sexta-feira, janeiro 11, 2008

70) O Caso das Pupilas Arregaladas

Em 1979, o prédio da esquina da Praça da Matriz, onde havia o posto de gasolina do seu Chiquinho Del Fiol, já desativado nessa ocasião, estava sendo ocupado pelo Zé Turco, que ali colocou seu escritório de corretagem. Ele estava vendendo o loteamento Colina Verde.

O prédio fora construído especialmente para ser um posto de gasolina, que na ocasião tinha, assim como os outros postos da época, um formato parecido. Bem na esquina ficava a bomba de gasolina, uma pequena área coberta em que cabiam, no máximo, dois automóveis. Tinha também um salão, com uma porta aberta para a Rua Prudente, que funcionou como loja de pequenas autopeças, baterias e escritório. Aqui o Zé Turco montou seu escritório. Além disso, havia um sanitário. Do lado da Rua Cel. Aureliano ainda havia o lavador de automóveis e mais algumas dependências. Na parte superior estava o apartamento do seu Chiquinho.

O local, nessa ocasião, já não permitia que alguém pudesse parar seu carro para abastecer ali, mesmo que o trânsito ainda não tivesse a proporção atual.

Com o escritório do Zé Turco, além dos negócios, o local virou ponto de encontro. Todos passavam por lá, mais para bater papo que procurar negócios. Certo dia, eu estava lá, com o Carminho Giudicci, Euchário Holtz, Helio Vieira, Zé Turco... havia mais algumas pessoas, não me lembro quem, mas os principais personagens estão aí...

A conversa estava animada. Falávamos a respeito de viagens. Helio Vieira, ao que parecia, era o mais viajado...

Em determinado momento, o Carminho perguntou ao Helio Vieira se ele já havia viajado para o exterior. Sua resposta foi retumbante:

- Eu já dei a volta ao mundo daqui pra lá e de lá para cá! – respondeu, ao mesmo tempo em que desenhava com os dedos, no ar, um giro da direita para a esquerda e outro da esquerda para a direita circundando um globo imaginário, tentando representar com isto as suas viagens em torno do planeta. E completou:

- A primeira vez que fui ao exterior foi na Segunda Guerra Mundial, quando era cozinheiro da FEB! Estive na Itália!

Helio mostrou intimidade com o planeta Terra, desenhando um globo imaginário no ar...

A partir daí a conversa girou em torno de viagens de avião. Euchário Holtz disse que não pretendia voar porque temia que lhe desse um troço lá em cima e não tivesse tempo de ser socorrido. Tomando por base as situações delicadas que passou em algumas de suas viagens de ônibus dava até para lhe dar alguma razão.

Mas Euchário não tinha medo de voar. Certa vez, o deputado Toniquinho Pereira veio até a cidade de Tietê com seu monomotor e alguns tatuianos foram prestigiá-lo. Nessa ocasião, Toniquinho levou para um passeio, juntos, seus amigos Euchário Holtz e o Dr.Armando Petinelli. Os dois tinham corpos avantajados. Não tanto na altura, mas no diâmetro da cintura.

O passeio transcorreu sem problemas, com exceção da dificuldade que o avião teve para levantar vôo com os dois passageiros encaixados no banco traseiro do aparelho.

Euchário e Dr. Armando voaram em um pequeno Paulistinha!

Euchário contou que sentia um misto de medo e de curiosidade em voar. O pequeno avião roncou e começou a ganhar velocidade no aeroporto de Tietê. A sensação que dava é que o aparelho já estava voando. Então Euchário olhou pela janela, para olhar as coisas de cima, mas o que conseguiu ver foi apenas poeira, muita poeira.

Toniquinho Pereira, preocupado que o avião não levantava vôo, perguntou ao piloto o que acontecia. Este respondeu com um gesto, apontando para o banco onde estavam os dois passageiros convidados, dizendo:

- O peso está excessivo!!!

Toniquinho, homem experiente, disse em seguida:

- Se a pista não der, entre por aquela estradinha! - apontando para uma pequena estrada que iniciava no final da pista do aeroporto de Tietê.

Mas não precisou. O avião conseguiu levantar vôo, mesmo com aquela carga. Fizeram um vôo pela região, vindo até sobrevoar Tatuí. Em pouco tempo aterrisaram e – Ufa! – estavam de volta sãos e salvos!

Helio aproveitou o assunto e contou um caso que ocorrera com ele pouco tempo antes...

- Fui fechar um negócio em Cuiabá. Negócio de milhões! – enfatizou.

- Fomos no jatinho do cliente. Sobrevoamos diversas áreas até que ele resolveu comprar uma fazenda de 3 mil alqueires. Pertinho de Cuiabá. Terra de primeira! – explicou.

Helio deu inúmeros detalhes do negócio, do vendedor, do comprador, das terras e de tudo mais. Só que eu não consegui reter nada daquilo. Era muita informação de uma só vez. Mas explicou que o cliente ainda ficaria uns dias em Mato Grosso e ele tinha pressa de retornar. Não tinha mais o que fazer por lá. O dinheiro – uma importância significativa, segundo Helio – já estava em sua conta. Resolveu voltar em um avião de carreira.

- Peguei um Boeing e voei para São Paulo! – contou.

Aqui começou o caso que Helio nos contou nessa ocasião:

- Depois de algum tempo de vôo, já estava cochilando, percebi um corre-corre das aeromoças, todas elas com fisionomia carregada, preocupadas! Perguntei para uma delas o que estava acontecendo e ela respondeu:

- O piloto teve um enfarte!

- Que coisa! E o co-piloto? – perguntou Helio.

- Não veio! – respondeu a aeromoça quase em prantos.

Uma outra aeromoça perguntou aos passageiros, pelo sistema de som do avião, se havia lá algum piloto.

Ninguém! O pânico começou a espalhar pelo avião.

- Moça! – disse Helio. Eu já pilotei o Cessna Skyhawk!

Helio já havia pilotado um Cessna... "pouco" diferente de um Boeing!

Imediatamente a aeromoça, sem outra opção, conduziu Helio à cabine. Lá o piloto estava quase inconsciente, com muitas dores no peito. Helio tranqüilizou o pobre homem:

- Comandante, vou dar um jeito na situação! – disse, no mesmo tempo em que ocupava o lugar do piloto, enquanto a aeromoça prestava os primeiros socorros ao enfartado.

Todos nós, surpresos, ouvíamos em silêncio e com os olhos arregalados!

Nesse momento olhei para as pessoas que ali estavam. Percebi que todos estavam ouvindo com atenção, com os olhos arregalados... ninguém imaginava que um avião da Vasp pudesse levantar vôo sem o co-piloto. Helio, em tom professoral, continuava explicando a situação aos ouvintes. Disse que colocou os fones e passou a conversar com a torre de controle de Viracopos, que fora acionada, com muita dificuldade, pelo piloto.

- Por favor, diga sua posição! – perguntou o controlador.

- Eu não sei voar por instrumentos! – respondeu Helio ao controlador que o acompanhava pelo radio. – Só sei voar “no visual”! – completou.

Aqueles instrumentos eram desconhecidos ao Helio e ele preferiu orientar-se visualmente!

- Então procure uma referência em terra! – continuou o controlador.

Helio disse que baixou o avião a uma distância em que conseguia identificar os pontos no solo. Fez uma curva bem fechada, inclinando bastante o avião sobre uma cidade, observando pela janela os detalhes geográficos:

- Estamos sobrevoando Andradina! – informou.

- Então tome rumo norte e siga até Uberaba! – disse o controlador.

Helio continuou a pilotar o Boeing até Uberaba, sempre mantendo uma distância relativamente pequena do solo para observar estradas, rios, cidades e outros detalhes.

Chegou a Uberaba. Alinhou o avião na pista e colocou no piloto automático. Precisou corrigir uma ou duas vezes e o avião praticamente aterrisou sozinho. Oh, tecnologia!

Acionou os freios e o monstruoso avião foi reduzindo sua velocidade até parar completamente. Nesse momento, Helio retirou os fones e falou para o piloto:

- Comandante! Já estamos em terra!

- Quando saí da cabine, fui aplaudido por todos os passageiros! - continuou Helio. Até hoje alguns deles ainda me mandam presentes no Natal! - completou.

Deve ter sido o maior arregalamento de pupilas já ocorrido em Tatuí!

Todos nós escutamos essa narrativa em silêncio. Ninguém fez um comentário sequer. Olhei para o Euchário... ele estava com a boca semi-aberta, olhar parado e com as pupilas arregaladas. Olhei para o Carminho... seus olhos estavam enormes, do tamanho de uma xícara tamanho médio, e as pupilas arregaladas.

Olhei para o Zé Turco, ele estava pasmado. Suas pupilas por trás das grossas lentes de seus óculos pareciam dois buracos negros. Os outros que ali estavam, com olhar pasmado e as pupilas arregaladas, mantinham-se em silêncio também.

Euchário levantou-se e disse:

- Vocês me perdoem, mas tenho um compromisso! – e saiu rapidamente do local. Sem dizer uma só palavra a respeito do caso narrado pelo Helio.

O Carminho me convidou para ir embora. Levantei e saímos. Ficaram lá o Zé Turco e o Helio Vieira. Sem conversar.

Esse foi o maior arregalamento de pupilas já se teve notícia em Tatuí. Sem mais comentários!

Um comentário:

J.Falcon disse...

Muito legal seu Blog!

O que chamou minha atenção para este site, foi a foto do "Paulistinha" PT-HRE a qual eu tirei em Amarais (SDAM), Campinas, antes de fazer o check externo e preparar para o voo. Voei muito este pequeno avião (e ainda voo). Caso seja de seu interesse, pode ver como é por dentro desta pequena e eficaz aeronave através de um link em meu Blog (http//jetfalcao.blogspot.com/), na coluna à direita.
Mais uma vez parabéns pela excelente história.

J. Falcão