segunda-feira, março 14, 2011

92) A jardineira versus o anão e o padre

Havia em Tatuí, mais de meio século atrás, um anão conhecido como Dominguinho. Ele, era um anão “de tamanho médio”, nem muito pequeno e nem grande. Muito educado e trabalhador incansável, fazia faxinas em residências da cidade. Era um homem forte, apesar da pequena estatura.

Não importa o tamanho, anão ou gigante, todos precisam trabalhar...

Assim, em uma época em que não havia Cascolac ou coisa semelhante, os assoalhos de madeira precisavam ser raspados, encerados e escovados para aparecer algum brilho. Não havia também pisos vitrificados ou coisa semelhante. Os ladrilhos, feitos de cimento, formavam desenhos bonitos, mas precisavam ser encerados para brilhar. Era necessário cobrir os poros do ladrilho até aparecer brilho.

A cera era preparada em casa. Uma perigosa mistura de parafina, corante e gasolina que provocou muitos incêndios. Imaginem que a mistura tinha que acontecer com a gasolina fervendo em uma lata sobre o fogão!!!

Pois Dominguinho passava escovão com palha de aço nos assoalhos e ladrilhos das senhoras da cidade, para em seguida encerar com a tal mistura. Depois era passar novamente o escovão com flanela até surgir o brilho. Nada fácil!!!

Minha mãe, quando se casou, contratou o pequeno homem para encerar sua casa. Serviço duro. O assoalho de tábuas de soalho precisou de muita força. A casa, enorme, parte assoalhada e parte ladrilhada, deu um trabalhão para ficar pronta! Mas ficou um serviço tão bem feito que até hoje ela se lembra disso.

Para atender sua freguesia, Dominguinho comprou uma bicicleta, agilizando sua movimentação pela cidade, nessa época bem pequena. Foi nessa mesma ocasião que começou o serviço de ônibus circular em Tatuí. Na ocasião, ônibus era chamado de jardineira. O primeiro dono de circular em Tatuí foi um português chamado Silva. Homem trabalhador, mas um tanto bruto. Pudera, lidar com aqueles veículos, que quebravam o tempo todo não era coisa para qualquer um.

Certo dia, Dominguinho passava pela Rua do Cruzeiro com sua bicicleta. Seu pensamento estava fixo no próximo serviço que faria e estava desatento. De repente, o português e sua jardineira entraram na rua, atropelando o anão e sua bicicleta. Alertado pelos gritos de todos os passantes, Silva parou o veículo, pouco antes de passar por cima de Dominguinho.

Correram todos acudir o anão. Por sorte não aconteceu nada mais grave que entortar a bicicleta. Dominguinho, ágil, deu um salto e escapou da roda da circular. O português, contrariado pelo fato do ciclista não ter desviado, escapulido, nem se importou com o anão. Queria sair logo dali, continuar a viagem...

Dominguinho, homem educado, não ia dizer algum impropério ao português, mas deu uma indireta, perguntando ao motorista:

- Seu Silva, o senhor não se machucou? Não! Ótimo, o senhor teve muita sorte! – completou, dando um tapa com luvas de pelica no bruto português.

Aconteceu ainda outro impasse com o Silva, desta vez com o padre Murari. Antigamente, o tempo todo havia procissões em Tatuí. Cidade era mais alegre e muito religiosa, quase todos eram católicos. Com exceção da Igreja Protestante da Rua Onze de Agosto, não havia outra igreja na cidade. As procissões cortavam a cidade em todos os sentidos, conforme o santo do dia. Quilométricas!

Quando estavam construindo a Casa São Pio X, para incentivar doações, aumentaram ainda mais as procissões.

Aqui cabe um aparte. A construção do “São Pio X” fazia parte de um plano maior do catolicismo tatuiano. No final do século XIX, a cidade crescia rapidamente, industrializando-se e espalhando o progresso. Daí construiu-se a Igreja Matriz com porte de catedral, pois havia a suposição de que, com o rápido crescimento, logo Tatuí seria sede de bispado. O “São Pio X”, por sua vez, deveria ser o “palácio do bispo”. Mas o progresso da cidade emperrou. Apenas nestes últimos anos é que tem-se a impressão de que Tatuí voltou aos trilhos...

É interessante lembrar que as pessoas, quando liam que estava sendo construído “o Pio Décimo”, com o numeral em algarismo romano, entendiam como Pióx.

- Aqui vai ser construído o Pióx! - O que é Pióx? - com o tempo essa dúvida desapareceu e as pessoas passaram a chamar pelo nome correto...

Pois bem, com a necessidade de doações para a construção, Padre Murari e padre Ernesto revezavam-se para dar conta da demanda das procissões. Certo dia, quando saía da igreja mais uma procissão, com o padre Ernesto carregando o Cálice de Corpus Christi, a procissão empacou. Bem em frente da igreja, o Silva, curioso, parou a circular para xeretar, impedindo de as pessoas prosseguirem. Ah, por que!!! Padre Murari não tinha paciência. Saiu fuzilando e gritando para o Silva:

- Ei! Toca a jardineira! Toca a jardineira! – exclamava aos berros.

Na frente da igreja estava a banda que acompanharia a procissão. Ao ouvirem a ordem do padre, não pensaram duas vezes e, deixando de lado as músicas sacras, tocaram a marchinha carnavalesca: “Ó jardineira porque estás tão triste / mas o que foi que te aconteceu? / Foi a camélia que caiu do galho / Deu dois suspiros e depois morreu...”!!! Pó-pó-pó-pó-pó-pó...

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