domingo, outubro 15, 2006

60) O caso do DOPS em Tatuí

As coisas nem sempre foram pacíficas em Tatuí. Vez por outra a cidade fica dividida pela metade. Uns a favor disto e outros a favor daquilo. No final da década de 50 e parte da década de 60 a cidade esteve dividida entre Junqueiristas e Lisboístas. Facções irreconciliáveis!

Não vou tocar nos méritos ou deméritos deste ou daquele. O que interessa é mostrar como era o ambiente político da cidade nessa ocasião.

Aconteceu que, dentre as diversas encrencas que esta ou aquela facção política “criava”, havia um problema bastante sério que removeu a cidade dos trilhos do progresso e cujos efeitos ainda podem ser percebidos: Apesar de ser uma das primeiras cidades a receber iluminação elétrica, devido ao pioneirismo dos Guedes, a geração de energia elétrica resumia-se à barragem de Cerquilho e, com isto, faltava energia em Tatuí e tudo foi se estagnando.

Inicialmente projetada para atender a Tatuí do final do século XIX e início do século XX, quando entrou na década de 1950, sem qualquer ampliação na geração de energia, a Companhia San Juan de Força e Luz, então proprietária da usina e concessionária de energia, fornecia eletricidade também para Cerquilho e Tietê. A capacidade não dava para uma cidade e estava atendendo três!

Acabaram-se as indústrias de Tatuí, que até esse época ainda era uma cidade industrial. Outros centros, que contavam com energia elétrica suficiente, progrediram e Tatuí regrediu!!! Regrediu mesmo, porque até a primeira metade do século XX era cidade industrial, considerada "cidade rica".

A Cia. San Juan era apoiada pelo Junqueira (e pelos junqueristas). O outro lado, na ocasião prefeito de Tatuí, João Lisboa, tentava mudar as coisas, mas a politicagem tatuiana impedia. Deu um jeito de encampar a San Juan e a Prefeitura assumiu a distribuição de eletricidade em Tatuí, passando também a receber as contas de luz (Lisboa, foi apelidado de "João Luz Boa"). Com isto começaram as encrencas que fazem fundo a este caso.

Lógico que o pessoal da San Juan não aceitou perder a concessão de braços cruzados. Apoiados pelo junqueirismo, entraram em contenda com o prefeito João Lisboa em uma queda de braços que se estendeu por alguns anos. Enquanto eles brigavam, as luzes de Tatuí pareciam “uns tomatezinhos”, umas "bolinhas avermelhadinhas" que não iluminavam coisa alguma. A coisa mais comum em Tatuí era o blackout! O apagão!

Da estrada quase nem se via a cidade à noite, tão fraca era a iluminação. E o povo brigando. Só porque era “do meu lado” ou “contra o meu lado” havia o emperra-emperra...

Quando a San Juan ganhou na justiça o direito de retomar a companhia de eletricidade, não conseguia retomar sua posse. Tinha de ser na marra.

O juiz que ordenou a reintegração de posse em favor da San Juan recorreu ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) que enviou um caminhão lotado de soldados armados com fuzis e metralhadoras, para cumprir a reintegração de posse, para retomar a companhia e proceder ao desligamento das ligações de luz dos consumidores que haviam pago na prefeitura.

Os soldados do DOPS patrulhavam Tatuí

Saíam como se fosse uma procissão... soldados armados, funcionários da San Juan com escadas para subir nos postes e cortar fios elétricos, e uma multidão de curiosos (eu pelo meio).

Não sei quantas vezes o DOPS veio a Tatuí, mas foram diversas!

Mas em uma dessas ocasiões, depois de descerem do caminhão (daqueles caminhões que transportam tropas) dirigiram-se à Praça da Matriz. Ficaram lá aguardando ordens... conversando e sendo foco da curiosidade dos tatuianos.

Esse é cara de pau!

Pois bem, quando estavam todos ali pela praça, apareceu o Rubens Pasqualotte, nessa época com seus vinte e poucos anos, vestindo terno preto, gravata e óculos escuros. Ele estava na “estica”, como dizia a gíria da época.

Acontece que o danado do Rubens Pasqualotte sempre foi um brincalhão de primeira categoria. Aproximou-se dos soldados do DOPS, fazendo cara muito séria e andando com passo firme. Parou e gritou com todos os pulmões:

- SENTIDO!

Os soldados, condicionados à ordem unida, foram ficando em forma, quase que automaticamente.

Eles não conheciam quem iria liderá-los em suas atividade em Tatuí. Na verdade, a tropa, geralmente nem sabe o que vai fazer... só obedece ordens!

Rubens Pasqualotte, vestindo terno, comandava o pelotão do DOPS

Apesar do Rubens não estar fardado, era comum que os soldados do DOPS fossem comandados pelo pessoal da “secreta”, dos serviços de espionagem... Eles não questionaram coisa alguma. Soldado não questiona, obedece!

Rubens percebeu que eles haviam acreditado e começou dar ordem unida aos soldados.

- SENTIDO!

- MEIA VOLTA, VOLVER!

- ORDINÁRIO, MARCHE!

E assim por diante. Mas não abusou. Fez o pelotão marchar uns metros e ordenou:

- ALTO!

Pararam todos na mesma hora.

O Rubens, com a maior cara de pau, passou uma descompostura nos soldados, por estarem conversando displicentemente na praça e ordenou que saíssem em patrulha.

- NÃO QUERO NINGUÉM PARADO! – ordenou Rubens.

- SAI TODO MUNDO PATRULHANDO A CIDADE DE QUATRO EM QUATRO! – continuou.

Mandou o pessoal sair de forma e ir patrulhar a cidade andando em grupos de quatro... E assim foram eles. Quatro pra cá, quatro pra lá, quatro acolá!!!

Quando saíram da praça, o Rubens, que não é bobo, sumiu do mapa. Os soldados patrulharam a cidade durante mais de uma hora, até que apareceu o comandante verdadeiro e reverteu a situação.
A cidade toda ria dos soldados que haviam passado por tolos sob as “ordens” do Rubens Pasqualotte.
O comandante do DOPS tentou encontrar o engraçadinho que havia feito tamanha desfeita à tropa de elite do principal órgão de segurança paulista e que se tornou o instrumento-símbolo da ditadura militar na repressão de opositores.

E o Pasqualotte? Ah, sumiu mesmo! Ficou escondido uns dias, pois o castigo para aquilo que havia feito seria, no mínimo, umas horas no “pau-de-arara”!!! Eu, hein???