terça-feira, maio 23, 2006

49) Desgraçada engrenagem

Aldo Orsi foi um torneiro mecânico afamado. Sua fama, no entanto, era exatamente devido ao seu trabalho e ao conhecimento da profissão e não como o “outro” torneiro mecânico famoso, cuja fama não advém do trabalho na profissão. A oficina do Aldo ficava no Bairro 400. Tornos, fresadeiras, furadeiras, prensas… era uma oficina completa, que prestava serviços para inúmeras empresas da cidade.

Sua oficina nunca parava. Aldo e seus funcionários trabalhavam muito para conseguir atender a todas as solicitações. Sempre de bom humor.

Em determinada ocasião, ocorreu um problema com uma máquina da Fábrica São Martinho. A peça quebrada era um redutor de rotação. Um redutor é, para simplificar, uma caixa com inúmeras engrenagens de diversos diâmetros com a função de reduzir a rotação e aumentar a potência transmitida ao eixo motriz.

O equipamento era essencial para o funcionamento da fábrica, mas Aldo costumava respeitar a ordem de entrada dos serviços em sua oficina. Havia muito serviço na frente.

O redutor foi entregue semi-desmontado, pois para descobrir que havia uma engrenagem quebrada, foi preciso abrir o aparelho. Logo que chegou à oficina a engrenagem foi consertada. Faltava apenas montar novamente todo o conjunto de engrenagens.

As engrenagens estavam todas espalhadas

Isto era um trabalho de precisão. Aldo costumava fazer esse tipo de serviço. Só que ele andava ocupadíssimo com umas bombas d’água do SAAE (antes da Sabesp, havia o Serviço Autônomo de Água e Esgoto), pois a cidade estava sem água!!!

Com isto, havia demora inesperada na entrega do redutor. Entretanto, a Fábrica São Martinho não poderia ficar parada. Sendo assim, alguns funcionários da São Martinho vieram buscar de volta o tal equipamento, a mando do gerente. O redutor estava totalmente desmontado, mas insistiram em levar de volta, dizendo que eles mesmos iriam montar.

Aldo imediatamente juntou todas as peças do redutor e entregou para o pessoal. Só que ele, além de colocar todas as peças do equipamento, pôs junto uma engrenagem extra. Ele não deixaria de pregar uma peça no pessoal.

Aí surgiu o grande problema: os mecânicos da fábrica montaram o redutor e sobrou uma engrenagem.

-Ei, vocês erraram em alguma coisa. Podem desmontar tudo! – ordenou o gerente.

E assim fizeram. Desmontaram tudo mais uma vez e montaram. Novamente sobrou aquela engrenagem.

-Fizemos tudo certo, mas mesmo assim sobrou peça! – disseram.

Ninguém teve coragem de experimentar ligar o equipamento. Ele poderia ficar todo arrebentado...

- Podem desmontar novamente! – disse o gerente, agora bastante preocupado com a capacidade de seus funcionários.

Mais uma vez desmontaram a máquina.

Com cuidado redobrado, montaram mais uma vez. Peça por peça. Com muita atenção.

Apesar dos cuidados, a montagem parecia não dar certo

Pois não é que sobrou uma engrenagem novamente!!!

- Vamos experimentar ligar!

- De jeito nenhum! E se quebrar?

-Mas que faremos?

- Não tem jeito. Temos que levar novamente à oficina do Aldo. Ele pode ter uma solução.

E assim o fizeram. À tardinha levaram novamente o redutor desmontado e, humildemente, pediram ao Aldo que consertasse aquilo. Confessaram-se incapazes de resolver o problema.

- Deixem aí que amanhã mesmo estará montado. Podem vir buscar às 11 horas. Se chegarem depois disso estará fechado para o almoço e eu não vou abrir antes das 13 horas. Não atendo no horário do almoço!!!! – frisou Aldo.

O pessoal da São Martinho foi embora, ainda duvidando que o equipamento estivesse montado no horário estipulado...

Que palhaçada!!!

O que Aldo fez para montar? Simplesmente tirou fora a engrenagem que sobrava nas montagens e conferiu a montagem dos funcionários da São Martinho, que estava correta, diga-se de passagem. Pronto, só faltava entregar. É, ele sempre fazia das suas.

Quando Aldo Orsi faleceu o Bairro 400 ficou mais pobre. Algumas pessoas nunca são substituídas!

domingo, maio 14, 2006

48) Pegando no tranco

Certo dia um avião sobrevoou a Praça da Matriz logo pela manhã. Zuuuummmm! Era um bimotor Douglas "Havoc" A-20K da Força Aérea Brasileira. Tratava-se do coronel Ivan Bernardini Costa, que na ocasião ainda dava seus primeiros passos na FAB. Isto aconteceu em 1951, quando ele ainda era tenente-aviador.

O Douglas aterrisou no aeroporto de Tatuí

Tinha que cumprir algumas horas de vôo e, com essa desculpa, veio a Tatuí e aproveitou para ver sua noiva (depois esposa). Desceu no “campo de aviação” de Tatuí. Um telefonema e logo alguns amigos lá estavam para recebê-lo, mas sua primeira parada foi na casa da noiva. Isso era mais importante que todo o resto.

Mais tarde tornou encontrar-se com os amigos, para colocar as coisas em dia. Informou que estava sendo obrigado a cumprir algumas horas de vôo, como exigência de sua carreira militar.

-Tenho que voar ainda algumas horas hoje, para atingir a meta necessária! – contou aos amigos Erasmo Peixoto e Hélio Reali.

Hélio Reali teve uma idéia:

- Vamos visitar o Liliu Vieira! Ele está lecionando em Mirandópolis! – disse Hélio.

- Isso mesmo. Daqui até lá serão algumas horas de viagem pra você somar na sua meta, Ivan! – reforçou Erasmo.

Imediatamente Ivan topou a sugestão. Porque não? Cumpriria sua meta junto com seus amigos e ainda faria uma visita para outro. Tomaram o táxi para ir ao aeroporto, ou campo de aviação, como era chamado pelos tatuianos.

O táxi era um belo Chevrolet “De Luxe” do Chico Arruda, conhecido chofer de praça da cidade. Avisaram aos familiares e foram ao avião.

O aeroporto de Tatuí consistia de um pequeno hangar e uma pista poeirenta. Hoje tem diversos hangares e sua pista é asfaltada, capaz de receber até jatos de tamanho médio.

Desceram do táxi e subiram no avião. Enquanto o pessoal que ficou em terra olhava, Ivan preparava-se para dar a partida no aparelho. A partida era feita com emprego de cartuchos carregados com pólvora, que explodiam em um compartimento próprio, dando o início de rotação ao motor.

O cartucho era acondicionado em peça igual a esta

BANG! Explodiu o primeiro cartucho, mas o motor praticamente não se moveu. A hélice estava imóvel.

Isso era coisa normal. Dificilmente o motor “pegaria” com o primeiro cartucho.

BANG! Mais um estouro e apenas um pequeno movimento na hélice.

Os “expectadores” que estavam em terra já achavam que não iria funcionar.

BANG! Um pequeno giro e parou.

No momento em que Ivan preparava-se para disparar outro cartucho, percebeu que o avião estava andando... devagar, mas já aumentando a velocidade. “Será o vento?” – pensou.

Ivan abriu a janela e deu uma espiada no que acontecia

Colocou sua cabeça fora e olhou para trás. Havia uma multidão empurrando o avião, que a esta altura já estava com uma boa velocidade.

Chico Arruda, que liderava o empurrão do avião, deu um grito:

- Engate uma segunda! Engate uma segunda e dê um tranquinho que pega!

Cel. Ivan voou o mundo todo pela FAB, mas coisa assim só poderia ter acontecido em Tatuí!!!! ARRE!

Depois da trapalhada, voaram tranquilos para encontrar o Liliu