domingo, janeiro 22, 2006

18) Juro e Capitár

Não conheci nenhum de meus bisavos. Pouca gente conhece esses seus parentes, como foi meu caso. O protagonista deste causo é o Joaquim dos Santos Silveira, pai de meu avô Ernestino. Quem me contou esta passagem foi o Chico Bento, morador antigo do bairro Jurumirim, homônimo do personagem de Maurício de Souza e que conheceu Joaquim dos Santos.

Joaquim dos Santos tinha audição seletiva. Audição seletiva? Que seria isto?

Bem, alguns achavam que o Joaquim dos Santos era surdo, pois parecia nada escutar. Entretanto, o tal era, na verdade, esperto, pois quando minha bisavó lhe pedia:

- Joaquim, vai buscar água no poço!

Ele logo dizia:

- Não estou escutando nada...!!! e ia saindo de fininho.

Mas se a conversa versasse sobre dinheiro, ele escutava tudo e ainda dava suas opiniões. Também, quando outras coisas o interessassem, certamente escutaria tudo, com todos os detalhes mais importantes.

Na verdade, Joaquim dos Santos, “elegia” aquilo que desejava escutar, selecionando dentre os assuntos que alguém conversasse. Então, sua audição pode ser descrita como seletiva ou eletiva: só participava de conversas que fossem do interesse dele.

Se pensarmos direito, dá para perceber que a maior parte do que se fala bem que poderia ter sido omitido, valorizando o silêncio. Não só o que é falado como o que é escrito... É um grande absurdo a quantidade de palavras que se repetem em cada texto para dar sentido a uma só expressão, a um só assunto...

O sítio onde vivia Joaquim dos Santos ficava perto da Fazenda do Paiol. Não sei quanto tinha “de chão”, mas sei que não era pequeno. A maior parte ficava no bairro Pederneiras. Começava nas Pederneiras e ia até o município de Itapetininga, mas tinha uma parte na Enxovia, que era o local preferido dele para plantar. Hoje teria o rótulo de “fazenda”, pois resolveram distinguir sítio de fazenda apenas pelo tamanho da área. E qual era a distinção dessa época? Não era o tamanho, pois havia muitos sítios com maior área que algumas fazendas.

A distinção entre sítio e fazenda era feita devido ao controle que se dava para cada um dessas denominações. Enquanto que o sítio era algo tratado quase que sem planejamento, condicionado ao tempo, ao “Deus dará”, a fazenda tinha planejamento e controle.

A propriedade de Joaquim dos Santos era tratada com carinho, mas não tinha o controle necessário para classificá-la como fazenda. Produzia, no entanto, para o consumo e para vender o excedente. Tanto que, aos domingos, não se ordenhava com fins comerciais.

Todos os domingos, logo bem cedinho, os vizinhos menos favorecidos iam ao sítio de meu bisavô para ordenhar as vacas e levar para casa o leite. Era o prazer de minha bisavó Maria Rita, ver aquelas pessoas conversando, rindo e tomando todo leite que conseguiam ordenhar.

Mesmo deixando de vender o leite dos domingos, o resultado do trabalho do sítio permitia que meu bisavô tivesse algum dinheiro guardado. Aproveitava e sempre tinha um dinheirinho emprestado a juros. Gostava de ganhar um “jurinho”. Destaquei essa palavra pois em nada se parece com o que se cobra atualmente. As taxas de juros iam de 1% a, quando muito, 1,5%. Um agiota cobrava cerca de 3%!!!

Era morador antigo da região, bastante conhecido e, com isto, ele tinha inúmeros afilhados. Certo dia, um afilhado de batismo veio convidá-lo para ser, agora, seu padrinho de casamento. Acontece que este rapaz havia tomado um dinheiro emprestado de meu bisavô e estava um pouco atrasado com o pagamento dos juros.

Ele veio, conversou com minha bisavó e logo em seguida foi falar com nhô Joaquim:

- Padrinho, eu vou casar daqui uns dias e vim convidá mecê pra ser meu padrinho de casamento!

Joaquim, com sua audição eletiva, foi logo falando:

- Ah, pague só o capitár... Não precisa pagá ‘o juro’!

O rapaz logo foi corrigindo:

Nhô Joaquim, eu vim convidá mecê pra ser padrinho de casamento! Mecê não entendeu direito!

- Não, num precisa pagá ‘o juro’... pague só o capitár mesmo!

Minha bisavó correu para ajudar o afilhado em seu diálogo, tentando explicar direito para o marido o que o rapaz queria.

- Joaquim, não é isso que ele veio conversar!

Mas não adiantou. Meu bisavô ficou bravo e disse:

- Se eu tou falando que não quero receber ‘o juro’, é porque não quero mesmo!

Não houve entendimento. Ele fixou-se na história dos juros e do capital e não conversou mais. O rapaz teve que procurar outro padrinho. Em todo caso, não teve as despesas de apadrinhar o casamento e, pouco tempo depois, acabou recebendo seu capitár.

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