sexta-feira, janeiro 08, 2010

82) O incrível caso da Necroteca

O Bar Paulista, do Chico Mariano, ficava na Rua Onze de Agosto. Foi um local de encontro de amigos durante muitos anos. Um ambiente agradabilíssimo, tanto em função dos proprietários quanto pelos frequentadores. Todos conheciam todos. Muita gente passava eventualmente por lá, mas alguns costumavam ir religiosamente todos os dias. Conversar, comer, tomar aperitivos, etc.

Dentre os assíduos frequentadores, na década de 1970, estavam o Zé Turco, Gonzaga, Rampim, Geraldo Barbeiro, Manso, Zinho Rosa, Cabreira, Jujuba, Guarugi e muitos outros mais. A cidade era muito menor e as alternativas de lazer também eram restritas a uns poucos locais. Muita conversa fluía por ali.

Rua Onze de Agosto, atualmente.

Nos assuntos de todos os dias, Zé Turco sempre buscava uma inspiração para um número mágico que lhe assegurasse ganhar na loteria ou no jogo do bicho. Ficava reparando em tudo por lá. Via um gordo e jogava no urso. Um cachorro latia, pronto, já tinha um bicho para jogar. Uma mulher com olhar bravo era palpite para jogar na cobra. Buscava em tudo um sinal para um palpite.

O local era um boteco animado.

No início de um novo ano, teve uma ideia um tanto macabra: fazer um tipo diferente de loteria e apostar nas pessoas que iriam morrer nesse ano. Cada qual marcava em um papel 20 nomes de pessoas que supunha morrer nesse ano e quem acertasse o maior número de falecimentos ganhava a bolada toda. Nascia assim a Necroteca.

Lá mesmo no Bar Paulista, Zé Turco começou a pensar em quem iria apostar na Necroteca. Tinha de encontrar 20 nomes que lhe garantisse o prêmio no final daquele ano. Estava ele na difícil tarefa de adivinhar quem ia morrer naquele ano, quando passou um velho andando vagarosamente. Ah, na mesma hora todos colocaram o nome do coitado. Aquilo não era suficiente para o Zé, pois tinha de encontrar nomes que os demais não apostassem.

"-Não passe em frente ao Bar Paulista que o Zé Turco aposta seu nome na Necroteca!"

Nesse momento, no outro lado da rua, Didi Ferreira estacionou seu automóvel e dona Biúca, sua esposa, desceu e entrou em casa. Sua casa ficava onde hoje é a loja Cybelar. Inspirado, Zé Turco anotou o nome dela em sua lista.

Aconteceu, no entanto, que o Marcelo Ferreira estava no bar e ficou sabendo da aposta. Na mesma hora atravessou a rua, entrou em casa e contou da aposta à mãe. Dona Biúca, ao saber da menção de seu nome na Necroteca, irritadíssima, fez o Marcelo voltar ao bar e avisar o Zé Turco que, se ele fizesse um ponto às custas dela, daria um jeito para sua alma retornar e atrapalhar todas as corretagens dele.

Zé Turco ponderou o caso por uns instantes, retirou do bolso o papel de apostas e pôs-se a rabiscar, dizendo ao Marcelo:

- Olha aqui. Estou riscando o nome da sua mãe. Pode avisar que ela está fora das apostas! – afirmou. E fez um pequeno comentário: - É melhor não arriscar, né?

O tempo foi passando e, certa noite, alguém avisou que havia falecido o Expedito, um conhecido pintor da cidade. Aquela informação movimentou o pessoal, pois o nome do falecido constava de algumas das apostas. Zé Turco já chamou alguns dos frequentadores que ali estavam. Era preciso confirmar esse tipo de informação.

- Vamos ao velório!

Lotaram o Fiat 147 do Cabreira, que ficou apertadíssimo. Dirigiram-se para a Vila Dr. Laurindo, onde residia o Expedito. Esse bairro, nessa época, tinha poucas casas e as ruas não tinham calçamento. Seguiram pela Rua 7 de Setembro até uma casa que estava com as luzes acesas e com pessoas rezando. Havia um caixão no centro da sala e muitas pessoas em volta. Ainda era costume velar o morto na própria casa. Algumas mulheres choravam copiosamente.

Os velórios também costumam ser animados.

Entraram e logo estavam rezando o terço. Na verdade, foi um rosário inteiro. Ficaram longe do caixão, pois havia muita gente ao lado. Depois de quase uma hora de reza, foi possível chegar um pouco mais perto do defunto. De repente, Zé Turco olhou por cima de seus óculos de lentes grossas e exclamou:

- Ué! O Expedito não era preto? Esse defunto é branco!! – alertou aos amigos.

Pois aconteceu assim, eles erraram de velório e de defunto. A casa do Expedito ficava um pouco mais adiante. Saíram de fininha e foram até o endereço correto, rezaram ao amigo falecido e voltaram. Zé Turco expressava consternação com muita dificuldade e tinha um olhar de satisfação, pois havia apostado no Expedito. Já tinha um ponto garantido na Necroteca.

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