domingo, junho 24, 2007

68) As breganhas do Ernestino

O negócio do meu avô Ernestino era breganhar. “Breganha” – designação popular que deriva do vocábulo português “barganha”, significando troca, permutação... Claro que em Tatuí o idioma pátrio tem algumas particularidades que devem ter assustado o professor Napoleão (Napoleão Mendes de Almeida, que escreveu o Dicionário de Questões Vernáculas e tinha uma coluna no Estadão, sobre as tais questões).

Mas era assim que Ernestino falava quando ia “negociar” (entenda-se trocar coisas). Ele sempre tinha uma bicicleta ou uma máquina de costura pra trocar por qualquer outro objeto, desde que o “freguês” voltasse alguma importância em dinheiro. Sem “vórta”, sem negócio.

Minha avó não tinha sossego. Queria costurar, mas vovô já tinha 'breganhado' a máquina de costura por uma bicicleta Phillips enferrujada, um carrinho de pedreiro, um pilão e mais uma "vórta"!!!

As transações comerciais do Ernestino podem até parecer um contra-senso para alguém não-iniciado nas artes da breganha. Para quem é do ramo isso é coisa comum. Trocar, por exemplo, uma Leonette sem motor por uma máquina de costura e uns carretéis de linha é algo absurdo?

Leonette era o sonho de consumo da molecada da década de 1960!!!

E um tratorzinho de horta, daqueles que tinham uma alavanca no lugar da direção para ser trocado por um casebre na vila São Cristóvão, cujo acesso só era possível por meio de uma pinguela? Adquiriu o trator em troca de uma carroça sem cavalo.

A coisa era sempre assim. Em sua garagem sempre tinha uma bicicleta “reformada” com tinta prateada no guidão e nos aros. E uma plaquinha: Vende-se.

Um dia ele estava com quatro carros no quintal de sua casa (isto foi em 1979): um Fusca 1200 verde com assoalho esburacado, um Opala 69, 4 portas, com a embreagem estragada, um DKW sedan sem partida e um Corcel 68 com a lataria esburacada. A respeito desse carro já contei em um caso anterior. Meu avô consertou os buracos da lataria do Corcel com papelão e massa plástica. Estes carros eram para negociar. Além destes tinha um Fusca 1300 de seu uso particular. Esse não vendia.

Em 1962 comprou um Renault Dauphine novo. Ficou com o carro uns 15 anos. Quando foi vender o carro, estava tão usado que não tinha mais velocímetro... usava um calendário!! kkk!! Era um carro preto, muito bonito enquanto novo. Ernestino judiava do carro. Carregava um pouco de tudo. Dentro, fora... chegava a ficar amarrado dentro do carro quando carregava vigas e caibros para uma construção que fez.

Mas quando resolveu vender, quis caprichar no visual do carro. Para deixar brilhando, depois de lavar passou uma mão de óleo Singer. Brilhou uns 30 minutos, até ficar coberto do pó que grudava no óleo.

Ernestino deixou o Dauphine brilhando com Óleo Singer... mas uns minutos depois estava totalmente empoeirado!

Perguntei como ele fazia tantas trocas. Se ele ganhava ou se perdia. Claro que ganhava, apesar de, em uma ocasião, ter comprado um canário de um cigano que “descorou” na primeira chuva. Era um passarinho qualquer.

Contou então que certo dia fez um negócio com o seu Isaac, um judeu que tinha uma loja onde é hoje o Unibanco. Saiu de lá com um rádio antigo.

O rádio do judeu só "pegava o estrangeiro"!

- Era um rádio daqueles estrangeiros. Só pegava o estrangeiro também! – contou.

- O danado rádio só fazia fuiimmm giiiiiaaaammmmm zimmmm... e pegava a BBC, a Voice of America, a Rádio de Moscou... mas do Brasil nem a ZYL-5, a Rádio Difusora de Tatuí! – rematou.

Um rádio antigo por uma sanfona velha... bela troca

Depois de oferecer para algumas pessoas, encontrou alguém que trocou o rádio velho por uma sanfona. Essa sanfona ele ofereceu para mim e para o Marquinhos Fiúza (Birdinho):

- Vocês compram a sanfona e montam uma orquestra pra tocar em bailes! – argumentou.

Uma "orquestra" comigo e o Marquinhos, pra tocar em bailes... pior que essa só o Sol-Fá-Seis!

Mas logo achou alguém que se interessava na sanfona. Desta vez a troca era por um Renault Gordini (40 HP de emoção!). Conversaram e acertaram o negócio. Foram para Porangaba, em um sítio onde estava o tal Gordini.

- A mulher do dono do Gordini já foi com a sanfona no colo! – disse Ernestino.

O Gordini de Porangaba tinha um 'probleminha': seu câmbio não tinha marcha ré!

- Só estranhei uma coisa! - disse vovô. - Quando foram pegar o carro para trazer até Tatuí, em vez de manobrar logo ali na frente, o motorista deu uma volta longa e virou bem adiante! – Pois não é que faltava a marcha ré?!?! Só vi isso já em Tatuí, quando fui guardar o carro em casa!

Teve de mandar consertar o câmbio do Gordini. Mesmo assim, depois de pouco tempo vendeu o carro. Não foi troca, foi venda. O comprador deu uma entrada que praticamente pagou o custo do carro e ainda 24 Notas Promissórias que equivaliam, cada uma delas, ao valor do rádio do Isaac, ponto inicial dessa breganha. Ah! Tenho que destacar: Não interessava o objeto da troca, mas sim o dinheiro da "vórta"!!! Todas as breganhas tinha de ter a tal "vórta" em dinheiro!

quinta-feira, junho 21, 2007

67) Voando em alto estilo

Algumas pessoas têm medo de voar, incluindo eu mesmo. Realmente há certo grau de perigo. Não é para menos, pois tudo que sobe, desce. O problema está na maneira de descer!

O Tatit (quem se lembra dele? o Santana!), apesar de não admitir, tem lá seus medos de voar. Tem medo, mas se arrisca. Entretanto, para conseguir entrar no avião ele usa uma fórmula especial, cuja composição utiliza um remédio infalível para o medo: o álcool. Com isto, dependendo da dose, um camundongo enfrenta um leão!

Um dia, ele foi visitar seu irmão em Brasília (outro Tatit, claro). A viagem de ida ocorreu sem transtornos. Na verdade nem se lembra dela. Talvez tenha feito toda a viagem um tanto “amortecido”. O problema foi o retorno. O receio que tinha em voar, com a lembrança de alguns sacolejos na viagem a Brasília, foi aumentando, conforme o horário do embarque se aproximava.

De receoso, passou para amedrontado, de amedrontado para aterrorizado, de aterrorizado para horrorizado... Já estava trocando sua passagem da Varig por uma do Rápido Federal. Ia voltar de ônibus.

Mas, antes de sair da casa de seu irmão, começou a tomar umas e outras. Beberam o dia todo. Por volta das 6 da tarde foram ao aeroporto, pois o vôo sairia às 7. Aquele medo que invadia o coração do Tatit não mais existia. Havia bebido tanto que, se fosse o caso, voaria montado em um dragão. Cavalgaria até o coisa-ruim (ou cuzaruim, como se fala em Tatuí).

Aconteceu, no entanto, atraso no vôo que traria o Tatit de volta a São Paulo. Atrasos em vôos não é coisa recente. Este caso ocorreu há mais de 10 anos e o problema já existia. Como seu irmão não sabia do atraso, ficou sozinho no aeroporto. Foi ao restaurante e pediu uma porção de não-se-lembra-do-quê e um aperitivo. E mais cerveja. Ele precisava daquilo, pois era seu remédio contra o medo. Junto com a cerveja, tomava quebra-gelos de cachaça. E o vôo? Atrasado! As horas foram passando: 7 horas, 8 horas, 9 horas, 10 horas, 11 horas...

Durante a espera no aeroporto Tatit "bodeou"!

Logo depois das 11 da noite, escutou chamarem os passageiros (no sistema de alto-falantes do aeroporto). Levantou-se e caiu. As pernas estavam bambas. Com um pouco de esforço, andou até o local do check-in e embarque, mas não viu a fila. Não via coisa alguma com clareza e não conseguia ficar em pé. Para não cair novamente, foi sentar-se em uma cadeira que conseguiu enxergar por ali. Só que era uma cadeira de rodas. Sentou e bodeou. Como estava com a passagem na mão, um funcionário da Varig começou a empurrar a cadeira e levou direto ao avião.

Colocaram o “deficiente” sentado na primeira poltrona e perguntaram se ele desejava algo mais. Pediu mais uma cerveja, claro.

Sentado na primeira fila da primeira classe e tomando cerveja!

Que medo, o que... nem viu o avião levantar vôo e já estava dormindo.

Acordou em São Paulo. Quando se prepara para levantar da poltrona, ainda sob efeito das cervejas e dos quebra-gelos, fez alguns movimentos para sair. Logo surgiu um funcionário da Varig, com outra cadeira de rodas e, junto com uma aeromoça, desceram o Tatit do avião, levando até o saguão de desembarque.

Veículo de transporte do Tatit

Serviço de primeira! Perguntaram onde ele desejava ir. Conduziram até o serviço executivo de ônibus e de lá foi até a Praça da Republica. Lá havia uma outra cadeira de rodas esperando por ele. Desta vez ele só agradeceu e foi tomar um táxi. Não agüentava mais passear de cadeiras de rodas.

Quando estava no táxi, não havia passado ainda o efeito da bebida, mas contou ao motorista tudo que ocorreu. O cara ficou rindo do acontecido e bobeou, batendo o carro. Foram parar no 4º DP. O delegado do distrito estava uma fera, pois havia sumido uma arma de sua mesa. Deixou o Tatit, que ainda estava visivelmente atordoado, de molho na carceragem. Saiu pela manhã, só que desta vez não recebeu serviço de primeira.

Só para situar a cara de pau do Tatit, um sábado de 1976 foi tomar uma sauna no Alvorada Club. Mas não ficou na saúna, passou a tomar isto e tomar aquilo, até ficar muito louco.

Tatit saiu caminhando pelado pelas ruas da cidade!

Na saída, com o pensamento dando um looping atrás do outro, resolveu andar nu pela cidade. Desceu pelado a Rua Santa Cruz até o Lavapés, caminhando normalmente. Claro que as pessoas que viram ainda não esqueceram da cena. Não foi preso pois o Marcelo Peixoto o acompanhou em seu Maverick, carregando suas roupas. Vestiu-se dentro do carro e deixou o falatório correr um tempão. Algumas senhoras da cidade ainda não saem sozinhas nas ruas, devido à lembrança das cenas que assistiram!!! ARRE!