sexta-feira, agosto 13, 2010

89) No tempo da Botica

Em Tatuí pouca coisa é tão velha quanto a Pharmácia Nova. Mais de cem anos. Os Villa Nova têm acompanhado o desenvolvimento da cidade desde o início do século passado, quando Ignácio Villa Nova estabeleceu-se com uma botica. Muita coisa mudou nesses cento e poucos anos.

Os costumes mudaram com o passar do tempo. Lembro-me, certa vez, que um freguês (nessa época, clientes ainda eram fregueses) chegou perto do Ary Villa Nova, muito reservadamente, pegando na gola de sua camisa, pedindo, através de sinais discretos, preservativos. Imagine se alguém teria coragem de pedir em voz alta uma caixa de camisinhas!!!

E para comprar absorventes então? Nem toda mulher tinha coragem e ousadia para tanto. Preferiam as toalhinhas laváveis. Na farmácia, as caixas de Modess ficavam previamente embrulhadas e a compra, quando acontecia, era algo silencioso. A freguesa (ou seu marido, na maioria das vezes) pedia uma aspirina e simplesmente pegava um pacote devidamente embrulhado, pedindo para cobrar aquilo junto com a aspirina... Hoje ninguém se preocupa com isso. Pedem em voz alta qualquer um desses produtos. - O tempora! O mores! - diria um latinista.

Mas o caso que vou relatar é bem mais antigo que isso. Coisas do tempo do velho Ignácio:

No início do século XX a maioria da população não sabia ler nem escrever. Pudera, quase todo mundo vivia na área rural e para lidar com uma enxada a leitura era de pouca valia. As coisas que interessavam eram passadas oralmente de geração em geração. Como plantar, como cuidar da plantação ou como realizar a colheita... A vida, de modo geral, era também muito mais simples. Entretanto, sem instrução havia um nível maior de ignorância.

Pois bem, certo dia apareceu na botica do seu Ignácio um caboclo reclamando de dores em seu ventre e de dificuldades para defecar. Era costume na época consultar-se com o farmacêutico. Seu Ignácio receitou um purgante:

- Tome este remédio que vai resolver o problema! – explicou, contando o modo de tomar.

No dia seguinte, o mesmo freguês apareceu de novo. Seu Ignácio perguntou então:

- Evacuou?

O homem respondeu que não. Que as coisas não estavam nada bem. Ignácio Villa Nova pegou então um pouco de pinhão paraguaio e preparou um remédio mais forte. Entregou ao homem, explicando como tomar aquilo.

Mas no outro dia lá estava o freguês novamente na botica. Com uma fisionomia deplorável. Ao bater os olhos no homem, seu Ignácio percebeu que a coisa não estava bem e perguntou novamente:

- Não evacuou?

- Não! – respondeu desoladamente o pobre caboclo.

Então espera aí. O farmacêutico foi ao laboratório e preparou um novo remédio a base de tártaro emético, um medicamento utilizado para resolver prisão de ventre em equinos. Preparou uma dose cavalar, explicou o modo de tomar e entregou ao homem.

No outro dia, trêmulo e pálido, veio novamente o freguês. Villa Nova, preocupadíssimo com a situação, perguntou ao homem novamente:

- Evacuou desta vez?

- Não! – foi a resposta.

Seu Ignácio então teve o pressentimento que o homem não estava entendendo a coisa e foi mais claro:

- Cagou?

- Ah, nhô Ignácio... Ihhh, se caguei! Tô cagando tanto que o “pessoár” do bairro num sabe se mudam a fossa ou o “paiór”!

Já que o assunto é escatológico, em outra ocasião um freguês da farmácia precisava fazer exame de fezes. Nessa época o material colhido era enviado de trem a São Paulo. O velho Villa Nova explicou que era preciso colocar o material em uma lata devidamente fechada.

- O senhor recolhe as fezes, coloca na lata e traz aqui que eu envio para o laboratório, lá em São Paulo! – explicou.

O homem foi embora e sumiu. Demorou mais de um mês para retornar. Quando seu Ignácio atendeu o homem foi logo reclamando da demora.

- Por que demorou tanto tempo? – disse o farmacêutico.

O caipira abriu o saco que carregava e pegou uma lata de Toddy, daquelas antigas de cinco quilos, explicando:

- É que demorou todo esse tempo para encher a lata!!!

Arre! Que horror!!!

Um comentário:

Marco Antonio Rodrigues disse...

Curitiba 17/09/10

não precisa publicar)

Casostti:

Sou de Tatuí, porém sempre vivi no Paraná, estive muitas vezes em Tatuí, e não me esqueço da Bisteca do Caipirinha, do suco de melancia ao lado do Clube Avenida, e especialmente o Baitacão, que era um trailler de lanches, o melhor que já comi na vida, nas últimas vezes que estive aí não o encontrei mais, não tem notícia dele?

Segue o link para uma sugestão de reportagem de Tatuí:

http://www.gazetadopovo.com.br/bomgourmet/conteudo.phtml?tl=1&id=1034888&tit=Sabores-do-passado


Grato pela atenção

maranto@pop.com.br