sexta-feira, agosto 25, 2006

58) Arranca-rabo

Em 1968 fomos, eu e o Pingo, estudar fora de Tatuí. Não estávamos com notas boas em matemática e resolvemos fugir da dona Brasilisia.

- Ah, qualquer lugar é mais fácil que no Barão de Suruí! – consideramos.

As aulas de matemática com a Brasilísia eram terríveis

Nessa ocasião, o Barão de Suruí era uma escola de alto padrão, algo incomparável às escolas públicas da atualidade. E todas escolas públicas eram assim. Quem desejasse aprender realmente tinha que se manter nas escolas públicas. Escolas particulares eram conhecidas pelo apelido de PPP (Papai Pagou, Passou!).

Assim, no segundo semestre de 68 estávamos matriculados no Ginásio “Presidente Arthur da Silva Bernardes”, de Cerquilho. Não era uma escola pequena, mas bem menor que o Ginasião de Tatuí.

O primeiro dia de aula nos trouxe algumas surpresas. Ao entrarmos na escola não ouvimos nenhum ruído. Claro que já chegamos atrasados no primeiro dia. Não havia barulho algum e, com isto, imaginamos que não estavam tendo aulas.

- Oba! Não tem aulas no primeiro dia! – animado, o Pingo comentou.

A escola era mais silenciosa que um hospital

Mas o que acontecia é que havia rigorosa disciplina e os alunos assistiam às aulas em silêncio. Parecia um hospital! Logo um inspetor de alunos nos conduziu até a classe. É uma sensação esquisita entrar em uma sala de aula estranha. Nós éramos desconhecidos da classe e todos os alunos nos eram desconhecidos. Fomos examinados dos pés à cabeça.

Eu pensava que em outra escola seria mais fácil que em Tatuí. Mas não foi assim. Pelo contrário, em Cerquilho a coisa era ainda mais difícil e a disciplina mais rigorosa.

Não trocamos seis por meia dúzia. Foi algo como trocar o ruim pelo pior. Cada aula uma surpresa. Seria preciso estudar, estudar, estudar. Em pouco tempo nós dois pensamos em voltar para Tatuí.

Ah, mas aconteceu uma coisa para que continuássemos em Cerquilho. Fizemos sucesso com a meninada. A avenida que vai da praça da Matriz até o ginásio tinha uns 5 ou 6 quarteirões. Eram poucas as casas naquele tempo e a prefeitura exigiu que os proprietários fizessem muros. A coisa lá ficou parecendo época de eleição. Os muros estavam todos pichados: Pingo e Fulana; Fran e Cicrana; Pingo e Beltrana; Fran e Fulana Maria; Pingo e Célia... por sinal, é com a Célia que o Pingo está casado.

Também, se com 16 anos não acontecesse isso, não seria agora que iríamos fazer algum sucesso... agora? Chééééé!!!

A professora de música parecia pensar que regia uma orquestra em uma classe sem instrumentos

Bem, se em Tatuí as aulas de matemática eram complicadas, em Cerquilho até mesmo as aulas de música ou de artes tinham um milhão de coisas para fazer. Tarefas? Arre! Todo dia.

E a matemática? O professor Mazzer era alguma coisa como dona Brasilisia elevada ao quadrado! Por falar nisso, um dia o tal professor pediu para eu ir resolver uma raiz quadrada na lousa:



- Venha aqui e faça uma raiz quadrada! – disse o professor.

As aulas de matemática em Cerquilho eram mais complicadas que em Tatuí

Levantei e fui até a lousa. Em vez de resolver o problema – eu não sabia, diga-se de passagem, - desenhei uma pequena árvore com a raiz dentro de um quadrado:

- Aqui está a raiz quadrada! – falei para o professor.

- Fora daqui! – foi sua única resposta.

O professor de Artes não deixava ninguém ficar parado

Mas aconteceu um fato interessante que vou contar. As aulas de Artes Manuais (ou Trabalhos Manuais) com o professor Paulo Coelho eram trabalhosas, para dizer o mínimo. O professor devia ter “bicho carpinteiro”, pois não deixava ficar um minuto sem atividades. O homem parecia ser hiperativo e queria que todos fossem assim. Inventava coisas o tempo todo. O professor Paulo também morava em Tatuí.

O professor mandou fazermos escovas com crina de cavalo

Lembro, no entanto, que resolveu mandar os alunos fazerem uma escova de crina. Dessas que servem para escovar roupas. Deu as medidas e mandou que comprássemos madeira para as escovas e as cerdas deveriam ser de crina de cavalo.

Crina de cavalo!!! Onde encontrar isso?

Fomos, eu e o Pingo, no bairro do Lavapés, aqui em Tatuí, onde havia um ponto de carroceiros. Pedimos para todos, mas ninguém quis cortar a crina de seu cavalo para nós fazermos o trabalho escolar.

O cavalo que pastava atrás da escola tinha um belo rabo

Aparecemos na escola sem a danada crina. O professor, fuzilando com os olhos, disse que sem isso não entraríamos na aula e o resultado seria zero na certa.

Na frente do ginásio de Cerquilho tinha um pipoqueiro que vinha todos os dias com um cavalo puxando sua carrocinha de pipocas. Era um cavalo branco. O pipoqueiro passava o dia todo na frente do ginásio, enquanto que seu cavalo ficava pastando no fundo do ginásio, onde havia um campo com grama. Engordava a olhos vistos naquele pasto verdinho.

A crina do tal cavalo estava aparada. Mas tinha um rabo imenso!!! Resolvemos aproveitar que o cavalo estava ali, dando sopa, e arrumar o material para as aulas de Artes.

Arranjamos uma tesoura e vupt, cortamos o rabo do cavalo. Seria preciso material para duas escovas e, assim, não deu para economizar. Deixamos o “pitoco” pastando. O cavalo e as moscas, pois não conseguia mais espantar moscas com o rabicó que sobrou.

O cavalo do pipoqueiro ficou pitoco

Na hora da aula o professor ficou contente conosco. Ainda mais que todo mundo havia levado crina de cor escura e só nós aparecemos com crina branca.

- Com esse material a escova ficará excelente! disse o professor.

E ficamos lá, fazendo furos na madeira para enfiar os pêlos do cavalo e fazer a tal escova. Fura aqui e ali... De repente entrou o inspetor de alunos e foi falar com o professor.

- Tem um senhor na diretoria reclamando que cortaram o rabo do seu cavalo! – disse o inspetor de alunos ao professor – A diretora vem vindo aqui conversar com o senhor. – completou.

Na hora “gelou” a barriga. Combinamos, eu e o Pingo, em negar qualquer coisa.

Uns minutos depois apareceu a diretora com o pipoqueiro. A mulher perguntou para a classe quem havia cortado o rabo do cavalo do pipoqueiro.

Silêncio total! Ninguém se manifestava. Eu fiquei bem quieto. O Pingo também.

A mulher insistia em saber. Senão ia suspender a classe toda. O pesado silêncio continuava.

Nisso o pipoqueiro falou:

- O meu cavalo tinha o rabo branco. É só procurar uma escova com pêlos brancos!

Pronto, a “casa caiu”!

Só a minha escova e a do Pingo tinham cerdas brancas.

- Não gostei desta história!

Fomos lá para diretoria. Argumentamos que ninguém arrumou crina. Que o professor ia dar zero. Que isto e que aquilo... acabamos saindo com um belo sermão, mas não levamos suspensão.

E o cavalo? O coitado ficou lá, feio pra danar, pitoco, envolto em uma nuvem de mosquitos...
Ah, e quando saimos da escola ela não era mais tão silenciosa quanto antes... Foi essa a nossa contribuição para Cerquilho!!!

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