domingo, setembro 30, 2007

69) Último Tango em Tatuí

As escolas tatuianas nos anos 50 e 60 eram diferentes de hoje em diversos aspectos. Muita coisa mudou. Principalmente a disciplina em sala de aula. Isso não significa que só existiam anjinhos. Nada disso. A bagunça sempre existiu nas escolas. Mas existiam limites e estes eram respeitados.

No "Grupinho", no "Grupão" ou na "Escola Modelo", os alunos eram mais disciplinados que hoje!

Mas a vida escolar não tinha somente momentos de alegria. Não existia a tal “progressão continuada” e, sendo assim, só passava de ano quem realmente merecia.

Hoje, para maquiar índices estatísticos, as escolas contam com um sistema que aprova qualquer um, criando uma legião de analfabetos funcionais, pessoas que sabem ler, mas não conseguem compreender o que lêem.

Havia também, como hoje, cuidado com a saúde dos estudantes desde o “jardim da infância”, curso primário, ginásio até os últimos anos dos cursos científico, normal ou clássico, o atual ensino médio devidamente separado por áreas do conhecimento. Nessa época quem comandava o setor de saúde em Tatuí era o Dr. Jarbas Veiga de Barros.

Dr. Jarbas foi médico da Santa Casa, da saúde pública, professor no “Barão de Suruí”, vereador e presidente da Câmara Municipal. Além disso, era o terror da criançada. O homem era bravo, muito bravo e tinha lá o seu método de examinar a criançada que deixava todos em pânico.

Medo geral da criançada!

- Dr. Jarbas está aqui! – pronto, era o que bastava. Com essa frase a criançada começava a chorar, uns ficavam com “dor de barriga” e queriam ir embora, outros se escondiam em qualquer canto.

Mas não adiantava. Logo estavam todos em fila e o Dr. Jarbas, com o cabo de uma colher esterilizada em um copo com álcool, examinava todo mundo. Em pouco tempo o copo com álcool aumentava de volume, com a saliva e a “baba” da criançada... Éca!

O copo com álcool ia aumentando de volume com a saliva da criançada!

“Ahhh!” – esse era o som mais ouvido. Seguido do “Aiiiiiiiiii!”, que acontecia quanto Dr. Jarbas encontrava um dente podre e arrancava com o cabo da colher. Apesar dos métodos rudimentares, os estudantes de Tatuí eram examinados, encaminhados para tratamento e curados, quando necessário.

Ele sempre defendia aquilo que acreditava. Como torcedor fanático do time de futebol do XI de Agosto, bicampeão amador na década de 50, Dr. Jarbas vestia-se de vermelho, para demonstrar sua predileção pelo time da “égua vermelha”. Na política, sua firmeza de posição lhe valeu uma agressão que se comenta até hoje...

Mas, além de médico e torcedor do XI de Agosto, ele era um exímio dançarino de tango. Eu tive o prazer de constatar isso. Em uma noite, eu estava no Alvorada Club, pouco tempo depois de sua inauguração. Aquela noite não tinha nada de especial.

Mas o inesperado aconteceu. Em certo momento apareceu Dr. Jarbas, trajando um elegante smoking preto, acompanhado de sua esposa Carlota, que vestia um estonteante vestido vermelho.

Dr. Jarbas e Carlota eram exímios dançarinos de tango.

Esse vestido tinha um corte lateral, que permitia maior facilidade de movimentos à dançarina, ao mesmo tempo em que deixava à mostra parte de suas pernas, devidamente cobertas por meias pretas.

Trouxeram um LP com alguns tangos. Em pouco tempo a vitrola enchia o ambiente com a voz de Gardel. As pessoas que lá estavam abriram um espaço para o casal fazer suas coreografias e, em silêncio, admiravam o casal de dançarinos.

Dr. Jarbas e Carlota dançando tango. Uma cena inesquecível.

Mais uma vez eu fiquei de boca aberta por causa do Dr. Jarbas, mas desta vez o motivo foi bastante diferente. Não só eu, pois o casal dançou durante alguns minutos, deixando calados e boquiabertos todos que ali estavam. Ninguém dançava tango como eles. Perfeitos!

Último tango em Tatuí. Quem assistiu nunca esquecerá!

Infelizmente, pouco tempo depois, Dr. Jarbas faleceu. Muitos outros médicos surgiram na cidade. Poucas pessoas ainda torcem pelo XI de Agosto. Ninguém dançou como este último tango em Tatuí.

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa noite! Parabenizo-te pelo excelente texto! Lendo-o voltaram as lembranças de um passado distante mas, inesquecível.
Abraços

Maria do Carmo