quarta-feira, março 01, 2006

34) A seita do Combate Fluídico

Dochino Carnielli tinha uma bela chácara dentro da cidade. Logo ali, encostada na Escola Industrial. Há bem pouco tempo essa região era praticamente rural. Tinha a chácara do Junqueira, sítios dos Ramos... a cidade era bem menor que hoje. Menor mas muito mais progressista. O progresso sempre foi a marca típica de Tatuí, algo que também ficou sepultado no passado.

Este nosso caso está também no passado, quando Tatuí quase se transformou no berço de uma nova religião.

Nem mesmo nome teve essa religião, mas era baseada em um suposto combate fluídico, um exercício mental que deveria evitar enfermidades e até mesmo a própria morte.

Fiquei sabendo disso em uma ocasião em que fui conversar com o Dochino, em sua chácara. O lugar era realmente muito agradável. As árvores eram frondosas e, em alguns lugares, foram improvisados bancos de madeira, sempre nas sombras mais frescas.

Ele havia sido amigo de meu avô Tonico. Parece que, durante certo tempo, trabalhou lá na serraria de vovô e continuaram sendo amigos.

Eu conversava com Dochino, quando ele me disse que, um certo dia, estava discutindo com o espírito de meu avô naquele mesmo lugar.

Dochino via espíritos em seu quintal

- O espírito disse para mim que a coisa era de uma forma, mas eu falei para o espírito: “Não, de jeito nenhum... é da forma que eu estou falando” – de repente Dochino contou.

- Mas como é essa história de falar com espírito? É espírito de morto? – perguntei curioso.

- Não! É espírito de vivo. Quando morre acaba tudo! – afirmou para mim o Dochino. - Este fato, da discussão que tive com o espírito do Tonico Luciano, seu avô, ocorreu há mais de 15 anos. Depois que ele morreu nunca mais seu espírito voltou para fazer a viagem fruídica.

- Como assim? – indaguei.

- O espírito de cada pessoa sai do corpo e vai fazer viagens pelos fruídos da mente. Esses fruídos entram nas outras pessoas e podem ajudar ou prejudicar. – explicou.

Fiquei pensativo. Achei melhor nem tentar entender aquele homem. Mas mesmo assim ele continuou a explicar:

- O mundo tem uma grande guerra fruídica, com os espíritos lutando entre si. Os espíritos das pessoas que têm inveja de outros, saem do corpo dessa pessoa e vão, através dos fruídos perturbar o espírito de quem ela não gosta.

-Também aqueles que querem bem outras pessoas podem ajudar com fruídos positivos, fruídos benéficos!

Sua teoria era baseada em complicados fluxos de fluidos mentais repletos de espíritos, que iam e vinham fazendo maldades e/ou bondades. Lutava contra as hostes espirituais que navegavam nos fluidos com sua própria mente, naquilo que denominava de "combate fluídico".

Mentalmente, ele lutava contra os espíritos carregados de fluídos negativos, naquilo que chamava de "Combate Fluídico".

Dochino, como todo tatuiano, trocava a letra “ele” pelo “erre” em algumas frases, mudando “fluido” e “fluídico” para o seus especiais “fruído” ou “fruídico”.

- Com esse ataque fruídico, as pessoas sofrem doenças e acabam morrendo. – continuou a explicar sua teoria.

- Eu descobri esse fato e passei a fazer o “combate fruídico”. Eu fico concentrado e vejo os espíritos de quem quer me prejudicar e, mentarmente, passo a combater os fruídos negativos com meus fruídos positivos!

Eu percebi que ele acreditava realmente em sua teoria, pois o homem falava e ficava empolgadíssimo. Aí se eu demonstrasse não acreditar. Provavelmente ele iria achar que o meu espírito ainda voltaria para prejudicá-lo. Sendo assim, continuei a escutar seus argumentos:

- Eu tenho praticado o combate fruídico já há algum tempo. Não tenho nem mesmo ficado doente. – continuou a explicar.

A batalha contra os espíritos era intensa.

- Descobri que a própria morte é resultado do ataque fruídico! – continuou.

- Como assim? – perguntei.

- O ser humano não foi feito para morrer! – afirmou.

- Acontece que os fruídos negativos atacam as pessoas e elas acabam ficando doentes e morrem. – continuou.

- Só que eu percebi isso a tempo e estou fazendo meu combate fruídico. Estou afastando a morte. – empolgadíssimo Dochino explicava tudo.

- Com esse combate fruídico eu vou ficar imortár! – completou.

A luta do Dochino era só através de sua mente

- Não morre mais? – perguntei.

- Não! Fica imortár! – finalizou.

Logo em seguida fui embora. Nesse momento chegavam algumas pessoas para conversar com o Dochino. Entraram muito contentes e foram debaixo da sombra que eu estava há pouco.

Eram discípulos do Combate Fluídico. Sim, as teorias do Dochino já tinham arrebanhado alguns fiéis discípulos, que corriam até seu mestre para receber ensinamentos da forma de proceder ao tal combate e ficar imortal!

Infelizmente, uns poucos meses depois, Dochino faleceu. Ele deve ter perdido seu combate fluídico... deixou de ser imortal. Logicamente que os discípulos ficaram decepcionados com a morte do mestre, justo aquele que dizia ter encontrado a fórmula da imortalidade. Assim, em pouco tempo acabou a seita do combate fluídico...

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