segunda-feira, março 14, 2011

90) Pai ou filho?

A Tipografia Machado foi fundada por Tomazinho Machado, meu tio avô. Quem deu continuidade a essa empresa foi seu filho Cícero e continuada pelo seu neto, também chamado Cícero.

Durante muitos anos, todos os serviços de impressão em Tatuí foram realizados por tipografias. Lembro-me da Tipografia Tacitinho, bem ao lado do Armazém do Lalau e da Tipografia Unidos, na Rua Cel. Aureliano de Camargo, cujo imóvel fazia fundos com minha casa da Travessa dos Pracinhas. Só uma pequena parte desse imóvel coincidia com o quintal de casa, mas o barulho das máquinas entrava até na cozinha.

Hoje os sistemas de impressão não são mais por meio de tipos e os textos são, em sua maioria, gerados em computadores. Tudo tem se modificado com intensidade nos últimos anos, deixando de lado equipamentos até pouco tempo atrás considerados como modernos.

Mas voltando à Tipografia Machado, Cícero Machado trabalhou ali durante algumas décadas, até falecer. Cícero era um homem muito ativo, prestativo e que se envolvia em todas as atividades da cidade, inclusive políticas.

Os negócios da tipografia nem sempre caminhavam como ele esperava e, por isso, teve alguns problemas com o fisco, que ele mesmo superou, estudando a legislação tributária e, desta forma, encontrando as alternativas para solucionar todas as questões, a ponto de se transformar no maior rábula tributarista que já viveu em Tatuí. Ele entendia da legislação tributária como nenhum advogado tatuiano de sua época.

Em função de sua profissão, tinha uma ótima redação e, assim, redigia todos os requerimentos e as manifestações de algumas ações tributárias que enfrentou, sempre tendo que encontrar um amigo advogado para assinar. Mas quem redigia era ele mesmo.

O telefone na tipografia estava sempre ocupado. Ou eram clientes solicitando serviços tipográficos e orçamentos, ou eram algumas moças que ligavam para o seu filho Cicinho, paquerando-o.

A cena costumeira era assim:

Triimmm! Trimmm!

- Alô! – Cicero atendia.

- Quero falar com Cícero! – dizia a voz do outro lado da linha.

Como havia dois Cíceros, todas as vezes Cícero Machado perguntava:

- Você quer falar com o Cícero pai ou Cícero filho? – indagava.

Quando era uma voz masculina, invariavelmente a chamada era para o Cícero pai e, quando a voz era feminina, a chamada era para o Cícero filho, sempre:

- Cicinho, venha que tem uma moça querendo falar com você! – Cícero chamava seu filho.

E assim passava-se o tempo...

- Alô! Quer falar com o Cícero pai ou Cícero filho? – o Cícero “pai” acostumou-se com aquela rotina.

Um dia, porém, quando Cicero atendeu ao telefone, uma voz feminina muito suave e simpática disse:

- Alô! É da Tipografia Machado? Quero falar com o Cícero! – disse a tal voz suavemente.

- Cicero pai ou Cicero filho? – indagou o pai.

- Ah, Cicero pai! – respondeu educadamente aquela voz.

Cicero Machado ficou até empolgado, pois havia muito tempo que uma voz feminina tão simpática não o chamava ao telefone.

- É ele mesmo! Quem está falando? – respondeu entusiasmado.

- Aqui é Isolina Donati, do Cartório de Protestos! Tem um título em seu nome que está aqui para ser protestado...

A desilusão foi imediata. A única vez que uma voz feminina queria falar com ele foi essa...

Dona Isolina Donati completou uns dias destes 100 anos, com bastante saúde. Foi uma pioneira, sendo chefe de um estabelecimento oficial, como se diz hoje, uma executiva. Em sua época as mulheres apenas faziam trabalhos secundários ou serviços domésticos. Chefia, nunca.

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