quinta-feira, janeiro 26, 2006

19) O terrível Tomaizinho das velhas

Tomaizinho foi meu tio-avô. Conversei muito pouco com ele, ou melhor, travávamos apenas um só diálogo desde o casamento de minha tia Neide, em 1960. Nesse casamento, como costuma acontecer, teve lá uns comes e bebes que ele não deixou passar em branco. A festa foi na casa de meu avô Ernestino, ali na esquina da praça do Barão.

Eu estava com meu pai no quintal da casa e encontramos com o Tomaizinho, que foi mexendo com meu pai, dizendo:

- Ô Antoninho das moças!

Não sei o porquê dessa alusão e meu pai nem mesmo ligou, pois o Tomaizinho estava já um tanto alegre. Mas eu, com meus 8 anos de idade, achei ruim! Respondi imediatamente:

- Ô Tomaizinho das velhas!

Ah, se eu soubesse não iria responder assim. Ao invés de ficar aborrecido, ele riu bastante e, desde esse dia, em todas as vezes que o encontrei, ele dizia para mim:

- Antoninho das moças!

Ao que eu respondia:

-Tomaizinho das velhas!

Só isso! E durante cerca de dez anos, até ele falecer, só conversamos isso: “Antoninho das moças” e “Tomaizinho das velhas”.

É muito pouco para uma pessoa que tinha milhares de histórias para contar e, sendo ele mesmo protagonista de situações incríveis.

Tomaizinho era terrível! Para perturbar minha tia Adalgisa, carola, ele dizia que queria ir para o inferno.

O céu, para Tomaizinho, era monótono, com rezas o dia todo

Achava que lá sim deveria ser um lugar gostoso, animado, ao contrário do céu, que na avaliação dele era horrível, cheio de pessoas rezando e com cara ‘comprida’.

No inferno, de acordo com suas suposições, seria uma farra total. Bailes, mulheres, cerveja a vontade, músicas animadas, alegria, risos. Era pra lá que queria ir!

O inferno, segundo Tomaizinho, era festa e bebedeira toda hora

Mas enquanto esteve na Terra, aproveitou como pode... e, quando era Carnaval ele ficava todo assanhado.

Um certo Carnaval vestiu uma fantasia de Dominó e saiu pelas ruas da cidade, para fazer tudo que não dava para fazer com a cara descoberta.

Tomou algumas cervejas geladas, devidamente regadas a “quebra-gelo”, juntou-se a um outro maluco, colocou a fantasia e foi às ruas.

Só que ele mexia com as pessoas e todos falavam:

-Eh Tomaizinho!

Não conseguia ficar incógnito. Mas ele logo percebeu a razão disto.

A máscara cobria toda sua cabeça, na parte da frente descia até seu tórax, mas a parte inferior era um tanto curta. Seu pescoço ficava à mostra.

E que pescoço!

Tomaizinho tinha um pescoço gordo, inconfundível. A máscara ficou curta atrás e deixava aparecer essa parte do corpo. Todos reconheciam imediatamente.
Ele ficou irritadíssimo e exclamou:

- Mardito pescoço!

Mas mesmo assim continuou a andar com a fantasia. Mexia com um, que logo o reconhecia, e repetia:

- Mardito pescoço!

E assim foi durante o dia todo.

Esta outra passagem foi contada pelo Cícero, um de seus filhos:

As compras da tipografia, da livraria e da loja dele eram feitas em São Paulo. Ele, pessoalmente, costumava ir para comprar. Ia, por exemplo, numa terça-feira, saia de madrugada de Tatuí, tomava um trem e logo estava na capital. Passava o resto desse dia, o dia seguinte, quarta-feira e retornava no outro dia, quinta-feira.

As compras eram acompanhadas por festas! Restaurantes, bares, teatros, shows, etc. e tal. Ele podia, tinha dinheiro.

Para ir até a Estação Ferroviária, fazia seu filho levá-lo em seu Ford Prefect. E buscar também. O prazer de Tomaizinho era dizer aos motoristas de carro praça, quando lhes ofereciam o carro:

- Não preciso, eu tenho o meu!

Foto do Ford Prefect

Hoje o carro de praça é chamado de táxi.

Certo dia, Cícero estava indo para a estação, no horário da chegada do trem de São Paulo, para buscar seu pai.

No caminho encontrou com o Dante soldado, policial antigo de Tatuí, que ia apressado para a mesma direção que ele. Parou o carro e perguntou ao Dante:

-Onde vai?

- Estou indo até a Estação - respondeu Dante.

Foto da Estação Ferroviária

- Entre aqui! Eu também estou indo para lá - convidou Cícero.

Dante aceitou, pois estava um tanto atrasado. Naquele tempo a polícia não tinha viaturas como atualmente. E quando tinha, sempre estava com o delegado ou outro superior. Nunca para os policiais. Bem, se a polícia não tinha veículos, os bandidos muito menos. A violência era muito menor. As coisas resolviam-se com facilidade.

Cícero perguntou ao Dante o que ia fazer na Estação e ele respondeu:

- Estou indo até a Estação. Telegrafaram do trem que um arruaceiro que está fazendo das maiores no trem! Vou prendê-lo – disse Dante.

- E você, que vai fazer na Estação? – perguntou Dante ao Cícero.

Vou indo buscar meu pai.

Mas as coincidências sempre acontecem. Quando o trem chegou, perceberam que esperavam o mesmo passageiro. Era o Tomaizinho que tinha exagerado nas cervejas e ficou aborrecido com o fato do Carro Restaurante ter seguido pela linha tronco e durante a viagem de Iperó a Tatuí teve que ficar em um vagão comum. Fez o maior auê no trem!

Ele queria continuar no carro restaurante. É interessante lembrar que os trens vinham com o Carro Restaurante até Iperó, onde havia baldeação para o Ramal de Itararé (Iperó a Itararé). Como o carro restaurante sempre seguia pela linha tronco, e quem vinha para estes lados não tinha onde se alimentar (a não ser com os inúmeros vendedores que entravam nos trens, oferecendo pão com mortadela e biscoitos de polvilho), o trecho ficou conhecido com “Ramal da Fome”, pois quem viajava por aqui não tinha restaurante. Deu tanto azar esse apelido, que a região é a mais pobre do Estado de São Paulo.

Mas voltando aos nossos amigos.

Quando Cícero viu que seu pai era o arruaceiro, preocupou-se.

O Dante já ficou chateado. Imagine, como ele iria prender o Tomaizinho? O homem era importante na sociedade. Prendê-lo seria pedir para ser transferido para as barrancas do rio Paraná.

Resolveram facilmente.
Foto do prédio da Cadeia de Tatuí

Tomaizinho, Cícero e Dante entraram no Prefect, devidamente carregado com as compras feitas em São Paulo, e logo vieram para a cidade.

Todos assistiram o arruaceiro sair com a polícia.

Foram até a casa de Tomaizinho. O Dante ajudou a desembarcar as compras que estavam no carro, tomou um cafezinho, despediu-se e foi embora. Ele não era louco! Imagine... prender Tomaizinho!!!! Eu, hein!!!

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