quarta-feira, março 29, 2006

43) Carro versus Bonde

Algumas senhoras da sociedade local, preocupadas com as mães trabalhadoras, idealizaram formar uma associação (Associação das Mães) e criar uma creche para atender às mães que precisavam trabalhar e não tinham onde deixar seus filhos.

Levaram adiante esse projeto, tornando realidade essa instituição que, durante muitos anos, tem auxiliado muitas mulheres trabalhadoras. Mas a luta não tem sido pequena. A associação só tem sobrevivido graças à persistência de inúmeras colaboradoras em todas as fases de sua existência.

Quando ainda buscavam recursos para construir a creche, na década de 1940, algumas senhoras resolveram ir a São Paulo levar pessoalmente suas reivindicações ao governador paulista.

Entretanto, a uma comitiva de senhoras tatuianas não convinha ir de trem, mesmo porque não conheciam direito a capital. Iriam de automóvel, decidiram.

Automóveis, nessa época, eram poucos, para não dizer raros. Também as estradas eram terríveis, sem pavimentação e com pouca conservação. Pediram a vovô Ernestino que as levasse em seu Ford. Claro que ele disse sim.

Só que minha avó ficou enciumada. Mesmo sabendo da finalidade da viagem, ficou preocupada com seu “galã” e, como não havia um lugar para ela ir junto, fez vovô levar minha mãe, na ocasião ainda uma menina. “Imagine, o Ernestino viajar sozinho com aquela mulherada elegante!!” – pensou vovó.

As senhoras estavam arrumadíssimas

No dia da viagem apareceram todas na casa de vovô vestindo taillers, belas bolsas, sapatos com salto e com os cabelos arrumados. Elas capricharam porque iriam encontrar o governador em pessoa!

A estrada de Tatuí a São Paulo não era pavimentada, como todas as outras nessa época: poeira, lama, buracos em todo o percurso. Qualquer viagem era uma aventura. Aquelas senhoras estavam dispostas a enfrentar para concretizar a associação.

O carro de vovô não era novo e nem muito bom. Também pudera, até para arrancar tocos de árvores no pasto ele usava o pobre veículo. Na verdade, nenhum carro era muito bom, pois o desgaste com as estradas acabava com eles. Além disto, como eram todos importados, não se encontravam peças com a facilidade de hoje e, sendo assim, os mecânicos tinham que ter muita criatividade e improvisação. Consertar algo quebrado era coisa de “artista”. Diferente disso, hoje é só substituir a peça quebrada.

Logo saíram em direção à capital. A viagem transcorria bem, até que começou a chover. Em uma baixada o carro encalhou. Não ia nem para frente e nem para trás. Vovô acelerava para tentar fazer o carro sair, mas só roncava e afundava cada vez mais na lama.

Só havia uma solução: empurrar o carro! Mas quem? Aquelas senhoras elegantemente vestidas?

Esperaram um pouco para ver se passava alguém, mas o trânsito era insignificante. Ficaram quase meia hora aguardando e nada. Ninguém apareceu!

Não teve jeito. As senhoras desceram do carro, enfiando seus sapatos chiques na lama grudenta. Empurraram, empurraram enquanto vovô acelerava o carro. O Ford roncava e espalhava lama para todos os lados. Quando conseguiram remover o carro do lamaçal estavam todas enlameadas.

Enquanto percorriam o resto do caminho até São Paulo, as senhoras tentaram limpar suas roupas. Limpa aqui, esfrega ali, molha acolá e conseguiram remover a sujeira aparente.

Chegaram a São Paulo. Com umas ajeitadas nos cabelos e borrifadas de perfume e estariam novamente prontas para encontrar o governador.

As ruas da capital não tinham o movimento atual, mas como eram todas estreitas e quase não havia avenidas, o trânsito na região central era intenso. Além de tudo, havia um ocupante famoso das ruas e que não mais existe: o bonde elétrico.

O bonde era o transporte urbano mais utilizado

As ruas centrais eram compartilhadas por pedestres, automóveis, caminhões, ônibus, bicicletas, carroças, animais e, claro, bondes. E bonde anda em trilhos. Com a confusão do trânsito os carros cruzavam os trilhos dos bondes o tempo todo. Quando aparecia o bonde, todos tinham que dar lugar... sair dos trilhos. Em algumas ruas de mão única, apareciam até bondes na contramão.

Pois bem, apesar de vovô já ter estado outras vezes em São Paulo, estava um tanto atrapalhado com o trânsito. Anda, pára, anda, pára... vira, desvira, acelera, freia... de repente, sem perceber, bateu levemente em um bonde que estava parado na sua frente.

Mas isso não foi nada. O problema foi que enroscou o pára-choques do Ford no limpa-trilhos traseiro do bonde. Vovô tentou dar uma ré, mas não conseguiu. Quando o bonde começou a andar, arrastou junto o carro.

As senhoras, apavoradas, começaram a gritar. Só que o motorneiro não percebeu que havia um carro enroscado no bonde. Vovô apertava a buzina, mas parece que todos buzinavam naquele momento.

O bonde arrastou o carro de vovô quase um quarteirão inteiro. A gritaria das senhoras aumentava o nervosismo de vovô, dificultando ainda mais a saída daquela situação.

Opa! Conseguiu! Com um movimento brusco do bonde e um tranco no volante, o carro ficou livre.

- Ufa! Agora vamos embora! – exclamou satisfeito vovô.

Mas não foi o que aconteceu. Pois não se sabe como, o carro enroscou novamente no bonde. Recomeçou a gritaria e as tentativas para sair daquela situação.

- Pelo amor de Deus, seu Ernestino, faça alguma coisa! – imploraram.

Desta vez o motorneiro percebeu e parou o bonde. Surgiram algumas pessoas que ajudaram a tirar o pára-choques do limpa-trilhos do bonde. Para não correr o risco de engatar novamente, esperaram um pouco, dando certa distância entre eles e o bonde.

Mais um pouco de tempo e estavam em frente ao palácio do governador. Antes de sair do carro, arrumaram-se como foi possível. Depois do lamaçal, da chuva, do bonde, estavam no destino.

Faltou pouco para o carro de Ernestino ficar assim!

Só que a coisa ainda não havia terminado. A chuva tinha alagado a rua e elas tiveram que caminhar em um verdadeiro riacho. Quando encontraram com o governador, estavam com os sapatos sujos, os cabelos despenteados, as roupas com respingos de lama...

A missão, no entanto apresentou bons resultados. Com a cooperação do governo, em pouco tempo as mães trabalhadoras de Tatuí tinham um lugar decente para deixar seus filhos, como têm até hoje.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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