quarta-feira, julho 19, 2006

54) Lendas Urbanas: o urubu no cinema

Quem me contou o ocorrido, tintim por tintim, foi o Tucunduva, policial de Tatuí já falecido. Ele estava completamente por dentro dos fatos, ainda mais que costumava dar plantão nos cinemas de Tatuí, local da ocorrência do fato que irei lembrar. Infelizmente, ele disse que não estava de plantão na noite dos fatos. Mas sabia de tudo detalhadamente.

Quando começavam as sessões no Cine São Martinho, todas lotadas, diga-se de passagem, apareciam algumas propagandas, trailers, curtas metragens esportivos do Canal 100 e, ainda, capítulos dos seriados da época (Flash Gordon, Fantasma, Dick Tracy, Capitão Marvel, Rintintin, Garra de Ferro, Tarzan, Zorro, Cavaleiro Mascarado, Mandrake, Fu Manchu, X9, Besouro Verde, etc.).

Rintintin passava também na TV, no começo da decadência dos cinemas

O cinema era uma das principais opções de entretenimento. Nem precisava ser filme recém lançado para lotar cinemas. Famílias inteiras iam juntas ao cinema. A vida social era regulada pelo horários das sessões. Em Tatuí havia 3 cinemas: Cine São Martinho (onde hoje é o Banco Itaú), Cine São José (onde é atualmente o Supermercado Lorenzetti) e o Cine Santa Helena, ressuscitado há poucos anos.

Filmes do Mazzaropi, por exemplo, lotavam todos os cinemas no Brasil inteiro. O homem era tão organizado que enviava seus fiscais para controlar as bilheterias e não perder receita. De bobo só tinha tipo. Espertíssimo!

De bobo Mazzaropi só tinha a cara!

A imensa maioria dos filmes vinha de Hollywood. Os grandes estúdios, como Metro Goldwyn Mayer, Universal Films, Warner Bros, Fox, Columbia, Paramount, eram todos íntimos dos espectadores. Mas havia um especial, que atraia a atenção de todos quando apresentava sua vinheta: o estúdio Condor Films.

Aparecia a animação de um condor pousado em um galho. A platéia toda gritava: Xô! Xô! Xô! E riam no momento em que a ave batia suas asas e voava, dando a impressão que a haviam assustado...

O condor aparecia pousado em um galho

O vôo do condor deu inspiração para o caso contado pelo Tucunduva. No final da década de 60, soltaram um urubu no Cine São Martinho de Tatuí. A ave foi introduzida por uma fresta da porta lateral (que dava para a Rua José Bonifácio) dentro de uma caixa de sapatos. No momento em que abriram a caixa de sapatos, o urubu, assustadíssimo, voou em direção à tela, atraído pela luz.

Quando o urubu chocou-se com a tela, caiu próximo da primeira fileira de carteiras do cinema. Isso gerou o maior tumulto que já se viu em um recinto fechado em Tatuí. Pânico geral. A sessão teve de ser interrompida. Algumas pessoas passaram mal e tiveram que passar por atendimento médico. A sorte que até os médicos assistiam aos filmes e estavam lá mesmo.

Ninguém foi preso porque não foram identificados na ocasião. O Tucunduva, policial experiente, soube dos detalhes do caso algum tempo depois, pormenores que me contou em 1971-72, aproximadamente.

- Quem teve a idéia e organizou tudo foi o Marcelo! – afirmou Tucunduva – Ele teve a idéia e juntou alguns amigos para caçar um urubu ali no Barrocão!

O Barrocão, bem ali onde fica a agência principal dos Correios, era o depósito de lixo de Tatuí. Lugar horrível, onde a fumaça da queima de lixo orgânico não cessava, deixando a região com um cheiro terrível. O lixo era recolhido em carroças e levado até o lugar. Era jogado e queimado, numa agressão ambiental impensável na atualidade.

- Armaram uma arapuca, atraindo a ave com um pedaço de carniça... ficaram esperando até que um urubu entrasse dentro! – explicou Tucunduva – Assim que caçaram um deles, colocaram em uma caixa de sapatos e guardaram até a noite, executando o plano no horário da primeira sessão! – continuou.

- Três amigos entraram no cinema e sentaram-se bem ao lado da porta do meio e, cuidadosamente, abriram uma de suas partes (as portas dobravam-se em 4 folhas), enquanto um quarto personagem enfiava a caixa com o urubu! – completou Tucunduva.

O resto é de domínio público. O vôo do urubu, sua queda, o susto dos espectadores, o pânico, etc. Tucunduva não me contava aqui nenhuma novidade, pois eu sabia do acontecido. Ocorreu em um dia em que eu não fui ao cinema.

Todo mundo sabia do ocorrido, mas nunca encontrei com uma pessoa que tivesse presenciado realmente o acontecimento. Sabiam por ouvir falar! Vez por outra ainda escuto algumas pessoas comentando o ocorrido.

Só que existe um detalhe que conheci 20 anos depois, conversando com o próprio Marcelo, que segundo o Tucunduva foi o mentor e executor do caso.

Comentando na presença do Marcelo desse ocorrido, ele disse que isso nunca aconteceu. Disse que já havia tentado esclarecer, mas ninguém acredita. Nunca aconteceu o vôo do urubu no Cine São Martinho e em nenhum outro de Tatuí.

- Desisti de desmentir! – disse o Marcelo. – Já que continuam a dizer que fiz, que digam, mas isso nunca aconteceu! – finalizou.

Eu hein? Não tenho nada com isso!

E não aconteceu mesmo, trata-se de uma Lenda Urbana Tatuiana. Acho que existem algumas pessoas que até pensam ter visto o fato, em uma confusão de sua memória entre o condor voando na vinheta da Condor Films e o urubu da imaginação.

Tucunduva foi apenas mais um que acreditava no fato, que não presenciou simplesmente porque nunca aconteceu. É mole?

3 comentários:

Anônimo disse...

Deixe seu comentário aqui!

Anônimo disse...

Comentários são bem-vindos. Se tiver um "causo" para contar, envie por e-mail: luccam@asseta.com.br

Anônimo disse...

I like it! Good job. Go on.
»