domingo, novembro 20, 2005

11) Experimentando fumo de corda!

Se bem me lembro, o episódio aconteceu entre 1978 e 1980. O grande Bimbo Azevedo estava enfermo, não conseguia nem mesmo levantar-se. Eram os últimos dias do grande compositor tatuiano.

Euchário Holtz não poderia deixar de visitar o amigo de muitos anos. E lá foi ele à casa do Bimbo. Conversou rapidamente com dona Julieta e logo entrou no quarto onde o amigo repousava.

E prosa vai e prosa vem, falaram da chuva, do calor e do frio, dos pernilongos e em pouco tempo não havia mais assunto. Euchário não deixou por menos e logo foi contando velhas histórias de seu imenso repertório.

Não se pode esquecer que Euchário pretendia escrever um livro com as histórias, ou melhor, das aventuras e desventuras de personagens famosos da cidade. Não sabemos se há alguma anotação, mas essa obra manteve-se inédita até hoje...

Euchário lembrou-se de um acontecimento ocorrido com o professor Celso de Mello, quando o mesmo estudava na Escola Normal de Itapetininga em sua juventude. Essa escola era uma das únicas formadoras de professores de todo o Estado de São Paulo. Os tempos eram outros e as viagens, além de demoradas, custavam caro e, assim, os alunos não ficavam viajando diariamente como ocorre atualmente, mas residiam em pensões da cidade de Itapetininga.

Isso não era diferente com seu Celso. Morava em uma pensão de Itapetininga e voltava para Tatuí de tempos em tempos. Foi nessa situação que ocorreram os fatos que Euchário contou em sua visita ao Bimbo:

Em seus momentos de folga, seu Celso costumava ficar conversando em uma tabacaria nessa cidade, pois havia se tornado amigo do proprietário. Nessa época, uma tabacaria era muito diferente das atuais, pois não havia cigarros de papel, em maços, como existem hoje, mas o fumo era vendido em rolo, chamado de ‘fumo de corda’.

Alguns fumantes enrolavam o fumo em papel próprio, mas a maioria preferia enrolar na palha de milho e, assim, fumar seu ‘cigarrinho de palha’, cada qual com seu fumo de preferência. Nas tabacarias o freguês encontrava diversos tipos de fumo, cachimbos, piteiras, isqueiros e outros acessórios.
E lá estava o seu Celso conversando com seu amigo na tal tabacaria, quando entrou uma pessoa que começou a olhar os fumos expostos, como se procurasse algum fumo especial:

- O senhor tem fumo forte? perguntou ao vendedor.

- Ah, sim! Tenho este aqui, um fumo da melhor qualidade, fabricado com folhas escolhidas!

O freguês olhou e cheirou. Perguntou se poderia experimentar.

- Claro, disse o vendedor.

Era costume da época permitir que os fregueses experimentassem o produto antes de comprar, pois não havia padronização e um fumo de um mesmo fornecedor poderia ter qualidade e sabor variados entre uma remessa e outra.

O homem então picou um pedaço de fumo e começou a moer para fazer um cigarro.

- O senhor tem palha? perguntou.

- Claro! Eis aqui. E entregou uma palha já cortada para ser enrolada...

Enquanto o freguês pacientemente enrolava o cigarro, o dono da tabacaria deu um sinal para o seu Celso e disse baixinho:

- Ih, é apenas um ‘filante’!

O homem terminou de enrolar o cigarro e perguntou:

- Poderia me emprestar o isqueiro?

O dono da tabacaria acendeu o cigarro do freguês que logo começou a fumar, dando tragadas profundas para sentir bem o gosto, como se realmente experimentasse o produto. Mas aconteceu que, no momento em que deu as primeiras tragadas no cigarro, começou a tossir bastante e forte. Com isso, acabou por soltar alguns ‘puns’ involuntários junto com o acesso de tosse.



Tanto o seu Celso quanto o dono da tabacaria observaram toda a cena em silêncio, pois a situação foi bastante embaraçosa.

Ao terminar de fumar tranqüilamente todo o cigarro, o freguês, confirmando a impressão que teve o dono do lugar, procurava encontrar uma desculpar para não comprar o fumo, pois tudo que ele queria já havia conseguido: ‘filar’ um cigarro.

Então, como desculpa para não comprar aquele fumo, passou a olhar em volta, como se procurasse outro, e disse:

- O senhor não teria um mais forte?

Ao que o dono da tabacaria respondeu:

- Ah, um que faça ‘obrar’ eu não tenho!

Constrangido, o ‘filante’ colocou-se na rua e desapareceu.

Quando Euchário contava esse acontecimento para o Bimbo, utilizou toda sua técnica de narração, caprichando nos detalhes, ressaltando gestos e entonações na voz. E o Bimbo escutou tudo aquilo e riram bastante. Logo mais Euchário levantou, despediu-se e foi embora.

Mas o Bimbo ficou ‘ruminando’ a história e imaginando a situação na tabacaria, com a lógica de seu dono que, se aquele fumo já havia feito o freguês soltar uns peidos, um mais forte acabaria em merda mesmo...

E continua pensando e relembrando dos gestos e da entonação do Euchário e teve um ataque de riso. Tenta segurar, pois não havia motivo aparente para dar gargalhadas estando sozinho. Começou a ficar agitado, passando mal e não cessava o acesso de riso, ficando até mesmo sem fôlego.

Dona Julieta, percebendo que algo acontecia, correu perto do marido e perguntou o que estava acontecendo. Bimbo nem conseguia falar, pois estava meio sem ar de tanto rir. Tremia e a única coisa que conseguiu dizer foi ‘Euchário’, ‘Euchário’.

Dona Julieta assustou-se, pensando que daquele momento Bimbo não passava. Corre pra cá e corre pra lá, Bimbo foi se acalmando e conseguiu explicar tudo que acontecia, que estava rindo da história que Euchário lhe contou.

No dia seguinte, quando tudo já estava de volta ao normal, Euchário retornou para outra visita. Mas encontrou dona Julieta que lhe pediu - pelo amor de Deus -, que não visitasse mais o Bimbo, pois mais uma história daquelas e ele não agüentaria.

Um comentário:

leandromd disse...

hahaha! Demais!