quinta-feira, junho 29, 2006

51) As telhas do Nino Küel

Nino Küel tinha uma olaria no bairro do Marapé. Bem ao lado do ribeirão Manduca. Um terreno grande, mas alagadiço, pois nele há o encontro de dois cursos d’água: o ribeirão que nasce nas proximidades do Matão da Tica e atravessa a Vila Esperança e o trecho que atravessa toda a cidade, desde o Valinho.

Chovia um pouco mais forte e a olaria do Nino ficava submersa, inclusive o forno, dando prejuízos enormes. Isso não acontecia antigamente, era coisa muito rara. Entretanto, com a pavimentação que impermeabilizou as ruas e o crescimento da cidade, a coisa passou a ser constante. Até mesmo a ponte da entrada da cidade foi danificada algumas vezes, devido ao volume da água nas chuvas.

Quando chovia forte, a água subia até chegar ao telhado da olaria

Certamente que existiam alternativas para resolver o problema da olaria, mas Nino Küel fugia dos gastos e a coisa toda foi continuando. Depois de algumas enchentes, ele deixou de produzir na época de maior intensidade de chuvas, evitando maiores prejuízos.

Nino poderia ser considerado um filósofo. Suas ponderações sobre todos os acontecimentos, apesar de sempre ter uma pitada de humor, eram profundas… sua opinião era valiosa.

Conselhos ele dava de graça! Igual a algumas igrejas atuais, que cobram tudo de seus fiéis, fazendo Lutero revirar no túmulo, cujas únicas coisas que dão de graça são conselhos... e só os que lhes convêm.

- Você está demorando muito pra casar. Daí fica desatualizado e quer dar bibioquês de presentes aos filhos! – dizia Nino para alguns amigos solteirões. – E as crianças de agora querem videos-games! – completava.

E, para se ter uma idéia de seus pensamentos filosóficos, eis aqui um deles, relativo ao caráter efêmero da beleza feminina: “A feia tem uma pequena chance de melhorar, mas a linda não. Ela já é linda, não vai ficar mais linda. Vai é ficar feia!”.

- Conheço muitas senhoras elegantes e bonitas que não eram tão bonitas quando adolescentes - dizia Nino - Tenho visto, agora, algumas, que eram lindas, transformadas em verdadeiros dragões! - completava.

O tempo tem mostrado que o Nino Küel tinha mesmo razão nisso! Vale para homens e mulheres!

A olaria do Nino era um tanto rudimentar, mas sua produção tinha fama!

Mas vamos ao nosso caso! A olaria do Nino estava com um problema que não dava para ignorar: ele fabricava telhas francesas e a forma onde eram feitas as telhas empenou, fazendo com que as telhas produzidas não encaixassem, dando goteiras que davam a impressão que chovia mais sob o telhado que ao ar livre. Com isto, as vendas quase cessaram por completo.

- Ih, não está vendendo nada. – reclamava Nino – só sai telhas em sacoladas, para remendar alguma goteira! – explicava.

Vendas de olarias costumam sair em caminhões, mas as vendas do Nino cabiam em sacolas!!!

O estoque ia aumentando, deixando louco o Pedro Cornoló, seu forneiro, que dizia:

- Nino, precisa abrir um pouco a vossa mão e comprar novas formas. Isto aqui não serve pra telhado!

Muito a contragosto, Nino teve que encomendar nova forma para suas telhas. Foi mesmo “na marra”, porque não era mesmo um gastador. Era bastante pão-duro. Nem tinha telefone. Quando alguém queria falar com ele ligava no armazém da esquina e o Ari ou o Zé corriam chamá-lo em sua casa ou nas proximidades. O Nino nunca descia até a olaria e também não parava dentro de sua casa. De nada adiantaria um telefone que não o encontrasse (resta lembrar que nessa época não havia celular).

As telhas costumam mostrar, em relevo, a identificação do fabricante, marca, endereço, telefone, etc. Quando Nino encomendou a nova forma de telhas, informou um número de telefone. Mas ele não tinha telefone!!!

Logo chegou a nova forma de telhas que o Nino encomendou. Beleza! Agora as telhas encaixavam direito.

- Tá na supimpeza! – como ele costumava dizer.

Logo que fabricou as primeiras telhas vi o material. Agora as telhas ficaram ótimas. O material produzido em sua olaria sempre teve boa fama. Mas desta vez havia um detalhe importante: As telhas traziam, em alto relevo, os dizeres: Cerâmica São José. E tinham um número de telefone: o telefone do armazém do Ari Macarrão e do Zé Quirera!!!

As telhas do Nino traziam marcado o telefone do armazém da esquina

Para não gastar com telefone, Nino Küel colocou o telefone do armazém sem nem mesmo consultar os donos. Isso tudo para economizar com a conta do telefone. E o Zé Quirera e o Ari Macarrão, sem saber, tinham se transformado em seus secretários... gratuitos, é claro.

Os comentários do Nino Küel estão fazendo muita falta!!!

sexta-feira, junho 23, 2006

50) O maior cantor de serestas de Tatuí

Jarbinhas Sobral sempre foi um amante da música. Era ainda um menino e já cantava e tocava violão nas serenatas, isto lá pelo final da década de 60. Eu mesmo participei de algumas serenatas junto com ele. Em algumas ele soltava sua voz, encantando a homenageada, mas, vez por outra, entrava com algumas brincadeiras e trocando a letra das músicas em paródias horrorosas, fazia todo mundo sair correndo… Aquilo poderia até dar encrenca!!!

O danado tem uma bela voz! Quer dizer, não é um vozeirão de um Francisco Egídio ou Roberto Rosendo, mas é bom!

Seu repertório é mais ou menos eclético, mas tem uma queda para a música de seresta. Em Tatuí, durante algum tempo, teve até festival da seresta, uma tentativa de ressuscitar um gênero que teve seu auge no início do século passado. Alguns saudosos tentaram dar uma sobrevida ao gênero, mas isso significava o mesmo que fazer o Volkswagen de novo: sentar numa prancheta e recomeçar a desenhar o Fusca... não havia nenhuma vantagem nisso.

Nesse mesmo gênero musical, Bruno Baroni, outro tatuiano amante da música (e das corridas no Jockey, diga-se de passagem) tentou lançar-se como compositor de serestas.

Baroni ganhou o troféu abacaxi, que se recusou a pegar

Fez e apresentou na Discoteca do Chacrinha uma canção dedicada ao Velho Guerreiro, que lhe deu uma sonora buzinada e um abacaxi.

Entanto, sempre há público para músicas de seresta. São saudosistas que desejam relembrar momentos importantes de seu passado. É exatamente nisto que o extinto Festival da Seresta de Tatuí pecava: saudade requer tocar novamente as músicas existentes e não fazer novas composições sem ligação sentimental alguma.

Mas vamos voltar ao protagonista deste caso. Certo dia, cerca de quinze anos atrás, Roberto Rosendo, que nessa ocasião comandava um programa de seresta num canal de televisão de Itu, convidou o Jarbinhas para cantar em seu programa semanal. Claro que ele aceitou. Quem se dedica à música adora uma platéia, quanto mais sendo transmitido pela televisão... mesmo que fosse um canal com alcance apenas em uma pequena região.

No dia do programa, Jarbinhas foi para Itu com alguns amigos. Chegou bem adiantado... não seria ele a dar o cano. Conversou com os músicos que iriam acompanhá-lo em sua apresentação, ensaiou e ficou aguardando a hora de entrar em cena.

Ô enrolação!!! Programa de televisão tem que atender aos patrocinadores, tem uma seqüência a seguir e, para completar, talvez aumentada pela ansiedade do Jarbinhas, parecia que a “falação” do Rosendo não tinha fim... Entrava um artista, cantava 2 ou 3 minutos e o Rosendo preenchia o resto do tempo com 15 minutos de conversa... Anunciava que naquele programa receberia, para cantar, Jarbas Sobral, o maior cantor de seresta de Tatuí.

Com a ansiedade, Jarbinhas tinha impressão que o Rosendo não parava de falar com seu auditório

E o Jarbinhas esperando, desesperado!

Entra artista, sai artista e o Rosendo não parava de falar:

- Hoje receberemos aqui o maior seresteiro de Tatuí. O maior violonista da região de Tatuí! – repetia incessantemente Rosendo.

- Receberemos aqui o doutor Jarbas Sobral, o maior dentista da região de Tatuí! – empolgado, Rosendo continuava a valorizar seu convidado.

E canta um e canta outro, entra intervalo e sai intervalo, mas o Jarbinhas nunca era chamado.

O Rosendo continuava a anunciar “o maior seresteiro de Tatuí”. “O maior isto e o maior aquilo”.

E o Jarbinhas nervoso, ficava roendo suas unhas.

Depois de tanta enrolação, parecia que nem mesmo ia cantar. Mas chegou a tão esperada hora. Alguém apareceu e avisou ao Jarbinhas que ele entraria em seguida.

Daí parece que o Rosendo enlouqueceu:

- Vamos receber agora o maior cantor de seresta de Tatuí. O maior barítono da região, o melhor violonista, seresteiro aclamado pelas mais seletas platéias. O maior dentista de Tatuí. O cirurgião das elites! A voz mais afinada... o dentista musical!

- Com vocês: o grande Jarbas Sobral!

Jarbinhas, nervoso com a demora e a infindável apresentação, entrou no palco quase que tropeçando.

Por alguns instantes, Jarbinhas sentiu-se como um palhaço perdido

Quando chegou ou microfone, Rosendo continuou:

- Ele é também o maior contador de piadas de Tatuí!

- Jarbas, conte uma piada para nós! – disse Rosendo, sem qualquer prévia combinação.

- Ééééhhh! – o Jarbinhas engasgou. Não esperava isso, não lembrava de nenhuma piada. Aliás, não se lembrava nem mesmo o que estava fazendo ali... luzes, câmeras, aplausos...

Mas teve uma saída brilhante:

- Está feita a piada! – disse Jarbinhas – Há quarenta anos eu sonho em cantar na televisão e quando venho para cantar pedem para contar uma piada!!!

Cantando, Jarbinhas encantou!

Nem o Rosendo esperava por essa escapada do Jarbinhas, que, logo em seguida, soltou seu vozeirão e cantou Carinhoso, para o delírio da platéia.

Artista é artista, sempre. Ainda mais quando é tatuiano.