertos, mais parecia um padre todo paramentado, pois a pelanca que pendia de seus braços, de longe, dava a impressão de ser como os paramentos que o padre usa nas missas.

Não imaginei que a coisa era assim, "tão outrora"!!

O que havia de mulher careca na festa não foi brincadeira! A vida reserva maus pedaços para algumas pessoas e os tratamentos através de quimioterapia tinham “pelado” muitas daquelas mulheres. Com o vídeo-texto não dava pra saber, claro. Não havia a possibilidade de ver o interlocutor.

Notei que a DEL!CADA, com bastante facilidade, seria capaz de descarregar um caminhão cheio de vigas de madeira. Um cara que conheci, o CONDOR, mostrou que fazia jus ao nome. Só que deveria se chamar “Com Dores”, pois estava bem judiado.

O Jaime, solteiro nessa ocasião, trocava mensagens com uma mulher que dizia ter 45 anos e se apresentava como ELLA. Quando o Jaime avisou que iria ao evento, a mulher (ELLA), disse que tinha 54 anos. Mesmo assim ele topou. Mas era mentira. Ao encontrar a anciã, deduzimos que tinha, pelo menos, uns 65 aninhos.

Passei perto de um grupo e escutei um comentário: “- Olha o ‘tamanhinho’ do PETERPAN!”. Eheheh! A VANDERLEIA, uma carioca, usava uma roupa que lembrava a artista, mas o rostinho... ah, tadinha!

Janete e eu conversamos bastante, com muitas pessoas, enquanto que o Jaime, requisitadíssimo pela mulherada, não parava de dançar. A expressão dele era um reflexo do sucesso que fez na festa. Seu bigode ficava esticado horizontalmente no rosto. O twist e o rock and roll não cessavam. Elvis Presley parecia estar vivo, cantando it’s now or never... pois amanhã será muito tarde!!!. Os Beatles gritavam nas caixas de som: She loves you, yeah, yeah, yeah!

Apesar do susto inicial, a festa foi ótima. Ou melhor, foi uma “Festa de Arromba”, pois esse hit da Jovem Guarda tocou sem parar:

“Vejam só que Festa de Arromba!
No outro dia, eu fui parar...
...
Hey! Hey! (Hey! Hey!)
Que onda!
Que festa de arromba!...”

segunda-feira, março 01, 2010

84) Em busca do Pote de Ouro

Há, pelo menos, dois mundos em que se vive. Um deles, ideal, está presente em nossos sonhos. O outro, real, é onde se vive. A chave liga/desliga entre um e outro é o despertar/adormecer. O mundo real é trabalhoso, para se dizer o mínimo. Já no mundo dos sonhos há arco-íris com potes de ouro. Algumas pessoas são sonhadoras e buscam potes de ouro também no mundo real.

É com a imaginação que são criadas as soluções para todos os entraves que possam impedir o progresso da humanidade. Einstein percebeu a importância da imaginação, quando disse que ela seria mais importante que o conhecimento, pois o conhecimento é limitado e a imaginação envolve o mundo. Só que, se sonhar é permitido, não significa que todos os sonhos serão transformados em realidade. Mas não custa tentar, claro.

Conheço uns amigos que estão sempre tentando: certo dia de dezembro, alguns anos atrás, o Luis Carlos Azevedo, o Pelé, procurou seu amigo Alcides Camilo (Véia) com um “negócio da China”, e foi dizendo:

- Véia, eu estava em Piracicaba e descobri que lá não tem mais leitoas para o Natal e final de ano! – disse, meio afobado. – Sei de um homem em Cesário Lange que criou leitoas e não conseguiu vender tudo! E ele dá um prazo pra pagar! – rematou.

Conversaram um pouco e concluíram que o negócio era “batata”. Compra aqui e vende ali. Na mesma hora surgiu na frente dos dois a imagem de um pote de ouro e resolveram ir à Cesário Lange comprar leitões. Lucro na certa!

Havia apenas um pequeno problema: onde guardar os leitões até o abate. A casa do Pelé não tinha quintal e a do Camilo tinha, mas era pequeno. Assim mesmo resolveram guardar lá os porquinhos. Era só por um ou dois dias. Compraram 50 leitões. Quando o caminhão do criador entregou os animais, perceberam que a cerca do quintal estava muito ruim e todos os porcos escapariam.

- Vamos então prender os bichos dentro de casa! – resolveram, pois no dia seguinte já iam abatê-los.

Ah, mas que horror! Desde que chegaram à casa do Véia foi só Oinc, Oinc, Oinc... e Quiiiimmm, Quiiiimmm, Quiiiimmm! O barulho daquela vara de leitões foi incessante, além do cheiro terrível! Para piorar, os porquinhos fuçaram pela casa toda e comeram os pés dos armários, guarda-roupas, mesas e cadeiras, alguns tapetes e tudo que encontraram pela frente! Isso sem contar a quantidade de cocô que produziram!

Depois de uma noitada emporcalhada, Pelé apareceu com dois tambores e um ex-açougueiro para abater os animais. Que judiação! Foi uma verdadeira carnificina! Os grunhidos desesperados dos porquinhos no momento do abate foi uma coisa indescritível! E, para dar conta do abate de meia centena de leitões, nem bem estava morto um bicho, já iam “pelando” na água fervente. O sangue, as tripas, a sujeira espalhava-se pelo quintal. Foram necessários dois horríveis dias para matar e limpar os animais, pois em um dia, só deu para lidar com uns 30 leitões.



Como a coisa ia dar muito lucro, Pelé comprou um Dodge Charger para levar os leitões limpos à Piracicaba. Ia pagar com o lucro da venda dos porquinhos. Alegou que esse carro tinha um porta-malas espaçoso. Por falar em espaço, isso não existia mais na casa do Véia. Estava lotada de leitões e leitoas, limpos e devidamente preparados para serem vendidos.

No segundo dia do abate, enquanto prosseguia a mortandade na casa do Véia, Pelé lotou o porta-malas do Dodge e foi vender em Piracicaba. E não é que vendia fácil mesmo? Em todos os locais em que ofereceu, vendeu. Só que as pessoas queriam comprar apenas “traseiros” dos leitões, mas não os “dianteiros”. Daí que metade da carga voltou.

Quando o Pelé voltou à casa do Véia, não havia mais espaço nem para um toucinho, quanto mais para um porta-malas lotado de “dianteiros” de leitões. A coisa ficou complicada, mas o pote de ouro ainda brilhava no final do arco-íris, pois no dia seguinte tudo seria diferente, imaginaram.

Mais uma viagem de Charger à Piracicaba e os traseiros foram vendidos. Sobraram quase todos os “dianteiros”. Não cabiam na geladeira e não dava para deixar fora. Alguns já haviam sido abatidos há dois dias! Parecia que estavam meio esverdeados. Tinham que lavar com sabão e bucha. Com muito esforço e descontos, alguns dianteiros acabaram sendo vendidos e os restantes serviram de presentes para quem quisesse.

Como foram muitas viagens de Dodge, a despesa com a gasolina acabou com a possibilidade de lucro. A coisa deu errada e não sobrou nem para pagar o fornecedor dos leitões. Foi um perereco para acertar com o criador dos porcos, que aparecia o tempo todo na casa dos dois amigos. O pote de ouro, por sua vez, claro, não apareceu!

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

83) Tudo com a maior higiene

Certa vez, Edgar Vieira e Elias Sallum foram pescar no rio Paranapanema com seus filhos João Augusto e Eliazinho. Na hora do almoço foram numa espécie de bar e restaurante que ficava na beira do rio. O cozinheiro que limpava os peixes para fritar tinha uma pequena ferida no rosto.

Edgar viu que o homem coçava ao redor da ferida com a ponta da mesma faca que cortava os peixes e avisou Elias. Quando se levantavam para sair, notaram que os meninos estavam com fome. Levaram em consideração que havia uma bela salada para eles comerem. As verduras, lavadas, estavam em uma bacia e tinham ótima aparência.

- Vai dar para tapear o estômago! – comentou com Elias.

Até a rainha da Inglaterra cotuca o nariz, de vez em quando!

Nisso entrou a mulher do cozinheiro que, caminhando, se assoou ruidosamente com as mãos: Prrrrr! Parecia uma buzina. Com um movimento rápido de mão e dedos, lançou ao chão a meleca que saiu do nariz. Quando a danada mulher aproximou-se da bacia com as verduras, foi logo enfiando as mãos sujas na bacia e, remexendo os vegetais, disse, com uma pronúncia esquisita devido à coriza que ainda escorria do nariz:

- Que “selada” coisa mais linda! Que beleza de “selada”!

Depois disso não deu mais para ficar. Arrumaram uma desculpa qualquer e foram embora sem comer. Na estrada, o ruído dos estômagos do João Augusto e do Eliazinho encobria o ronco do DKW do Elias Sallum.

O pior de tudo é que esse comportamento anti-higiênico não é incomum: Quando vendia o loteamento Colina Verde, Zé Turco estabeleceu seu escritório no antigo posto de gasolina do seu Chiquinho Del Fiol, ali na esquina da Praça da Matriz.

Durante o dia todo, ele atendia no escritório do posto e, no final da tarde, costumava curtir a “happy hour” no bar que existia no local onde hoje estão as lojas “Toda Mulher” e a “Ótica Visão” O correto deveria ser “many happy hours”, pois os aperitivos, as comidinhas e os bate-papos começavam antes do final do expediente e estendiam-se até bem tarde.

Ah, como eram alegres essas horas felizes!! Sentados em frente à Praça da Matriz, os encontros diários do Zé Turco com seus amigos eram um misto de riso e cerveja, salgadinhos e cerveja, porções de queijo e cerveja, mortadela e cerveja, salame e cerveja, conversa e cerveja, azeitonas e cerveja, cerveja e cerveja...

O barman chamava-se Acácio e estava sempre preparado para atender esse pessoal. Costumava deixar bem afiada uma faca grande com a qual cortava os queijos e os frios exatamente do jeito que o Zé Turco apreciava. Pudera, sempre que fechava um negócio ele caprichava nas gorjetas. Resta lembrar que não se fechava um negócio na cidade sem que tivesse uma participação desse grande corretor e, por isso, as gorjetas eram consideráveis.

Uma tarde, depois de concretizar uma venda, a “happy hour” começou mais cedo. Desde 3 da tarde. Cervejas, queijos, salames, salgadinhos... O barman esforçava-se ao máximo para dar conta dos pedidos e, quando tinha uns momentos de folga, encostado do lado de dentro do balcão, inclinava-se um pouco. Erguia-se apenas para cortar mais porções aos insaciáveis e alegres amigos.

Entretanto, tomar cerveja tem um efeito colateral: é preciso descarregar o excesso de líquido de vez em quando. Quando retornava de uma das inúmeras “viagens” que fez ao sanitário, Zé Turco deu uma olhadela do outro lado do balcão, intrigado com as abaixadas do barman. Aiaiai, antes não tivesse visto!

Na mesma hora saiu fora do bar, vomitando. Olhou para os amigos, mas não conseguiu falar nada, pois lançava fora tudo que havia ingerido. Em seguida, saiu rapidamente, quase correndo, e foi embora para casa.

Aquele seu comportamento deixou todos preocupados. Rampim, na mesma hora, correu até a casa do amigo, pensando que teria de chamar uma ambulância para levá-lo ao hospital. Serginho Nhô Bau ficou tão nervoso que quase teve um treco. Até Euchário Holtz, que não tinha muita mobilidade, saiu rapidamente para tentar acudir ao Zé Turco... Em minutos o alcançaram, já refeito do mal estar.

- Que aconteceu? – perguntou, alarmado, Rampim.

- É... que aconteceu? Quer ir ao médico? – completou Euchário.

Ainda um pouco pálido, Zé Turco, olhando por cima dos óculos, disse aos amigos:

- Imaginem só o que o Acácio fazia quando se abaixava dentro do balcão! – falou com uma entonação grave e uma cara de nojo. - O lazarento estava raspando o “queijo” do pé com a mesma faca que cortava os frios que servia pra nós! – explicou, furioso.

Acácio substituiu as ferramentas de pedicure pela faca de cortar frios!

-Éca! Ptu! Éca! Ptu! Mardição! Éca! O cospe-cospe dos amigos foi terrível. Claro que nunca mais voltaram àquele bar. Éca!

sexta-feira, janeiro 08, 2010

82) O incrível caso da Necroteca

O Bar Paulista, do Chico Mariano, ficava na Rua Onze de Agosto. Foi um local de encontro de amigos durante muitos anos. Um ambiente agradabilíssimo, tanto em função dos proprietários quanto pelos frequentadores. Todos conheciam todos. Muita gente passava eventualmente por lá, mas alguns costumavam ir religiosamente todos os dias. Conversar, comer, tomar aperitivos, etc.

Dentre os assíduos frequentadores, na década de 1970, estavam o Zé Turco, Gonzaga, Rampim, Geraldo Barbeiro, Manso, Zinho Rosa, Cabreira, Jujuba, Guarugi e muitos outros mais. A cidade era muito menor e as alternativas de lazer também eram restritas a uns poucos locais. Muita conversa fluía por ali.

Rua Onze de Agosto, atualmente.

Nos assuntos de todos os dias, Zé Turco sempre buscava uma inspiração para um número mágico que lhe assegurasse ganhar na loteria ou no jogo do bicho. Ficava reparando em tudo por lá. Via um gordo e jogava no urso. Um cachorro latia, pronto, já tinha um bicho para jogar. Uma mulher com olhar bravo era palpite para jogar na cobra. Buscava em tudo um sinal para um palpite.

O local era um boteco animado.

No início de um novo ano, teve uma ideia um tanto macabra: fazer um tipo diferente de loteria e apostar nas pessoas que iriam morrer nesse ano. Cada qual marcava em um papel 20 nomes de pessoas que supunha morrer nesse ano e quem acertasse o maior número de falecimentos ganhava a bolada toda. Nascia assim a Necroteca.

Lá mesmo no Bar Paulista, Zé Turco começou a pensar em quem iria apostar na Necroteca. Tinha de encontrar 20 nomes que lhe garantisse o prêmio no final daquele ano. Estava ele na difícil tarefa de adivinhar quem ia morrer naquele ano, quando passou um velho andando vagarosamente. Ah, na mesma hora todos colocaram o nome do coitado. Aquilo não era suficiente para o Zé, pois tinha de encontrar nomes que os demais não apostassem.

"-Não passe em frente ao Bar Paulista que o Zé Turco aposta seu nome na Necroteca!"

Nesse momento, no outro lado da rua, Didi Ferreira estacionou seu automóvel e dona Biúca, sua esposa, desceu e entrou em casa. Sua casa ficava onde hoje é a loja Cybelar. Inspirado, Zé Turco anotou o nome dela em sua lista.

Aconteceu, no entanto, que o Marcelo Ferreira estava no bar e ficou sabendo da aposta. Na mesma hora atravessou a rua, entrou em casa e contou da aposta à mãe. Dona Biúca, ao saber da menção de seu nome na Necroteca, irritadíssima, fez o Marcelo voltar ao bar e avisar o Zé Turco que, se ele fizesse um ponto às custas dela, daria um jeito para sua alma retornar e atrapalhar todas as corretagens dele.

Zé Turco ponderou o caso por uns instantes, retirou do bolso o papel de apostas e pôs-se a rabiscar, dizendo ao Marcelo:

- Olha aqui. Estou riscando o nome da sua mãe. Pode avisar que ela está fora das apostas! – afirmou. E fez um pequeno comentário: - É melhor não arriscar, né?

O tempo foi passando e, certa noite, alguém avisou que havia falecido o Expedito, um conhecido pintor da cidade. Aquela informação movimentou o pessoal, pois o nome do falecido constava de algumas das apostas. Zé Turco já chamou alguns dos frequentadores que ali estavam. Era preciso confirmar esse tipo de informação.

- Vamos ao velório!

Lotaram o Fiat 147 do Cabreira, que ficou apertadíssimo. Dirigiram-se para a Vila Dr. Laurindo, onde residia o Expedito. Esse bairro, nessa época, tinha poucas casas e as ruas não tinham calçamento. Seguiram pela Rua 7 de Setembro até uma casa que estava com as luzes acesas e com pessoas rezando. Havia um caixão no centro da sala e muitas pessoas em volta. Ainda era costume velar o morto na própria casa. Algumas mulheres choravam copiosamente.

Os velórios também costumam ser animados.

Entraram e logo estavam rezando o terço. Na verdade, foi um rosário inteiro. Ficaram longe do caixão, pois havia muita gente ao lado. Depois de quase uma hora de reza, foi possível chegar um pouco mais perto do defunto. De repente, Zé Turco olhou por cima de seus óculos de lentes grossas e exclamou:

- Ué! O Expedito não era preto? Esse defunto é branco!! – alertou aos amigos.

Pois aconteceu assim, eles erraram de velório e de defunto. A casa do Expedito ficava um pouco mais adiante. Saíram de fininha e foram até o endereço correto, rezaram ao amigo falecido e voltaram. Zé Turco expressava consternação com muita dificuldade e tinha um olhar de satisfação, pois havia apostado no Expedito. Já tinha um ponto garantido na Necroteca.

domingo, dezembro 20, 2009

81) Rua Augusta, Zero Hora!

A década de 1960 foi muito importante para a humanidade toda, devido aos acontecimentos que mudaram o comportamento da sociedade ocidental. Foi quando surgiram os Beatles e os Rolling Stones e o mundo nunca mais foi o mesmo de antes.

O Brasil não ficou fora desse processo de transformação, tendo como centro a música e outras artes, surge um programa na TV Record denominado "Jovem Guarda", com Roberto e Erasmo Carlos, e inúmeros artistas do cenário artístico nacional.

O visual do Roberto e do Erasmo, nos padrões atuais, é horrível. Mas foi moda!

A influência do movimento da Jovem Guarda, seguindo as tendências provenientes dos cantores estrangeiros, contribuiu para mudar o modo de vestir e o comportamento de uma geração inteira. Todos queriam assumir algo que tivesse ligação com seus ídolos.

A televisão ainda era uma novidade e o papel dessa mídia no comportamento das pessoas ainda não era totalmente conhecido. O país era ainda conduzido pelo rádio. Os jovens passaram a deixar crescer seus cabelos, imitando os Beatles. As moças encurtaram as saias, usando a invenção de Mary Quant: a minissaia. Logo surgiram os hippies com a ideologia de paz e amor. E muitas modas vieram e passaram...

Em Tatuí a coisa não foi diferente. Apesar de ser uma cidade do interior, os comportamentos começaram a mudar. Por exemplo: quem tinha um Volkswagen não tinha sossego, pois sempre havia alguém disposto a arrancar seu lavador de para-brisas para fazer um anel igual ao do Erasmo Carlos: um anel chamado "brucutu".

Cena do programa Jovem Guarda, da TV Record.

Foi uma verdadeira febre para aprender tocar violão. Todos desejavam tocar e cantar as músicas da Jovem Guarda. Cada qual ajeitava as coisas para ficar em sintonia com seu ídolo. O maior deles foi, claro, Roberto Carlos. Um deixava crescer o cabelo para ficar igual ao Roberto. Outro aprendia a tocar violão para cantar igual ao Roberto.

Havia um rapaz que tentava imitar alguma coisa desse artista, mas seu cabelo, rebelde, não permitia pentear igual ao Roberto. Sua voz, desafinada, não permitia cantar e como não tinha ouvido musical, também não aprendeu a tocar violão. Mas deu um jeito: no footing da Praça da Matriz, andava arrastando uma perna, mancando, para com isso imitar seu ídolo!

Mas isso não foi nada. Em meados da década de 60, o Tita Bastos entrou em um consórcio para adquirir um Volkswagen Sedan (ainda não se chamava Fusca), que era o sonho de consumo de todos nessa ocasião. Quando foi contemplado, recebeu seu automóvel zero quilômetro. Lindo! Fez um tremendo sucesso na cidade. Há que destacar que havia poucos carros na cidade e quem tinha um garantia seu sucesso.

Certo dia, passeando à toa, Tita confessou ao Cabreira, seu amigo, que tinha ainda outro sonho a realizar:

- Eu quero andar a 120 por hora na Rua Augusta!

A Rua Augusta, toda em paralelepípedo. Não era muito fácil andar a 120 por hora aí!

Tita Bastos queria fazer como dizia a letra de uma música que fazia grande sucesso na Jovem Guarda, gravada pelo Ronnie Cord em 1964: "Entrei na Rua Augusta a 120 por hora / Botei a turma toda do passeio pra fora / Fiz curva em duas rodas sem usar a buzina / Parei a quatro dedos da vitrina..."

- Mas então vamos à São Paulo! - incentivou o Cabreira.

Nesse final de semana foram à São Paulo. Cabreira considerou que era melhor esperar a madrugada, pois em outro horário isso seria impossível. Foram tomar uns drinques no Largo do Arouche. Ficaram lá até meia-noite, quando então foram à Rua Augusta. Ainda tinha movimento, mas estava diminuindo. Naquela noite chovia um pouco e as pessoas foram embora logo.

Assim que diminuiu o movimento, Tita Bastos acelerou seu carro, olhando para o velocímetro. 80, 90, 100, 110... 120 quilômetros por hora. O carrinho parecia voar. Cabreira, fingindo coragem, ao perceber que atingiram os 120 por hora gritou:

- Dê pelo menos 125 por hora, porque 120 até o Roberto Carlos já andou!!!

"Hay, hay, Johnny / Hay, hay, Alfredo / Quem é da nossa gang não tem medo / Hay, hay, Tita / Hay, hay, Cabreira / Quem é da nossa gang não tem medo..."

Depois ainda dizem que os jovens de hoje não tem o juízo no lugar!

domingo, outubro 11, 2009

79) Ouro de enterro

Há muitas histórias a respeito de tesouro enterrado por todo o mundo. Em Tatuí a coisa não poderia ser diferente. Aqui e ali contam casos de fortunas enterradas, geralmente próximas de alguma árvore, que serve para marcar o lugar. O ponto em comum desses casos é a existência de um guardião sinistro: uma alma do outro mundo.

Histórias sobre tesouros guardados por fantasmas são comuns

O guardião é o fantasma do proprietário do tesouro enterrado. Geralmente uma pessoa avarenta e ambiciosa em vida, que passou inúmeras privações só para acumular fortuna. Em sua vida, viu e desejou comida e objetos, mas deixou de tê-los para não gastar e, assim, guardar seu rico dinheirinho. Como não gastou durante sua vida, foi acumulando, acumulando até que, um dia, surgiram temores de ser assaltado e que toda sua fortuna desaparecesse. Que fazer? Esconder, claro! Eis a explicação para esses “enterros”. O Ivan Camargo, em seu livro sobre as assombrações caipiras, fala desse assunto. Eu, particularmente, conheço alguns “caçadores de ouro de enterro” e como o assunto está em voga, conto aqui alguns acontecimentos relativamente recentes.

Um desses caçadores é o Silvio Soldado, policial aposentado que garante ter encontrado fortunas enterradas. Meu amigo Inocencinho, um bravo e valente pedreiro, é outro famoso caçador de enterros. Tem um braço atrofiado de nascença, mas que nunca impediu de trabalhar pesado ou de enfrentar qualquer homem em uma briga. Hoje, mesmo estando bem idoso, não desistiu de encontrar um enterro que lhe assegure alguma fortuna. Durantes anos procurou em diversos lugares. Sempre que teve notícia de um local que alguém diz ser “mal assombrado”, Inocêncio já tentava encontrar uma maneira de ir lá e esburacar os arredores...

Sabendo que no sítio do Hélio “Anacleto” Camargo Barros havia uma paineira com fama de ser mal assombrada, Inocêncio me procurou para que eu intercedesse junto ao proprietário, também meu amigo, para obter autorização para ele buscar o ouro que, garantiu, estava enterrado lá.

- Eu comprei um parêio que acha quarquér metár! – disse-me o Inocêncio, explicando que tinha um equipamento apropriado para identificar metais enterrados.

- E de ‘sombração num tenho medo! Num tenho medo nem de morto e nem de vivo! – valente como é, fez questão de afirmar. Ele queria ir caçar o tesouro enterrado no sítio dos Camargo Barros junto com o Santo Galvão, seu vizinho. Mas se o Inocêncio não temia nem vivos e nem mortos, não era o mesmo caso do Santo. Quando indaguei se ele também ia procurar o enterro, ouvi como resposta:

- Iiih, “capaiz”! – disse o Santo. – Eu é que num vô mexê cum árma d’otro mundo! – completou. E com isto, não foram mesmo. Nem o Inocêncio e nem o Santo. Um por falta de companhia e o outro por medo.

Mas o boato do ouro de enterro naquele local já tinha chegado a outros ouvidos. Muita gente procurava o Anacleto para tentar uma autorização visando encontrar o ouro enterrado. Um belo dia, enjoado de tanta gente abordá-lo com o mesmo assunto, Anacleto resolveu permitir a busca do tal tesouro em sua propriedade. Permitiu que o Francis Pássaro e seu amigo Clovinho Lima desenterrassem o tal tesouro.

Faltou pouco para chegarem na China!

Ah, que ânimo desses caçadores de tesouro! Se todos tivessem a mesma disposição dessa dupla para cavar, o mundo já teria túneis que chegariam até a China! Os dois passaram uma semana em atividade ao redor da tal paineira. Nesses poucos dias fizeram um buraco enorme, circundando a árvore. Movimentaram centenas de metros cúbicos de terra, contando só com pás, picaretas, enxadões e enxadas...

O buraco que cavaram media uns 25 metros de diâmetro por 3 metros de profundidade, o que representa um horror de metros cúbicos de terra remexida, o que dá para encher mais de algumas dezenas caminhões basculantes!!! A terra removida, amontoada na borda do buraco, além da profundidade da escavação, permitiu que trabalhassem a maior parte do tempo na sombra quase que o dia todo. Só por volta do meio dia o sol iluminava o buraco sem fazer sombra.

Os dois caçadores tinham a impressão que iam encontrar muito ouro

Entretanto, apesar da persistência da dupla, não encontraram nem um tostão furado. Nada de ouro, prata, pedras preciosas ou qualquer metal. Tinha sim muita terra, que úmida do suor despendido na trabalhosa empreitada, formou lama que cobriu os caçadores de tesouro, deixando os dois mais parecidos com assombrações do que pessoas.

quarta-feira, julho 29, 2009

78) O maior jogador de futebol de Tatuí

O famoso atacante goleador do Palmeiras na década de 50 e campeão mundial de 1958, na Seleção Brasileira de outros tempos, José João Altafini, era conhecido no Brasil como Mazzola, devido à semelhança física e modo de jogar com Valentino Mazzola, ídolo italiano do Torino, nos anos 40.

Descendente de italianos, nascido em Piracicaba, começou a jogar no Clube Atlético Piracicabano, indo parar no Palmeiras em 1955, sendo considerado a grande revelação do futebol brasileiro no ano de 1957. Depois de jogar na Copa de 1958, acabou transferindo-se para a Itália, onde jogou até mesmo na seleção italiana. Vive até hoje em Turim, onde é comentarista de futebol para um canal de TV e uma estação de rádio.

Entretanto, enquanto não tinha fama, jogou em Tatuí, no Esporte Clube São Martinho e, também, no Esporte Club São Bento, de Sorocaba. Aqui começa o caso que nos interessa:

Quem conhece o Osvaldo Paes de Camargo? Pouca gente. E o Aranha relojoeiro? Muita gente! Acontece que em Tatuí não vale o nome de família, o nome que pais e mães escolhem para seus filhos. O que vale mesmo é o apelido. Aranha é o apelido de Osvaldo. Trata-se da mesma pessoa. É preciso, no entanto, não confundir com Osvaldo Aranha, brasileiro que presidiu, em 1947, a Assembleia Geral da ONU que criou o Estado de Israel. O “nosso” Aranha tem muita história para contar, mas sempre ao nível municipal, sendo que o “outro” Aranha é internacional.

Bem, mas o tatuiano tem também uma ligação internacional, pois quando jovem trabalhou para os Iazetti, tatuianos produtores e exportadores de abacaxi. De acordo com o historiador Renato Camargo, a função do Aranha tatuiano era embalar abacaxis para exportação. Ele e seu irmão arrumavam os fardos que eram colocados em um trem e, em seguida, levados à Santos, de onde, embarcados em navios, eram exportados para os Estados Unidos e para a Europa.

Em sua juventude, o Aranha tatuiano foi um dos melhores jogadores de futebol que Tatuí já teve. Um verdadeiro craque goleador. E isso exatamente em uma época em que o futebol tatuiano era um dos melhores do interior paulista. O XI de Agosto conquistou o bi-campeonato amador do Estado de São Paulo, que nessa ocasião não era pouca coisa. O feito do time da égua vermelha foi tão grande que lhe valeu uma menção até mesmo no hino de Tatuí. No estribilho do hino, junto ao amarelo-ouro do abacaxi que o Aranha embalava para exportar, vem a lembrança de “Tatuí do XI de Agosto”. Essa menção advém das glórias do time tatuiano.

Pois bem, o Aranha era jogador titular do São Martinho e, em certa ocasião, veio jogar nesse time nada menos que o Mazzola. Em quem posição? Mazzola foi reserva do Aranha! Algum tempo depois, Aranha foi jogar em Sorocaba, no time do São Bento. Tinha também um reserva: o mesmo Mazzola.

Dada a importância do Mazzola para o futebol nacional e internacional, é preciso considerar o Aranha como o “maior jogador de futebol de Tatuí de todos os tempos”! Além do Aranha, Mazzola só perdeu o lugar de titular para o Pelé, ainda na Copa de 1958, voltando dois jogos depois para substituir o não menos famoso Vavá. No Brasil, Mazzola perdeu sua condição de titular uma vez para Pelé e duas vezes para o Aranha.

Hoje, se você desejar um belo relógio, procure o Aranha. Sua especialidade é negociar relógios:

- Este é um legítimo “Oméga ferradura”! – o Aranha costuma oferecer.

- Tenho também Roscoff Patent, Patek Philippe, Technos, Dumont e este outro Oméga, sem ferradura, mas que é uma beleza!!! – continua oferecendo.

Além do Aranha temos em Tatuí o Adhemar, filho do Tio (isso mesmo, seu pai é o Tio, vereador de Tatuí), que foi artilheiro do São Caetano e, com seu chute poderoso de esquerda, jogou no futebol alemão, no Stuttgart. É uma bela carreira, mas não teve um reserva tão importante e, por isso, consideramos o Aranha como ”o maior jogador de futebol que Tatuí já teve”!

quarta-feira, julho 15, 2009

77) Telegrafistas engraçadinhos

As ferrovias já cumpriram um papel muito mais relevante nos transportes brasileiros, sendo relegadas a um plano inferior devido às políticas de sucessivos governos. A consequência disso são os custos de transporte e da logística da exportação do país, inviabilizando muitas áreas que poderiam gerar mais riquezas.

Mas no assunto ferrovia Tatuí foi uma cidade privilegiada, pois ainda no século 19 recebeu os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana, o que significava que estava ligada ao resto do mundo. A sigla da Sorocabana – E.F.S. - servia até mesmo como um código de endereçamento postal, em uma época em que não havia o CEP. Endereçava-se uma carta para Tatuí junto com a sigla E.F.S. Pronto, com isto não tinha como errar: era só enviar uma encomenda ou carta com essa referência que chegava em seu destino.

O tatuiano Cícero Serrão trabalhou na Sorocabana mais de 35 anos. Fez de tudo por lá, aposentando-se como Chefe da Estação. Certo dia, quase na época de se aposentar, recebeu um novo funcionário, a quem passou a mostrar a estação e explicar suas funções. No momento em que chegou um trem, viram que outro funcionário, o truqueiro (uma função de ferroviário), pegou uma barra de ferro e pôs-se a bater nas rodas da locomotiva: blém, blém, blém, blém... O novo funcionário que estava com o Serrão observou e estranhou aquilo. Quis saber de que serviam essas batidinhas.

- Ô seu Cícero, por que aquele funcionário bate com isso nas rodas do trem? – perguntou o rapaz.

- Ah! Faz 35 anos que eu vejo alguém fazer isso, todos os dias, e ainda não sei e você quer saber já no primeiro dia! – foi a resposta que o Serrão lhe deu, deixando o rapaz completamente confuso.

Antes de ser Chefe de Estação, Serrão foi telegrafista. O telégrafo foi o primeiro meio eficiente de telecomunicação, inventado por Samuel Morse, consistindo na emissão de sinais – pontos ou traços – que representavam letras, números e pontuação. Com o tempo a pessoa vai decorando os pontos e traços e consegue travar uma conversação bastante rápida utilizando-se desse código.

O Código Morse usa traços e pontos substituindo letras, números e pontuação

O código original de Samuel Morse foi modificado, aperfeiçoando até que quase nada resta de sua configuração original. Nas ferrovias brasileiras o modo de comunicação era sempre o telégrafo, que também era utilizado por todas as pessoas que precisavam comunicar-se com locais distantes. Fui algumas vezes com meu pai na estação de Tatuí da Sorocabana quando ele precisava passar um telegrama.

Certa vez, estando em Itararé (a ferrovia que passa por Tatuí é o “Ramal de Itararé" da Sorocabana) provavelmente realizando um treinamento, Cícero Serrão hospedou-se em uma pensão dessa cidade, juntamente com outros colegas de diversas cidades. Depois de jantar ou almoçar, ficavam distraindo-se brincando de telégrafo, batendo com talheres em copos cheios de água, enquanto conversavam à mesa, observando todos que ali estavam.

Lamartine Babo era mesmo esquisito

Aparecia uma moça bonita e um batia em seus copos, “telegrafando” para o colega com seus pontos e traços: “O-L-H-A-espaço-Q-U-E-espaço-M-OÇ-A-espaço-B-O-N-IT-A”... Entrava outra pessoa, já “telegrafavam” outra coisa qualquer, fazendo comentários sobre ela, a maioria deles jocosos. E assim passavam o tempo...

A estação de Itararé era uma das mais importantes da Sorocabana. Além de ser o final do ramal que se inicia em Iperó, liga o Estado de São Paulo com o Paraná e era também onde aconteciam as baldeações da Sorocabana para as ferrovias que iam ao Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina.

Certa noite, retornando do sul do país, apareceu em Itararé o famoso Lamartine Babo, um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Compunha, entre outros gêneros, hinos de times de futebol, como o “Hino do Flamengo” e marchinhas de carnaval, sendo que uma das suas mais famosas é a marcha “O Teu Cabelo Não Nega”.

Enquanto aguardava um trem para prosseguir sua viagem, Lamartine foi à mesma pensão em que estavam Serrão e seus colegas para jantar. Ah! Com sua figura esguia e um tanto esquisita, no mesmo momento tornou-se alvo da brincadeira do Serrão e seus colegas:

Um deles, batendo nos copos, com o código Morse “telegrafou”: tlim, tliiiim, tliiiim, tlim... - “MAGRO, FEIO E DE VOZ FINA”. E começaram a rir.

Lamartine Babo levantou-se de sua mesa e, pegando duas facas, bateu nos copos da mesa do Serrão: “MAGRO, FEIO, VOZ FINA E EX-TELEGRAFISTA”! O homem entendia o código Morse!!!

Ah, quanto sorriso amarelo! Acabou com a graça deles. Os amigos ferroviários não sabiam como pedir desculpas ao homem, mas Lamartine era conhecido pelo seu bom humor e a coisa toda acabou mesmo em gargalhadas.

quarta-feira, julho 01, 2009

76) A Lambreta do Del Bem

A moda no final dos anos 50 e parte dos anos 60 era ter uma Lambreta ou Vespa. A indústria automobilística brasileira dava seus primeiros passos e comprar um automóvel era um sonho distante para a maior parte da população. Mesmo uma Lambreta ou Vespa não era para qualquer um, entretanto, ainda era um sonho que poderia ser possível.

Vespa vermelha

Algum tempo depois a moda passou. O sonho de consumo passou a ser o automóvel: Volkswagen Sedan, DKW, Gordini, Simca, Aero-Willys, etc. A moda era o Fusca!

Alguns anos depois, a motoneta voltou a entrar na moda. Todo mundo queria ter uma, além, é claro, do Fusca.

Nessa segunda vez em que as motonetas ficaram na moda, meados da década de 1980, o advogado e contador de "causos" Luiz Del Bem Jr. trabalhava na CESP e, com muito entusiasmo, comprou uma Lambreta. Era uma motoneta vermelha, bonita, barulhenta e poluidora. Ninguém ligava para isso nessa ocasião.

Lambretta

Prestimoso, quase nem andava com a sua joia. Ficava o tempo todo guardada na garagem da CESP, devidamente coberta com uma lona. Era um misto de veículo e namorada, pois ele tinha ciúmes de sua Lambreta. Ninguém podia mexer na bichinha, que arrumava uma encrenca na hora!

Certo dia, porém, teve de ir ao banco e, sem alternativa, montou na Lambreta. Uns minutos depois chegou ao Banespa, seu destino. Estacionou a motoca em frente à Ótica Peixoto e entrou no banco. Ah, mas estava preocupado! E se roubassem seu tesouro?

Sentou-se em frente ao gerente para tratar de negócios, ao mesmo tempo em que olhava para a rua, vigiando a motoca. Olha aqui, olha lá, impaciente, agitado... o gerente teve a impressão que o Del Bem havia ficado estrábico, pois colocou um olho nele e outro na rua.

O gerente do banco ficou preocupado com as atitudes do Del Bem. Pensou que ele estivesse tendo um treco qualquer e, por isso, resolveu a coisa rapidamente. Ainda bem, porque se aquilo demorasse mais 2 minutos o Del Bem ficaria vesgo para sempre!

Com um olho no gerente e outro na Lambreta, Del Bem arriscava ficar completamente estrábico!

Aliviado, saiu logo à rua. Não conseguiu atravessar a rua em um primeiro momento, pois o sinal estava aberto na Rua Onze e os carros passavam rapidamente. Quando o sinal foi fechando, percebeu que alguém saía montado em uma Lambreta vermelha. Um ladrão?

Não teve dúvidas, atravessou correndo a rua e, com um pulo, grudou no pescoço do rapaz que pilotava a Lambretta. Apertou o quanto pode. O rapaz, assustado, tentando se ver livre daquela situação, acelerou a motoneta.

Del Bem, com grande presença de espírito, levantou a parte traseira da Lambreta, que ficou com a roda girando no ar, mas sem conseguir sair dali. Gritava para o rapaz desligar o motor, mas acho que ele nem escutou, pois o ruído da máquina era alto. A fumaça do motor de 2 tempos enchia a rua, chamando a atenção de todos que ali estavam, inclusive de alguns policiais. Com a Lambreta acelerada e a roda girando em falso no ar, Del Bem olhou o velocímetro da motoneta, que marcava quase 100 quilômetros por hora.

Nesse mesmo instante, com o rabo do olho, viu estacionada em frente à Ótica Peixoto, a sua Lambreta. Imediatamente percebeu seu erro e soltou o pescoço do rapaz e a traseira da motoca. Quando a roda tocou no chão, girando em rotação máxima, o pneu patinou um pouco e a motoneta partiu como um raio, fazendo zig-zag, mas habilmente equilibrada pelo rapaz, que sumiu em instantes.

Os policiais, percebendo que o rapaz havia escapado, iam saindo em perseguição, quando o Del Bem, tentando disfarçar a situação, disse que o deixassem ir. Era um rapaz bem jovem e que, certamente, não tinha habilitação, apesar de sua habilidade em pilotar. Não quis conversa e desapareceu.

Todos ficaram intrigados com o acontecido, mas quando o Del Bem montou em sua Lambreta vermelha, idêntica à do rapaz, entenderam a cena e o engano ocorrido. Gargalhada geral!