sexta-feira, agosto 13, 2010

86) A Praça do Amor

Como muitos ainda se lembram, a Praça da Matriz foi o ponto de encontro dos tatuianos durante muitas décadas. Lá os finais de semana eram movimentadíssimos, tanto pelos clubes, bares, restaurantes ou cinemas, quanto pela própria praça. As pessoas não ficavam em casa, sendo que lá era o ponto de encontro principal. Uma vez na praça, decidiam aonde iriam curtir seus momentos de lazer.

Desde o anoitecer, aos sábados e domingos, o movimento era grande. Iniciava com a missa na igreja matriz e, do outro lado da praça, perto de onde há um monumento à bíblia, formava-se uma roda de crentes, que, animados pelo som de uma sanfona e de palmas, atraíam ouvintes às palavras do Evangelho. Ao mesmo tempo, como se fosse um maestro com sua batuta, de colher de pau na mão, o pipoqueiro Justo fazia a primeira panelada de pipocas, dando o toque mágico para a praça começar a animar, com pessoas vindas de todos os cantos da cidade, em um desfile alegre e ordeiro pelas ruas que conduziam ao centro da cidade.

Relembrando a geografia das redondezas, havia o Cine S. Martinho, Clube Recreativo XI de Agosto, Hotel Del Fiol (com um enorme banco de frente para a praça), Bar e Restaurante 80, Bar Central, Bar XV, Bar do Batista, Bar do Pio, Bar do Sartorato (lembro-me das batidinhas que ele preparava, como a “serenade”). Outros locais, nas redondezas, também eram pontos de encontro, cada qual com sua especialidade: uns iam para comer, outros para beber ou para jogar “snooker”, cartas ou, ainda, dançar.

Bem no centro de tudo, a fonte luminosa, que logo após a pregação dos pescadores de almas, era ligada, juntamente com sua sonorização. E as músicas da fonte se transformavam em trilhas sonoras de muitos casos de amor. Raramente aconteciam brigas, pois todos que ali estavam buscavam encontrar a sua cara metade ou, no mínimo, distrair-se.

Tudo era magicamente preparado para mais uma noite de busca pela felicidade. Além dos bares, clubes e cinemas – lembrei-me mais destas -, em algumas ocasiões aconteciam quermesses e outros eventos, como quando aparecia o Paulo Dragão com suas barraquinhas de rifas e coelhos da sorte.

Mesmo tentando recordar os eventos que aconteciam na Praça da Matriz, as nuvens do tempo escondem fatos e coisas e, assim, sei que muita coisa foi esquecida, mas deixo aos leitores que conheceram o local em diversas épocas, o exercício de rememorar tudo que havia ali nos anos 60, 70 e 80.

Esforçando um pouco a memória, veio-me à mente como as pessoas passavam seus momentos ali na praça, fazendo o “trottoir”, uma alegre caminhada sem fim, em que homens e mulheres davam incontáveis voltas na praça – homens de um lado e mulheres de outro, de modo que todos se encontravam duas vezes a cada volta -, permitindo que olhares fossem trocados e o amor pudesse surgir.

Uma coisa era certa: Cupido, deus do amor, lançava suas flechas aqui e ali, por toda a praça, e cada par de flechas lançadas resultava em um novo casal na cidade. Apesar das possibilidades de encontrar a cara metade, nem todos eram atingidos pelas flechas de Cupido e ficavam lá simplesmente passeando e conversando. Muitas pessoas seguiam a moda da época, que incluía, certamente, copiar alguma coisa dos ídolos da música, da TV e do cinema, tal como acontece hoje.

Os casos mais comuns, na ocasião, era imitar ídolos da Jovem Guarda e, por isso, alguns rapazes andavam arrastando uma perna, fingindo mancar como Roberto Carlos – às vezes, dando voltas pela praça, era possível imaginar que um grande desastre havia ocorrido, tantos eram os que arrastavam a perna por lá, tentando chamar a atenção dos brotos, como costumavam falar na época -, além de imitadores de personagens de filmes de Hollywood, com uma multidão de Macistes, Hércules e Sansões.

Roberto Carlos era, dentre os cantores, o mais imitado, mas outros davam pinta de Ronnie Von, de Erasmo Carlos, além dos cortes de cabelos igual aos Beatles ou Rolling Stones, enquanto que as moças imitavam Wanderléa, Martinha e cantoras ou atrizes internacionais, com legiões de penteados iguais à Brigite Bardot ou Sofia Loren.

Zuuuuuuuuummmmmmmm! Epa! Que aconteceu? A banda tocou os últimos acordes da valsa do Bimbo e a praça fechou! Tudo ficou escuro. Não tem clubes. Não tem rinque de patinação. Não tem cinemas. Não tem restaurantes. Não tem bares que amanheciam abertos. Não tem aquela multidão pessoas buscando o amor em intermináveis passeios em torno do centro da praça. Nem os crentes se arriscam pescar almas por lá. Agora a praça é triste! Estão todos em casa, com os olhos fixos na telinha da TV, acompanhando novelas que falam de casos de amor, iguais àqueles que, todos os finais de semana, aconteciam na Praça do Amor de Tatuí.

4 comentários:

Anônimo disse...

Fran
Parabéns pelo texto tão bem escrito, onde com naturalidade e autenticidade me proporcionou a alegria de recordar momentos felizes que vivi nesta década de 60, inclusive, acompanhada de um grande amor oriundo de voltas no coreto!.
Saudades...
Ana Maria

Laurinha disse...

Que lindo Fran!
Tudo me fez lembrar de forma tão poética.
Que pena que tudo acaba.
Continue escrevendo.
Você escreve muito bem, deveria fazer dessas histórias um livro e lançar no café canção.
O único lugar que sobrou para encontrar os velhos amigos.
Beijo grande. Laura

Laurinha disse...

Lindas histórias!
Deveria escrever um livro com todas elas.
Nos faz voltar no tempo bom de Tatuí.
Tudo era simples, engraçado e poético.
Me lembro da praça, que não é mais a mesma.
Sobrou o café canção, onde podemos encontrar velhos e queridos amigos.

Claudiney Velasco disse...

Fran, vivi tudo isso! Comi muita pipoca com pimenta do Sr Justo. Usei também calça e cinturão calhambeque, por uns dias apenas porque era muita apertada e doía o gr.... kkkk Trabalhei na pizzaria do Nazário, no Cine São Martinho. Tempos mágicos!!!