sábado, novembro 19, 2005

09) Impasse na procissão

Mas como aconteciam procissões antigamente!!! Parece que todo dia tinha procissão... quando menos eu esperava, lá de minha casa na Travessa da Matriz podia perceber que o João Sacristão já estava abrindo a porta lateral da igreja, todo afobado, correndo para andar e pra falar, ajeitando as coisas para mais uma procissão... Ele tinha motivo pra ficar todo apressado... o padre, com sua batina preta toda furada de brasas de cigarro, estava apressado, bravo, querendo que as coisas saíssem certas, ou seja, do jeito que ele queria que acontecessem.

As figuras eram sempre as mesmas... puxando a procissão vinham os Congregados Marianos, homens com o rosto comprido... uns quase santos. Tinha procissão que apenas dava uma volta na praça... outras iam mais longe, até o Largo do Mercado... outras até a igreja de São Roque, uma delas até o Asilo... Ah, essa deixou saudades, pois as ruas eram enfeitadas duas vezes:de manhã, quando ia da Matriz ao Asilo e à tardinha, quando voltava à Matriz.

Mas uma destas procissões extras ficou marcada. Aconteceu à noitinha. Não sei onde o padre arranjou uma lanterna com luzes coloridas, vermelha e verde, além da luz normal de farolete. Dessa vez ele não foi ele o padre que conduzia a procissão... nem me lembro mais quem foi... O cuidado com o trânsito procedia, pois, apesar de Tatuí contar com poucos veículos, sempre acontecia de um ou outro virar no sentido das procissões e atrapalhar.

O padre, com sua batina preta, foi na frente da procissão e, ao chegar nas esquinas, acendia a luz vermelha da lanterna para impedir o trânsito. Em seguida, acendia a verde para o lado da procissão... tudo muito bem organizado. Ele comandava tudo!

Seguia a procissão em toda sua galhardia... linda... os devotos rezavam e cantavam, sob as ordens dos congregados marianos: Avê, avê, avêêêê Marííía!!!. A banda, furiosa, dava o tom musical mais importante.

A banda que acompanhava as procissões, Banda Santa Cruz provavelmente, consistia de um ajuntamento de músicos amadores que não perdiam oportunidade de tocar. Era, no entanto, o cúmulo do ecumenismo, pois os mesmos músicos e instrumentos que tocavam nas procissões tocavam nos bailes, nos carnavais e até na zona... e o pior: tocavam sempre as mesmas músicas!!!

O baixo-tuba era nada menos que o Mé, cigano radicado em Tatuí, amante da música, considerado o melhor tocador de baixo-tuba do ramal de Itararé. E o Mé não perdia nem procissão e nem bailes no Clube do Toco ou na Vila do Céu... e ele não era exceção, era a própria regra!

Nessa noite inesquecível, com o padre coordenando o trânsito de Tatuí, a procissão seguia pela rua José Bonifácio, virando à esquerda na rua Juvenal de Campos... na esquina da Coronel Aureliano, vinha um ônibus, que o padre foi mandar seguir mais rapidamente, para não atrapalhar o andamento da procissão...

Só que naquela época a “circular” de Tatuí era uma coisa fenomenal... Os ônibus, chamados de “jardineiras”, eram Ford ou Chevrolet, uns ônibus da década de 1940 ou antes, provavelmente refugos de São Paulo... só para se ter uma idéia, se alguém estivesse em uma “circular” de Tatuí e chovesse, seria melhor descer e enfrentar a chuva diretamente que ficaria menos molhado. Chovia mais dentro que fora!

Daí que em vez de seguir, o ônibus resolveu encrencar no meio da rua... mais ou menos no meio da rua, pois somente seu “bico” estava na Juvenal de Campos. O padre ficou furioso! Correu perto do ônibus no momento em que a procissão já estava próxima... os primeiros das filas (haviam duas filas laterais que antecediam ao andor) já estava desviando do veículo...

O padre começou a gritar para o motorista: - Ô rapaz, toca essa jardineira! Toca a jardineira!!! Vai, vai... toca a jardineira!!!

Só que o pessoal da banda não havia percebido o impasse na esquina, pois vinham atrás do andor... ouviram parte do que o padre gritava: ...toca a jardineira!!!

Não tiveram dúvidas: o maestro deu a ordem e a banda começou a tocar: “ó jardineira porque estás tão triste?... mas o que foi que te aconteceu? ...foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu!!! Uma famosa marchinha de Carnaval, que contagiou beatas e outros acompanhantes da procissão!

E o Mé? Durante um lapso de tempo ficou perdido sem saber onde estava, onde tocava, se num clube ou numa igreja... e sapecou: PÓ-PÓ-PÓ-PÓ-PÓÓÓ!

O padre, no entanto, espumava de tão bravo que ficou... Justo nesse dia que ele pretendia organizar o tráfego para não atrapalhar o andamento da procissão acontece um – KKKKK! - desastre desses...

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