segunda-feira, março 27, 2006

42) Enterro atrasado

Padre Murari foi mesmo inesquecível. Alguns tatuianos mais antigos dizem que “foi o melhor padre que passou por Tatuí”.

Pode mesmo até ser verdade, mas não dá para dizer que foi um padre dotado de paciência. O homem resolvia as coisas de seu jeito, não aceitando intromissão.

Certo dia faleceu um morador de um sítio um tanto longe da cidade. O óbito aconteceu ao meio dia em uma propriedade isolada. Junto só estava sua esposa. A mulher saiu de casa toda nervosa para avisar vizinhos e parentes. Como a propriedade era longe dos vizinhos, só retornou quando a noite já estava alta.

Alguns parentes, amigos e vizinhos passaram a noite toda velando o defunto. O choro dos parentes e das carpideiras atravessou a noite. O bule de café não parava cheio. Uma das vizinhas passou a noite fazendo incontáveis cafés. Enquanto isso, os homens contavam "causos" e tomavam toda pinga que havia por lá.

O choro das mulheres atravessou a noite

No dia seguinte, formaram um cortejo para levar o corpo a Tatuí, para ser enterrado no Cemitério Municipal.

Automóveis ainda eram raros nessa época. O sítio era longe e não tinha estradas, só caminhos. Colocaram o defunto em uma carroça e vieram à cidade.

Além do caminho ser ruim, faziam questão de passar pelas casas de conhecidos, para avisar do ocorrido. E todos queriam saber o que havia acontecido com o morto. Porque morreu, se estava doente, etcetera e tal. E ia juntando gente acompanhando o enterro. Mas cada parada atrasava mais um pouco a viagem. Quando chegaram à cidade já era bem tarde.

Não sei se devido à doença que o matou ou ao tempo transcorrido, quando chegou à cidade o corpo já começava a cheirar mal. A viúva desejava que o padre benzesse o defunto, realizando o último de seus desejos. Não queria enterrar sem isso.

Pararam a carroça na funerária, para comprar um caixão. Encontraram lá um que deu certo com o tamanho do defunto. No entanto, era um caixão caro e a viúva gastou todo seu dinheiro para pagá-lo.

A partir da funerária, o caixão seguiu carregado pelos parentes e amigos que acompanhavam o cortejo fúnebre desde o sítio. Ao chegar na igreja matriz, como a porta estava aberta, entraram com o caixão, para que o padre desse suas bênçãos ao morto.

Só que o padre não estava lá. Padre Murari havia saído para visitar alguém e não havia como avisá-lo.

Esperaram quase duas horas. Já era hora de fechar o cemitério. Nada do padre aparecer. Um dos parentes do morto correu ao cemitério para pedir que esperassem um pouco mais, avisando que o defunto já chegaria.

Enquanto isso, o defunto cheirava mal cada vez mais.

Preocupado, o João Sacristão mandou um mensageiro até onde o padre estava, pedindo que este voltasse logo, para benzer um defunto.

Padre Murari ficou contrariadíssimo. Estava na casa de amigos tomando uma pinga que trouxeram de Minas Gerais especialmente para ele.

Demorou um pouco mais, mas veio.

Entrou pela Casa Paroquial. Foi lá fazer alguma necessidade fisiológica. Logo saiu.

Chegou o padre. Enfim ele estava na sacristia colocando seus paramentos. O pessoal que acompanhava o enterro estava já conversando alto dentro da igreja, o que deixou o padre mais contrariado ainda.

Quando aproximou-se do defunto, assustou-se com o cheiro. O pobre homem já fedia.

Nesse instante, João Sacristão avisou que não haviam pago a taxa que se cobrava para benzer defuntos.

- Ah, tem que pagar! – determinou o padre.

A viúva veio explicar que não tinha mais dinheiro, que gastou tudo com a compra do caixão.

As pinturas dos anjinhos distrairam o pessoal

Nesse momento, aquelas pessoas que acompanhavam o enterro sumiram de perto. Uns olhando para as pinturas da parede e outros para o teto. Talvez ficassem obsortos ao apreciar as imagens dos querubins do teto em frente à sacristia. Sabe-se que o pintor inspirou-se na criança mais linda de Tatuí dessa época quanto pintou os tais anjinhos. Ninguém se prontificou a pagar ao padre.

- Não adianta, se não pagar não posso dar a bênção. É a norma! – afirmou o padre.

Mas o fedor invadia toda a igreja. Não dava mais para ficar com aquele defunto por ali.

A viúva, que desejava cumprir o desejo do falecido, disse:

- Não vou tirar meu marido daqui enquanto o padre não benzer! Que fique aqui o corpo - disse a viúva.

O problema estava agravando-se. O cheiro estava terrível.

Como não havia outra saída, padre Murari aproximou-se do caixão para dar suas bênçãos ao morto. Ih, mas quando abriram o caixão o cheiro aumentou! A situação estava muito ruim.

Proferiu rapidamente as palavras sacramentadas recomendando o defunto.

Saiu logo em seguida, ainda mais contrariado do que quando entrou e, tapando suas narinas com uma das mãos e gesticulando com a outra, ordenou a todos que retirassem o quanto antes aquele caixão:

- Pronto, pronto! Agora tratem de levar esse defunto... Que vá feder lá nos quintos dos infernos! – resmungou padre Murari.

Um comentário:

Anônimo disse...

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