Em Tatuí também acontecem desarmonias entre os membros das igrejas. Eufrásio, um pastor de uma igreja evangélica tradicional na cidade, teve lá suas desavenças com seu pastor presidente e criou uma nova igreja, abandonando as doutrinas que não concordava. Não me lembro do nome da igreja do Nhô Frásio, mas era alguma coisa que contava que aquela era a verdadeira igreja e não as outras.

Fundou a nova igreja ao lado do ribeirão que atravessa a cidade, logo abaixo da antiga Usina Vigor. Lá embaixo, na beira do ribeirão, em uma região com poucos moradores, uma ruazinha sem saída, a igrejinha tava arrumada para receber os fiéis e para vencer a luta entre o Bem e o Mal. O diabo haveria de passar maus bocados com o Nhô Frásio, como era conhecido na cidade.

A localização da igreja do pastor Eufrásio não era das mais privilegiadas, apesar da possibilidade de batizar os novos fiéis no ribeirão, pois nessa ocasião a água, nessa região, não era tão poluída quanto hoje. Para compensar a má localização, Nhô Frásio arrumou uns alto-falantes tipo corneta, muito possantes, que colocou sobre o telhado do casebre onde funcionava a igreja.

Investiu suas economias em uma aparelhagem que amplificava sua pregação, do púlpito para as ruas da cidade. E tome barulho. Nhô Frásio não sabia fazer uma pregação sem gritar. Aos berros, expulsava satanás dali. Da igreja e das vizinhanças, porque a barulheira produzida pelo Nhô Frásio era ensurdecedora. Não sei se o diabo fugia do sentido da pregação ou do palavreado que mais parecia uma violência ao bom português.

Além disto, os fiéis freqüentadores da igreja, incentivados pelo pastor, gritavam ainda mais, cujo som era também captado por outro microfone estrategicamente colocado próximo aos bancos da igreja. Arre!

Uma questão geológica fazia com que o ruído produzido na pequena igreja do pastor Eufrásio alcançasse distâncias inesperadas. O ribeirão que atravessa a cidade de Tatuí fica no fundo de um pequeno vale. O centro da cidade em sua margem direita (à jusante) e bairros como vila São Paulo, vila Esperança, São Cristóvão e Morro Grande ficam em sua margem esquerda. É, na verdade, um pequeno cânion.
Com isto, o berreiro que Nhô Frásio fazia lá pelas bandas da Usina Vigor, amplificado pelos alto-falantes de corneta e canalizados pelo cânion formado por esse vale, ajudado pelo vento, levava a pregação até as proximidades da ponte do Marapé.
Para piorar a situação, quando vai chover a pressão atmosférica muda e o som se propaga com mais facilidade, alcançando distâncias ainda maiores. Conforme a noite, a barulheira da igreja do Nhô Frásio atingia até a vila Dr. Laurindo.
O pastor Eufrásio não temia nada. Achava que com seus berros estava expulsando satanás e divulgando sua mensagem para as vizinhanças. Provavelmente nem o diabo agüentava a barulheira. Nhô Frásio não perdoava. A gritaria era imensa.

Só que isso não aborrecia apenas o inimigo, mas também todos os moradores de uma vasta região. Para o diabo era fácil: dava um mergulho e voltava ao inferno. Mas para os pobres tatuianos mortais que tinham de escutar aquilo todas as noites a coisa ficou complicada.
Ora Nhô Frásio expulsava satanás, ora estuprava o português com seu vocabulário...

Nessa guerra entre o Bem e o Mal, durante algum tempo alguns moradores ficaram em dúvidas a respeito de quem era o Bem e quem era o Mal... e tome gritaria. Psiu! Silêncio!!! E a igreja? Fechou logo, para alívio dos moradores de Tatuí!