quarta-feira, novembro 02, 2005

06) As bombinhas do Ernestino

Durante muitos anos, vovô Ernestino teve um armazém na esquina da Rua José Bonifácio com a Praça Paulo Setúbal. Seus fregueses eram, na maioria, funcionários da Fábrica Campos & Irmãos (Santa Izabel) e da Fiação Santa Adélia e compravam sempre no sistema de Cadernetas, atualmente em desuso.

A cidade tinha diversos armazéns, uns maiores e outros menores, mas sempre com o mesmo sistema de Caderneta. As pessoas compravam, a maior parte com pagamento mensal e marcavam tudo nas cadernetas. No dia do pagamento, o comerciante costumava presentear os fregueses com um doce, geralmente uma lata de goiabada. Tinha ainda os fregueses agricultores, que iam comprando e pagavam nas safras... uma vez por ano!

Hoje tudo mudou, o freguês virou cliente e a caderneta transformou-se em cartão de crédito ou de débito... e o armazém virou supermercado. Nos supermercados, que levaram os armazéns à extinção, o sistema mais comum de pagamento é à vista.

Depois de alguns anos no ramo, vovô acabou parando com o armazém, sei lá por quais motivos, mas o principal é que estava já velho, passando a cuidar de outras atividades. Acho que não agüentava mais ficar preso atrás de um balcão e, assim, cuidava de dois sítios que tinha no município de Sarapuí.

Mas nunca parou de negociar. Acho que estava no sangue. Sempre havia uma bicicleta velha, uma máquina de costura, um pilão, uma sanfona ou um carro velho pra negociar. Era engraçado quando ele pegava uma bicicleta toda enferrujada e pintava tudo, pintura a pincel, grosseira, e o aro e guidom, pintava com uma tinta prateada. Depois argumentava com os fregueses:

- Ah, tá tudo cromadinho!

Um dia eu passei em sua casa e ele estava “remendando” um Corcel com papelão e massa plástica. O carro tinha uns buracos enormes na lataria. Falei pra ele que o carro estava muito ruim, mas ele respondeu:

- Quem quer comprar carro não pode ficar olhando pra essas “coisinhas”!

E dito e feito. Vendeu o Corcel remendado em poucos dias. Esse carro foi ainda trabalhar como táxi no ponto do Bairro 400 durante uns anos, sempre carregando os remendos de papelão e massa plástica que vovô fez.

Dentre as coisas que ele continuava a negociar, estavam os fogos de artifício. Ele vendia rojões, bombas, bombinhas e qualquer outro tipo de fogos. Cada comemoração, cada acontecimento, as pessoas corriam até sua casa pra comprar rojões.

Mas aconteceu, em um ano, que sobraram muitos fogos e ele guardou para a temporada seguinte. A época das festas juninas era a principal ocasião da venda de fogos.

Quando no ano seguinte chegou a “época das bombinhas”, ele passou a vender o estoque guardado. Mas a coisa não estava funcionando direito. Iam soltar uma bombinha e shhhhhhhhhh... puffff. Falhava! Não funcionava...



Todos os fogos estavam com um pouco de umidade, pois seu acondicionamento não foi bem feito. A propaganda dos Fogos Caramuru dizia que nunca davam “xabú”, ou seja, nunca falhavam. Mas os fogos que vovô estava vendendo falhavam, só davam xabú!

Mas isso não era problema pra ele... que “cromava” aros de bicicleta com tinta prateada e consertava lataria de Corcel com papelão e massa plástica. Teve uma idéia para secar tudo aquilo rapidamente, pois a freguesia estava ansiosa pelos rojões e bombinhas.

Pegou uma bacia enorme e foi abrindo caixas e mais caixas de bombinhas (cada uma delas tem 1 centena). E fez uma montanha de bombas, bombinhas, bombonas, rojões de 1 tiro e de 3 tiros, busca-pés com e sem bomba, estalinhos, vulcõezinhos, chuva de prata, chuva de ouro e todas as espécies de fogos que tinha em seu estoque.

Colocou a bacia sobre o fogão a gás de vovó e acendeu os quatro bicos pra secar o mais rápido possível.

Aiaiai! Nem dá pra descrever!!! O “show pirotécnico” que aconteceu na cozinha da minha avó, proporcionalmente foi maior que os do reveillon carioca... Aquilo foi bomba, bombinha e bombona explodindo sucessivamente. Os busca-pés encheram o céu da cozinha, parecia um ataque aéreo... Zuummmm! Bummmm! BUUUUUMM! Fiuuuummmmmmm!!!! Shhhhhhhhhhhhhh BUUUUUUUUUUUUUM!

Vovô correu e pegou a bacia protegendo suas mãos com um saco de linhagem, jogando tudo fora, no quintal. Mas o barulho estava cada vez maior. Cada vez mais estouravam os fogos alimentados pelo fogo que passava de um para outro... BUUUUUUUUMMM!

Gente aparecia de longe. O barulho assustou as pessoas dos quarteirões vizinhos, que correram pra lá, alarmados com o barulho e com a fumaça. Apareceu gente de longe...

Em todo caso, não dá pra dizer que a idéia de vovô, de secar alguns milhares de bombinhas com o fogão a gás foi uma idéia errada: TODOS OS FOGOS SECARAM E FUNCIONARAM!

Um comentário:

Jaime Pinheiro disse...

Muito bom!!!