Mas era assim que Ernestino falava quando ia “negociar” (entenda-se trocar coisas). Ele sempre tinha uma bicicleta ou uma máquina de costura pra trocar por qualquer outro objeto, desde que o “freguês” voltasse alguma importância em dinheiro. Sem “vórta”, sem negócio.

As transações comerciais do Ernestino podem até parecer um contra-senso para alguém não-iniciado nas artes da breganha. Para quem é do ramo isso é coisa comum. Trocar, por exemplo, uma Leonette sem motor por uma máquina de costura e uns carretéis de linha é algo absurdo?

E um tratorzinho de horta, daqueles que tinham uma alavanca no lugar da direção para ser trocado por um casebre na vila São Cristóvão, cujo acesso só era possível por meio de uma pinguela? Adquiriu o trator em troca de uma carroça sem cavalo.
A coisa era sempre assim. Em sua garagem sempre tinha uma bicicleta “reformada” com tinta prateada no guidão e nos aros. E uma plaquinha: Vende-se.
Um dia ele estava com quatro carros no quintal de sua casa (isto foi em 1979): um Fusca 1200 verde com assoalho esburacado, um Opala 69, 4 portas, com a embreagem estragada, um DKW sedan sem partida e um Corcel 68 com a lataria esburacada. A respeito desse carro já contei em um caso anterior. Meu avô consertou os buracos da lataria do Corcel com papelão e massa plástica. Estes carros eram para negociar. Além destes tinha um Fusca 1300 de seu uso particular. Esse não vendia.
Em 1962 comprou um Renault Dauphine novo. Ficou com o carro uns 15 anos. Quando foi vender o carro, estava tão usado que não tinha mais velocímetro... usava um calendário!! kkk!! Era um carro preto, muito bonito enquanto novo. Ernestino judiava do carro. Carregava um pouco de tudo. Dentro, fora... chegava a ficar amarrado dentro do carro quando carregava vigas e caibros para uma construção que fez.
Mas quando resolveu vender, quis caprichar no visual do carro. Para deixar brilhando, depois de lavar passou uma mão de óleo Singer. Brilhou uns 30 minutos, até ficar coberto do pó que grudava no óleo.

Perguntei como ele fazia tantas trocas. Se ele ganhava ou se perdia. Claro que ganhava, apesar de, em uma ocasião, ter comprado um canário de um cigano que “descorou” na primeira chuva. Era um passarinho qualquer.
Contou então que certo dia fez um negócio com o seu Isaac, um judeu que tinha uma loja onde é hoje o Unibanco. Saiu de lá com um rádio antigo.

- Era um rádio daqueles estrangeiros. Só pegava o estrangeiro também! – contou.
- O danado rádio só fazia fuiimmm giiiiiaaaammmmm zimmmm... e pegava a BBC, a Voice of America, a Rádio de Moscou... mas do Brasil nem a ZYL-5, a Rádio Difusora de Tatuí! – rematou.

Depois de oferecer para algumas pessoas, encontrou alguém que trocou o rádio velho por uma sanfona. Essa sanfona ele ofereceu para mim e para o Marquinhos Fiúza (Birdinho):
- Vocês compram a sanfona e montam uma orquestra pra tocar em bailes! – argumentou.

Mas logo achou alguém que se interessava na sanfona. Desta vez a troca era por um Renault Gordini (40 HP de emoção!). Conversaram e acertaram o negócio. Foram para Porangaba, em um sítio onde estava o tal Gordini.
- A mulher do dono do Gordini já foi com a sanfona no colo! – disse Ernestino.

- Só estranhei uma coisa! - disse vovô. - Quando foram pegar o carro para trazer até Tatuí, em vez de manobrar logo ali na frente, o motorista deu uma volta longa e virou bem adiante! – Pois não é que faltava a marcha ré?!?! Só vi isso já em Tatuí, quando fui guardar o carro em casa!
Teve de mandar consertar o câmbio do Gordini. Mesmo assim, depois de pouco tempo vendeu o carro. Não foi troca, foi venda. O comprador deu uma entrada que praticamente pagou o custo do carro e ainda 24 Notas Promissórias que equivaliam, cada uma delas, ao valor do rádio do Isaac, ponto inicial dessa breganha. Ah! Tenho que destacar: Não interessava o objeto da troca, mas sim o dinheiro da "vórta"!!! Todas as breganhas tinha de ter a tal "vórta" em dinheiro!