sábado, janeiro 27, 2007

64) Jandira e o brejo

Estava chovendinho... Só garoandinho, mas como o lugar estava lotado, ficamos conversandinho na porta.

Esse diálogo só poderia ter acontecido em Tatuí. O vocabulário tatuiano tem algumas particularidades: o diminutivo é uma constante em conversas informais. Quando alguém chega pela primeira vez na cidade pode precisar de um intérprete.

Um dia perguntei a uma pessoa a respeito de seu filho, que estava doente. A resposta?

- Tadinho, ficou na Santa Casa, internadinho!

Às vezes me pergunto como seria o caso se tivesse ficado internadão!!!

E tem um verbo criado em Tatuí: o verbo “chavear”, na realidade uma movimentação do substantivo “chave”: - “Chaveie a porta!” ou o primor: - “Chaveie a chaveadura!”

Mas o caso não é sobre o vocabulário tatuiano. Isto foi lembrado porque a personagem central do caso que irei contar, quando veio morar em Tatuí, mais de 40 anos atrás, quase precisou de intérprete para compreender as expressões comuns da cidade.

- Óóó, Iara! A galanteza da sua filha já ta dormindinho?

Dona Iara veio morar com seu esposo, Amauri, na Fazenda Colina. Logo ali depois do bairro do Isolamento. O lugar era lindo, muito bem organizado e cuidado com carinho.

Havia uma bela piscina de água corrente, alimentada por um ribeirão que nascia ali mesmo na fazenda. Nessa ocasião, piscina era uma raridade. Essa era muito boa, com uns 15 metros de comprimento, uns 5 de largura e 3 metros de profundidade. Maravilhosa!

Claro que sempre apareciam visitas tentando aproveitar a piscina. Isso, para dona Iara, era sempre um prazer, desde que fossem seus convidados. Detestava penetras!

Certo dia, quando se preparava para entrar na piscina com sua filha, surgiu um ônibus lotado. Desceu um pessoal ruidoso que foi logo se encaminhado para a piscina. Era um time de futebol feminino – coisa rara na ocasião -, que, depois de jogar uma partida, estava ali para aproveitar a piscina. O time era acompanhado por namorados, fãs, curiosos, etc. Todos interessados na piscina.


Sem qualquer aviso, apareceu um ônibus cheio de visitas querendo nadar

Claro que dona Iara não quis deixar. Mas as pessoas argumentaram que seu esposo havia autorizado. Enquanto isso alguns já iam pulando na piscina. As jogadoras, suadas, não tomaram banho. Foram pulando direto para a piscina. Em instantes, o ônibus inteiro nadava ali, deixando a água toda encardida.

Aquilo era demais para dona Iara agüentar sem qualquer reação. Chamou o caseiro e foram fechar a alimentação da piscina. Havia uma pequena barragem com a canalização direcionada para a piscina. Com auxílio do caseiro, fechou o registro que mandava água para a piscina.

Sem entrar água, a piscina começou a baixar. O sistema de água corrente precisava de entrada de água, pois a saída era constante. Tinha que ter equilíbrio entre entrada e saída de água para manter a piscina no nível.

Cessando a entrada da água, o nível foi baixando. As “visitas” nadando, quase não perceberam que água baixava. Ou se perceberam, não ligaram.

Dona Iara ficou em sua casa, aguardando os acontecimentos. De repente a gritaria aumentou. Só que agora os gritos eram aterrorizados.

“Que terá acontecido?” – indagou-se preocupada dona Iara. Correu até a piscina, pois temia que alguém tivesse se afogado.

Mas não foi isso.... a água foi baixando com rapidez e só restava um pouco d'água no fundo. O que aconteceu é que, com seus 3 metros de profundidade, era impossível sair da piscina. Algumas das moças gritavam desesperadas.

Pra sair da piscina foi preciso uma escada

Bem, foi preciso arrumar uma escada para que as “visitas” pudessem sair da piscina. Deu certo a estratégia... foram todos embora!

Em outra ocasião, dona Iara estava descansando na casa, quando apareceu o caseiro, nervoso e afobado:

- Cadê o doutor Amauri? A Jandira atolou!!!

- O que aconteceu? – perguntou dona Iara.

- Foi a Jandira que desceu e atolou no brejo. Tá afundando. Preciso do doutor Amauri!

- Meu Deus! Será que a mulher do caseiro caiu???

Iara pegou o telefone e ligou para seu esposo. O caseiro explicou, cada vez mais nervoso, o problema do atolamento da Jandira.

Em poucos minutos o Amauri chegou e foi com o caseiro lá no lugar indicado por ele.

Demoraram mais de duas horas pra retornar. Dona Iara nem sabia mais o que pensar... achava que a mulher havia morrido.

- Devem estar chamando a polícia” – considerou.

Depois de uma longa espera, surgiu o Amauri, todo sujo de barro.

- Que aconteceu com a mulher? – perguntou preocupadíssima, dona Iara.

- Que mulher? – estranhou Amauri.

- A que atolou. A Jandira! – respondeu Iara.

- Que Jandira o quê! Quem atolou foi o trator John Deere que entrou no brejo!!!


Trator John Deere


Que confusão! O nome em inglês "John Deere" com o sotaque tatuiano do caseiro transformou-se em Jandira... e foi para o brejo! Isso, claro, só acontece em Tatuí.

Um comentário:

Unknown disse...

Excepcional, Fran! Manda mais...e parabéns pelo blog!