sábado, março 11, 2006

37) Maquiavel andou por aqui

Quem mandava na cidade até a década de 60? Em última análise, o padre! Passaram muitos por aqui, mas alguns deixaram suas marcas na história de Tatuí, como padre Carvalho, padre Canto... padre Murari. Este último é mais uma vez enfocado aqui. Em uma época em que o mundo já havia mudado radicalmente, com o centro de decisões mundiais passando da Europa para os Estados Unidos, principal resultado da divisão planetária resultante da Segunda Guerra Mundial.

A separação entre Estado e Igreja havia ocorrido há muitos anos, mas não “de fato”, pois a influência dos membros eclesiásticos era contundente. As mudanças não eram tão rápidas como na atualidade. Sendo assim, se as coisas em Tatuí contrariassem ao padre Murari, ele ficava furioso.

Confessionário

E o homem era bravo mesmo. Por qualquer coisa. Certa vez, logo depois de eu ter feito a primeira comunhão, fui ao confessionário para me preparar para o domingo. A primeira pergunta do Padre Murari foi:

- Quando foi que você veio à missa?

- Não me lembro direito! – respondi.

- Então vai lembrar e volte depois – falou o bravo padre, batendo na minha cara a portinhola do confessionário.

Assustado, fui até um banco da igreja, pensei, pensei e voltei ao confessionário. Com muito medo inventei uma data qualquer para deixar o homem contente. Acho que ele percebeu algo, pois me castigou com uma penitência representada por um monte de ave-marias e padre-nossos...

Até pensei: “Da próxima vez eu digo que vim no último domingo que ele não me dá tantas ave-marias e padre-nossos...”.

Entretanto, esta passagem já ocorre nos últimos tempos desse sacerdote em Tatuí. Pouco tempo depois é removido pelo bispo para Cerquilho, se não me engano, com a desculpa que, como já estava velho, precisava de uma paróquia menor... Mas depois de alguns anos, quando foi jubilado, voltou a Tatuí, onde faleceu. Este padre viveu seus anos finais com dignidade.

Padre Murari participava intensamente da vida religiosa, social e política de Tatuí. Eu, quando menino, morava na Travessa Pracinhas de Tatuí, ao lado da Casa Paroquial. Entre a casa paroquial e a igreja, perto do portão lateral, ao lado da casa S. Pio X. Explicando melhor, minha casa ficava mesmo era em frente ao poleiro da danada araponga do padre. Uma ave barulhenta que não perdoava os ouvidos de ninguém.

Lembro-me quando estavam construindo a Casa S. Pio X. A construção desse prédio, conforme relato de uma das pessoas mais bem informadas de Tatuí - segundo sua própria avaliação - fazia parte de um plano para tornar Tatuí sede de diocese. A igreja matriz foi construída para ser uma catedral e a Casa S. Pio X faria parte do palácio do bispo. Como a cidade era bastante progressista no início do século XX, parecia que seu crescimento seria constante, o que não ocorreu. A diocese está em Itapetininga!

Na época da construção da Casa S. Pio X, eu ficava na janela de casa olhando os atiradores do Tiro de Guerra recolhendo tijolos... formavam uma corrente de pessoas, um jogando para outro, que passava adiante, recolhendo, desta maneira, todos os tijolos em pouco tempo. Era bonito ver aquilo.

Aliás, assistir outros trabalhando é esporte nacional do Brasil. Acho que o mais popular depois do futebol.

Vamos voltar ao nosso padre...

Sem qualquer dúvida, dá para afirmar que o padre era um poderoso chefe político em Tatuí. Era totalmente envolvido com os assuntos da paróquia. Com aquilo que lhe cabia por força de suas atividades e com aquilo que sua consciência ordenava.

Urna eleitoral utilizada na década de 1950

Em uma eleição concorriam Camilo Vanni e Antonio Tricta Junior. O Tricta não tinha chances. Camilo Vanni tinha “papado” a eleição antecipadamente. Costumava-se cercar uma área destinada a um candidato... chamavam de curral. Lá tinha comes e bebes para os correligionários e para quem por lá passasse... O curralzinho do Camilo Vanni estava todo dia lotado... animação total... não havia chance de perder a eleição. A prefeitura de Tatuí já estava em suas mãos.

O curralzinho do Tricta assemelhava-se a um deserto. Não tinha ninguém! Era o candidato antecipadamente derrotado.

Só que – aqui entra o padre Murari – Camilo Vanni era espírita! Isto, até a metade do século passado era um pecado horroroso. Não só isso, mas ser protestante também era coisa terrível. Minha avó Maria, contava que, quando era menina, ela e suas irmãs, mudavam de calçada quando passavam em frente à igreja presbiteriana, que nessa ocasião era a única igreja não católica de Tatuí!!!!

Bem, uns dias antes das eleições, padre Murari começou a “doutrinar” as beatas de Tatuí. No confessionário, nas conversas, nos aconselhamentos, ele não deixava de dizer, com seu sotaque italiano:

- Não vote em Camilo Vanni! Ele é expíritaa! – ordenava padre Murari a todas.

Maquiavel sempre esteve na moda em Tatuí

Querem saber o que aconteceu? O vencedor foi justamente quem não tinha chance: Antonio Tricta Jr.

Padre Murari conseguiu reverter um fato dado como definitivo, com o poder que exercia sobre os cidadãos.

Até parece que liam, como hoje, o Príncipe, de Maquiavel.

2 comentários:

Anônimo disse...

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