quarta-feira, dezembro 20, 2006

62) O barbeiro da Elite Tatuiana

João José foi um barbeiro refinado. Sua barbearia ficava no Clube Recreativo e dava a impressão que sempre estava fechada. Mas não estava. Era sua estratégia, pois João José fechava a porta da barbearia para não ter de atender qualquer um.

João José só cortava o cabelo de doutores.

A barbearia estava aberta 24 horas por dia, mas apenas para o Dr. Adriano, Dr. Simeão, Dr. Faria e todos os outros antigos doutores de Tatuí na ocasião... Ele não fazia a barba de qualquer pessoa. Era realmente um barbeiro de elite.

Depois que acabou o Clube Recreativo, João José mudou sua barbearia ali na Rua Santa Cruz, em frente ao Bar do Zeca (hoje Açougue Pops).

Mudou de lugar, mas não mudou de convicção.

Não trabalhava para qualquer pessoa e mantinha-se solteiro, invicto.

Sua casa, no entanto, costumava ser local de reuniões, almoços e jantares. Neste caso, não precisava ser necessariamente uma reunião de doutores - imagine só se algum deles iria naquela farra -, mas eram os seus amigos de boemia que sempre estavam por lá.

Um dia apareceram o Zinho e o Geladeira, dois de seus amigos mais chegados, com um belo cabrito:

- Achamos esse cabrito solto na rua e trouxemos pra assar! – disse o Zinho.

João José na mesma hora começou a censurar:



- Mas o que é isso! – disse João com sua fala mansa. – Como é que vocês pegaram o cabritinho... E se for de uma criancinha? Ela pode estar chorando!!! – continuou.

- Isso não é coisa que se faça! - completou.

Poucas coisas entusiasmavam tanto João José quanto um cabrito assado

A argumentação do João José acabou convencendo ao Zinho e o Geladeira, que resolveram levar de volta o cabrito ao local onde o encontraram. Colocaram o cabrito no carro e já estavam quase saindo.

O João José, apesar da argumentação, adorava um cabrito assado. Quando ele viu que eles estavam dispostos a devolver o cabrito, disse:

- Espera um pouco! Que passe desta vez por malvadeza! Vamos comer o cabrito! – determinou João José, arrancando risos de todos.

Ele era solteirão invicto quanto ao casamento, mas vivia com enrolação do tipo “tico-tico no fubá”!

Certa vez, arrumou uma jovem chamada Jane para morar com ele. Ela ficou lá algum tempo... sei lá, talvez mais de um ano. Pouco tempo depois que romperam, ela foi ao médico, pois não se sentia bem.

O médico pediu uma série de exames e concluiu que ela estava com a doença de Chagas.

- A senhora tem uma doença infecciosa causada por um protozoário parasita chamado Trypanosoma cruzi!

-Ãn??? Tripa-no-quê? – Jane perguntou assustada ao médico.

O médico, para simplificar, disse que ela estava com a Doença de Chagas.

- Ai, doutor, mas como eu fui ficar com essa doença? – perguntou Jane.

A doença de Chagas é transmitida pelo barbeiro

O médico, então, explicou a forma de transmissão da doença de maneira simplificada, pois percebeu que ela não ia entender uma linguagem mais técnica:

- Acontece que a senhora foi contaminada por um barbeiro! – disse o médico.

Pronto. Ela começou a pensar, considerar, remoer e nem prestou atenção ao restante das explicações. Logo que saiu do médico foi até a barbearia do João José e armou um barraco até hoje lembrado pelas pessoas que assistiram:

- Seu sem vergonha! Tava doente e não me avisou!!! – gritou a Jane.

João José não estava entendendo nada daquilo e quis argumentar, dizendo que não se encontrava doente, mas a mulher não parava de gritar:

- Não adianta negar! É uma doença mortal e o médico disse que eu fui contaminada pelo barbeiro! Claro que ele sabe quem é você. Você só atende doutor!!! – continuou a xingar.

Isso só acontece em Tatuí, é claro!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

61) Papai Noel em Tatuí

É quase Natal. O centro da cidade está movimentado o dia todo. Lojas cheias de clientes e de “papais noéis”... No ano passado, lá no Coop, vi um "papai noel" tão magro que fiquei com dó e lhe paguei uma coxinha...

Os comerciantes adoram esta época! É nesta ocasião que muita gente compra coisas que foi protelando o ano todo. Em dezembro o 13º salário (mesmo que só pela metade neste ano) dá uma reforçada nas finanças e vamos gastar!!!

Para as crianças, então, estes são uns dias mágicos... é a ocasião de receber presentes trazidos pelo Papai Noel. Muita coisa tem mudado nos últimos anos, mas essa tradição tem sido perpetuada, menos pelo seu sentido religioso e mais pelo comercial.

Os presentes eram trazidos por Noel

Nos anos 50 e 60 já era mais ou menos assim. Lembro-me dos natais de minha infância. Parecia que a atmosfera mudava. Havia algo diferente no ar. O centro de encontros em Tatuí era a Praça da Matriz. Não tão movimentada quanto hoje, claro.

As lojas eram poucas, hoje há brinquedos em qualquer lugar e as crianças ganham brinquedos em qualquer ocasião. Antigamente era apenas no Natal e no aniversário... e olha lá!!!

Naquele tempo já existia a Casa dos Presentes. Era pequena ainda, mas era a referência do Natal e, por isso, enchia-se de brinquedos. Nem cabia tudo por lá... o Jonas e o seu Mário, no final dos anos 50, chegaram a alugar outros pontos para colocar os brinquedos. Eu achava que os dois irmãos eram uma espécie de ajudantes do bom velhinho... eram irmãos, mas diferentes tipos de personalidade: seu Mário era mais sério, o Jonas brincalhão.

Jingle Bells!

Pena que não consigo descrever a música que tocava lá durante todo o mês de dezembro: Tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim-tlim-tlim!! Tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim... tlim-tlim-tlim-tlim-tlim... Jingle bells, Jingle bells... Jingle all the way!!!! Esse som entrava no ar e mudava a atmosfera: Tudo girava em torno do Natal!

No mês do Natal, enquanto seu Mário cuidava da administração, o Jonas fazia a criançada enlouquecer os pais pedindo presentes. Sei disso porque quando eu era criança escolhi um brinquedo magnífico na Casa dos Presentes, mas meu pai achou que era muito caro.

O Jonas na mesma hora disse que eu poderia escolher qualquer coisa:

- Pode escolher o que quiser, o Papai Noel é rico! – disse o Jonas.

Mas mesmo assim o meu pai não deixava escolher aquele tal brinquedo. Mas que coisa! Eu não entendia aquilo. Se o Papai Noel vai me dar o brinquedo, porque o meu pai não me deixava escolher o que queria?

Há uma curiosidade... enquanto Papai Noel escrevia com caneta verde, o Jonas só escreve com tinta verde!

E quem era a maior autoridade em Natal aqui em Tatuí? O próprio Jonas! Eu tinha uma consideração enorme para com ele. Aliás, não apenas eu, mas toda criançada de Tatuí. Pudera, ele trouxe pessoalmente o Papai Noel em Tatuí. O verdadeiro! O Jonas mandou trazer do Pólo Norte e desfilou em seu carro conversível (um Chevrolet, se não me engano) levando nada menos que o verdadeiro Noel no banco traseiro!

- “Puxa vida!” – pensei. - “Que homem importante esse Jonas!!! Amigão do Papai Noel!!”.

Então, se esse homem, tão chegado do Papai Noel, dizia para eu escolher qualquer brinquedo, o meu pai não tinha nada que impedir.

Mas no final das contas, não consegui convencer o meu pai. Só que o Jonas mostrou mais um monte de brinquedos e deu um jeito para eu escolher outras coisas e acabei esquecendo daquele outro.

– “Ele sabe das coisas!” – considerei. – “É amigo do Papai Noel!”.

Acho que a tinta que o Jonas usa só é fabricada no Pólo Norte!

Até hoje o Jonas ajuda o Papai Noel. Só mudou o lado da praça. Acho que ele também aguarda o bom velhinho chegar para trazer um vidro de tinta Parker Quink verde para abastecer a sua Parker 51, a caneta que ele usava para pedir os brinquedos do Natal.

A criançada pode escolher o que quiser, porque o Jonas já disse que o Papai Noel é rico!

Antes de encerrar tenho que lembrar que há um paradoxo no Natal, pois o foco das celebrações foi desviado para o Papai Noel, para a ceia e para os presentes. O personagem principal, Jesus, foi deixado de lado. A data tem sido mais utilizada em um enfoque comercial.

Assim, todos se lembram primeiramente das festas, das comemorações, dos encontros com parentes, amigos, confraternizações com colegas e, se sobrar algum tempinho, dedicam ao homenageado principal.

FELIZ NATAL!