quinta-feira, dezembro 08, 2005

15) Terror no rio Sorocaba

Muitos anos já se passaram do ocorrido que relato aqui, mas isto não pode ser esquecido, tem de permanecer vivo, para que seus personagens não sejam esquecidos. Todos passam pela Terra e deixam seus rastros. A história oficial é apenas um compêndio daquilo que se optou registrar para comprovar ou negar coisas. Mas historiadores só se importam com a “macro-história”, que é o resultado das “micro-histórias”, das ações das pessoas comuns, do cotidiano, do esperado e, principalmente, do inesperado.

O rio Sorocaba já foi um paraíso de pescadores e o Distrito de Americana (ou Barreira, para os mais antigos) era a vila dos pescadores. Em um mundo com poucas possibilidades de lazer, a pesca esportiva era diversão para adultos e crianças. A Americana era o destino de todos que desejavam pescar e, depois, comer um peixinho... Fosse o peixe que fosse, isso nem importava, pois o “acompanhamento” era o mais importante: a cachaça.
Foto atual do rio Sorocaba, próximo à ponte do Distrito de Americana
Em pouco tempo, a vila dos pescadores transformou-se em vila dos bebuns. Mesmo porque, peixe, que é bom, desapareceu do rio. E o que ainda tem não dá pra comer... Veneno puro, carregados dos resíduos poluentes lançados no rio por indústrias, esgoto e defensivos agrícolas que escorrem ao rio com as chuvas.

Entretanto, até a década de 60 era possível pescar no rio Sorocaba ali no bairro da Americana. Porque esse nome? Porque havia uma família de norte-americanos que veio morar em uma fazenda da região e restou o apelido... não me lembro direito da história, mas irei pesquisar.

Pois bem, se o lazer de todo tatuiano era a pesca esportiva no rio Sorocaba, padre Murari não poderia ficar de fora disso. Tinha as coisas que ele mais gostava da vida extra-sacerdócio. Acha exagero? O melhor amigo do padre foi o Rui “português” Medeiros, mais famoso pelas pingas de qualidade que tinha em seu estabelecimento que por qualquer outro de seus muitos predicados. E o padre não saia de lá.

Padre Murari não perdia nenhuma oportunidade de ir pescar na Americana e era um especialista em pescar silenciosamente na noite, deslizando suavemente pelas águas do Sorocaba, a favor da correnteza, dando umas profundas tragadas em seu cigarrinho de palha. A justificativa dele para fumar era que "o cigarro ajuda espantar mosquitos no rio". A justificativa para a pescaria era que precisava espantar uns mosquitos...

Em suas pescarias, o padre navegava corrente abaixo, deslizando até um certo ponto e depois dava partida no motor de popa e voltava rio acima. Nisso ficava por horas seguidas... E quando esfriava? Ah, daí o "equipamento" cedido pelo Rui Português vinha a calhar!

Numa noite, uns meninos foram pescar no barranco do rio... arrumaram todos os apetrechos necessários e até mesmo uns desnecessários, para uma noitada de pescaria. Entre o equipamento desnecessário estava a danada cachaça. Para o peixe não tinha importância, mas para os pescadores era a “ferramenta” mais interessante... As margens do Sorocaba, nessa ocasião, eram cobertas pela vegetação, sendo difícil encontrar trechos com pequenas clareiras... Totalmente diferente do presente.

Quem me contou o fato que relato aqui, foi um desses garotos: o grande cantor tatuiano Edgar Sá.

Ele e seus amigos estavam pescando, rindo, brincando, bebendo e, porque não, pescando.

Eis que repentinamente perceberam um pequeno lume no meio do rio. Uma fraca luz avermelhada que vez por outra aumentava de intensidade, ficando mais forte e, em seguida, enfraquecendo novamente.

Assustados, todos começaram a seguir com o olhar aquele lume no meio do rio. E a coisa vinha aproximando deles. Um conversa com outro, ninguém tinha idéia do que estava se passando. E a tal luz silenciosamente descia o rio, como que flutuando... nem um ruído. Ficaram todos sobressaltados, sem saber o que fazer...

E cada vez mais a luz, ora fraca, ora forte, ficava mais perto. Aproximava-se da margem onde estavam os meninos. De repente perceberam um vulto preto como que andando sobre a água, com o rosto iluminado por uma luz avermelhada, como se fosse o próprio demônio que vinha buscá-los.

É o boitatá! Gritou um deles... Ah, não foi preciso nem uma palavra a mais e todos saíram gritando e correndo, fugiram para bem longe dali, deixando seus apetrechos de pesca... Uma gritaria imensa. Gritos de terror.

Pegaram suas bicicletas e só pararam na cidade, nas suas casas. Ainda transtornados com o acontecido. Com o inexplicável surgimento do boitatá!

Aqui convém dar uma pausa para definir o boitatá:

Boitatá

Representado por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de origem indígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro. Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como fogo que corre.


Assim, os meninos foram contar aos seus pais o ocorrido, que viram o monstro no meio do rio. Mães ficaram preocupadas, mas aliviadas porque os filhos estavam sãos e salvos. O boato correu! A cidade toda ficou assustada com o boitatá no rio Sorocaba. É lógico que ele ia aparecer... ele persegue quem desrespeita a natureza... e todos, incluindo os meninos, estavam acabando com o rio, com os peixes do rio.

No dia seguinte, a cidade amanheceu temerosa, pois o acontecido havia se espalhado e muitos já temiam até por uma invasão de boitatás.

As pessoas que sabiam que o padre Murari estava pescando naquela noite, ficaram preocupadas com sua integridade. Que será do padre? Será que o boitatá o pegou? Será isto? Será aquilo?

Mas não demorou muito e encontraram o padre, todo folgado com uns peixinhos na sacola.

- Padre! Padre! O senhor está bem? Indagaram.

- Claro, e porque não estaria?

- O senhor estava pescando esta noite? Não lhe aconteceu alguma coisa estranha?

- Pra falar a verdade, esta noite me aconteceu algo inexplicável! Disse padre Murari.

- Eu estava descendo o rio de canoa, aproveitando a correnteza, para tentar pegar uns peixes que só saem da toca à noite. Vinha dando umas gostosas tragadas em meu cigarrinho, em pé dentro do barco. De repente percebi uma movimentação estranha no barranco do rio, até dei uma tragada mais forte para tentar iluminar com a luz do cigarro...

- Olhem, eu que nunca acreditei em assombração estou com dúvidas. Comecei a escutar uns gritos horrorosos no barranco do rio, um farfalhar de folhas e árvores, gritos fortíssimos que pareciam aterrorizados. Confesso que fiquei assustado. Não tenho idéia até agora do que ocorreu ali. Só se for mesmo o tal boitatá!

Daí a história correu por todos os cantos... não é pra menos, pois até o padre ouviu coisas estranhas.

E cada um que contava aumentava um pouco, como em toda história. O medo invadia os lares tatuianos.

Até que alguém começou a somar dois mais dois e percebeu o imbróglio:

Os meninos assustaram com o padre que descia o rio em pé na canoa, pescando e dando umas tragadas no cigarro de palha. Quem iria imaginar que o padre descia silenciosamente o rio, sozinho?

O padre assustou-se com os gritos dos meninos, que pensaram que ele era o boitatá!!!

Em pouco tempo, as coisas foram esclarecidas e tudo voltou ao normal. O padre voltou a pescar e os meninos... bem, estes nunca mais pescaram no rio Sorocaba, pois aquilo bem que poderia ser apenas um aviso!!! Duvidam? Perguntem ao Edgar, que está firme e forte para contar tudo isto novamente. Só que, não sei porque, ele não gosta de pescar.

Um comentário:

dol 357 disse...

boa noite a todos eu sou um dos que dos que sente muitas saudades rio sorocaba ou melhor bairro de americana onde pegavamos muitos peixes eu ainda muleque corria sobre a comporta da barragem pois dali tiravamos muitas corimba e trairas hoje vemos rio no estado de composiçaõ por desleixo de nossas (autoridades)